Silvia C.S.P. Martinson
Seu nome Louis Frederico Guilherme. Vivia em uma pequena cidade chamada Ijuí, no estado do Rio Grande do Sul-Brasil, localizada na serra gaúcha.
Meus avós juntamente com outros colonos vindos da Europa ali se estabeleceram, compraram suas terras porque naquela época não havia o costume de doarem-se terras aos imigrantes.
Mas, como estou lhes contando neste inicio de estória, os imigrantes ali se estabeleceram, fundando uma nova cidade e trazendo com eles seus costumes, aptidões de trabalho, idiomas e religiões.
Meus avós eram alemães, pelos menos assim se diziam e até porque, era o único idioma falado na casa. Os conheci pouco, já eram bastante idosos quando eu nasci. Meu pai era o mais novo de 10 irmãos e filho de um segundo casamento de meu avô que ficara viúvo.
Meus pais viviam na capital longe da cidade de Ijuí.
As viagens à casa de meus avós somente se davam ao final do ano, nas férias de verão.
Lembro-me que levávamos um dia inteiro de viagem, no carro de meu pai, por estradas de terra vermelha e muita poeira somente para chegarmos, à noite, muito sujos e com as caras tapadas por aquele pó, ou ao contrário se minha mãe conseguisse que parássemos em um posto de gasolina, aberto, lavávamos as mãos e o rosto.
De qualquer forma esta viagem era sempre, para nós, motivo de alegria e nos parecia comumente uma grande aventura.
Louis F. Guilherme, pelos íntimos e amigos era chamado de Willy, assim me lembro. Ele era casado com a irmã de meu pai chamada Martha e viviam em uma das casas de meus avós.
Casa esta ocupava, em sua totalidade, incluindo jardins e a garagem que se situava fora da casa, quase cem metros. Estava muito bem localizada em uma esquina em pleno centro da cidade, cerca da praça central, da igreja luterana e da estação de rádio local.
Meu avô tinha um grande açougue que abastecia com seus produtos boa parte da população de então.
Nesta cidade o idioma predominante era o alemão que meus avós, assim como meu pai e seus irmãos falavam fluentemente e escreviam com perfeição.
Meu tio Willy era um homem bonito e inteligente, tinha cultura e também muita soberba. Havia sido professor de matemáticas.
Quando o conheci teria eu talvez uns seis ou sete anos, porém lembro-me dele perfeitamente por vários motivos.
Trajava bem, sempre com camisas brancas impecáveis as quais trocava duas vezes ao dia, face à terra vermelha que havia ali e que em tudo se entranhava. Era um homem muito rígido em seus costumes e nós crianças lhe tínhamos certo medo.
Quando ele chegava à casa do trabalho, pois àquela época já era um grande negociante do ramo de exportação de trigo, o qual consistia na grande produção daquele município e região, todos tratavam de obedecer-lhe.
Meus primos tratavam então de apresentar-lhe seus trabalhos da escola e executar ao piano, que havia na casa, as músicas que haviam aprendido e que a ele lhe gostava. Meus primos tocavam muito bem piano. Educação musical em nossa família era uma das prioridades.
Bem, continuando, tio Willy era adepto das caçadas, o que fazia amiúde com seus amigos.
Tinha várias armas de caça que guardava sempre bem fechadas, lubrificadas e cuidadas em um armário da casa onde somente ele tinha acesso e cuja chave trazia sempre com ele.
Também possuía três cachorros perdigueiros os quais havia treinado para suas caçadas.
Um dos cachorros, o mais bonito que me lembro, chamava-se Pacha. Pacha era um perdigueiro de raça pura, branco e marrom-claro, com longas orelhas, dócil com nós outros crianças, porém muito obediente a qualquer ordem dada por meu tio.
Quando o conheci já estava quase cego, seus olhos lacrimejavam constantemente e vivia deitado à porta da casa. Passados alguns anos fiquei sabendo o que acontecera com ele.
Em uma caçada em que meu tio e outros homens participavam, os cachorros saíram a perseguir a caça com latidos cada vez mais fortes até o ponto em que estancaram e pararam de latir.
Meu tio deu ordem a Pacha que avançasse o que a princípio este não obedeceu.
Então ele, com ênfase gritou: Avança Pacha! Avança Pacha! Avança Pacha!
Esta era a ordem a que Pacha estava acostumado, sem titubear, a obedecer para pegar a caça entre seus dentes e trazê-la até seu dono.
Soube que Pacha obedeceu, porém o que trouxe ao seu dono foi uma cobra cascavel, altamente venenosa, que lhe havia picado no peito.
Pacha a havia matado, porém ali mesmo tombou quase morto pelo veneno.
Meu tio desesperado lhe aplicou o soro antiofídico que sempre levava nas caçadas e voltou imediatamente à cidade a procura de um veterinário.
Dizem que neste dia, pela primeira vez na vida, os amigos viram Willy chorar. Ele amava aquele cachorro.
O tempo passou, meu tio não mudou sua maneira de ser e hábito de dominar as demais pessoas, o que por suposto, futuramente, lhe trouxe muitos desgostos com sua família.
Pacha se recuperou, porém nunca mais foi caçar, foi ficando cada vez mais cego – sequelas do veneno da serpente – e um cachorro triste e velho.
Soube muito tempo depois que ele se escondeu debaixo de uma escada em um canto escuro para morrer. Como um amigo fiel e para não dar trabalho a ninguém assim o fez Pacha.
Morreu só.