Autor/aSilvia Cristina Preissler Martinson

Nasceu em Porto Alegre, é advogada e reside atualmente no El Campello (Alicante, Espanha). Já publicou suas poesias em coletâneas: VOZES DO PARTENON LITERÁRIO lV (Editora Revolução Cultural Porto Alegre, 2012), publicação oficial da Sociedade Partenon Literário, associação a que pertence, em ESCRITOS IV, publicação oficial da Academia de Letras de Porto Alegre em parceria com o Clube Literário Jardim Ipiranga (coletânea) que reúne diversos autores; Escritos IV ( Edicões Caravela Porto Alegre, 2011); Escritos 5 (Editora IPSDP, 2013) y en español Versos en el Aire (Editora Diversidad Literaria, 2022) Participou de concursos nacionais de contos, bem como do GRUPO DE ARTISTAS E ESCRITORES DO GUARUJA — SP, onde teve seus poemas publicados na coletânea ARAUTOS DO ATLANTICO em encontros Culturais do Guarujá.

Sensivel

S

Silvia C.S.P. Martinson

Sensivel é o teu olhar
quando me olhas a saudar,
nele vejo mil promessas,
nele sinto histórias a ocultar.
Não dizes palavras e calas
teus sentimentos como terras
que eu deva desbravar.
E de tesouros e ouro escondidos
são teu sentir e desejos,
que neles pressinto e vejo
a me esconderes, tu, os tens
como precaução, de que te machuque, eu.
Todavia, não compreendes,
não confias que meu amor,
sensível e derradeiro,
possa ainda ser,
tão grande, igual ou maior,
muito maior, que o teu.

 

O vigarista

O

Silvia C.S.P. Martinson

 

Havia um ruído intenso. Quase não se podia ouvir o que ele falava. Porém, continuava a fazê-lo sem parar.

O homem não tinha vergonha; pensava-se jovem, apesar dos 78 anos que tinha. Foi casado várias vezes, cinco para ser mais exato. Culpa as mulheres por suas separações. Em sua opinião, todas têm algum defeito: ou físico, intelectual ou moral. Impressionante.

Está bem fisicamente, apesar de não ser um homem atrativo, porque é baixo e de certa forma feio. Relativamente, tem algum charme: é simpático. É europeu, fala bem em francês e espanhol. Como companhia de beira de praia para um bate-papo, é até interessante.

Para seus amigos ricos é especialmente prestativo. Sim, para seus amigos ricos. Em verdade, é o que mais lhe agrada, ou seja, ter amigos e mulheres muito ricas com as quais possa conviver e partilhar de suas festas e ambientes requintados. Aparentemente, é uma pessoa simples e, é claro, quando expõe sua situação financeira, todavia, entre suas palavras e ações, denotam-se verdadeiramente suas intenções.

Aos amigos que estão na mesma situação que ele, quando não tem ninguém, aproxima-se para encobrir sua solidão. No entanto, a estes negligencia na primeira oportunidade quando surge alguém mais aquinhoado. A vida também, às vezes, prega suas peças. E assim se passou.

Por um chat de internet, aonde procura conhecer pessoas normalmente para travar relações pessoais, conheceu uma mulher latino-americana que parecia bem colocada financeiramente. Bonita, de alta estatura e relativamente jovem para ele. A diferença de idade entre os dois se aproximava em 20 anos a mais para ele.

Foi visitá-la em sua cidade, hospedaram-se em um hotel e lá mantiveram relações sexuais que lhe pareceram bastante satisfatórias. Convidou-a para passar uns dias em sua casa na praia.

Ela veio. Chegou toda charmosa, encontrou-o na estação, ele fora buscá-la como costuma acontecer com homens educados. A senhora pensou então que encontrara o homem de sua vida, aquele que haveria de satisfazê-la em todas as suas expectativas, que eram: casar-se com um europeu para obter a cidadania europeia, um homem mais velho que pudesse dominar, rico e proprietário de bens materiais que fizesse com que a vida lhe fosse cheia de regalias e sem problemas com que se preocupar.

Ledo engano. Quando constatou a dura realidade, quando não teve acesso aos restaurantes que pretendia, quando viu que o apartamento em que ele vivia era alugado e que a comida era feita em casa e escassa, pensou em como se descartar da situação criada.

Urdiu então e executou com frieza, calculadamente, seu plano. Começou bebendo todas as cervejas que ele tinha armazenado em sua casa, mais ou menos umas quinze. Depois delas, dormiu toda a noite em sua cama, ocupando o lugar dele inclusive.

No outro dia, foram à praia e depois almoçar em um restaurante simples, onde tomou novamente umas oito ou nove cervejas sem, no entanto, se tornar embriagada. Ante o que via, ele se tornou cada vez mais aborrecido e frustrado em seus desejos de grandeza.

Surtiu efeito o plano dela. Ao final do fim de semana, ela se despediu e lhe disse:

"Adeus, amor! Simplesmente não combinamos em nossos gostos. Eu gosto de Champanhe francês e você? De água. Sinto!"

O relógio

O

Silvia C.S.P. Martinson

 
Escrevo sem a pressa
porque te deixas dominar,
enquanto olho a paisagem,
os pássaros, as ondas, o mar
tu segues a caminhar
pendente do tempo que calculas
para o trajeto acabar.
A escrever te descrevo, te falo
dele de quem és perene escravo,
êle marca e determina para ti, sobretudo
em cada minuto ou hora,
quando tudo começa,
quando, ao teu sabor,
tudo, enfim, deve se acabar.
E ao teu lado sigo
pensando e rezando,
por querer-te tanto,
que ao meu lado sigas
esquecido do maldito,
num desvão, em um canto,
este relógio, mau amigo
dele, o proscrito!

Exaltação

E

Silvia C.S.P. Martinson

 
Mil cores a água cristalina espelha
nas ondas a espraiarem-se.
É o Sol que nos brinda
no céu azul deste dia.
A alma alegre exulta
e na beleza intensa se extasia,
se funde em tudo e nessa magia
voa com os pássaros e em alegria
ao infinito se alça e paira...
Despede-se do que a angústia,
vibra, dança, canta e em hosanas,
o pão nosso agradece, à Vida.

Despedida do poeta

D

Silvia C.S.P. Martinson

 
Quando desta vida partiu,
não deixou saudades,
nem alegrias não resolvidas.
Dos sonhos, quimeras perdida,
das ilusões, amores, almas partidas,
dos dias gloriosos e ensolarados
e das Estações se apropriou!
Das diuturnas, matinais explosões de cores,
as luzes e sombras consigo guardou!
Apoderou-se da palavra,
do som, do veso, da expressão
da arte, da maestria e do amor...
E, a tudo tomou, escondeu, surrupiou!
Deixou-nos o corpo, o Poeta,
pálido, exangue, sem vida!...
E a alma? A alma furtou-nos,
sorrateiro, levando em seu âmago
a verve, a luz, o brilhantismo,
a alegria, o amor, a fidalguia
e também, dolorosamente: levou a a Poesia.
A nós? Nenhum sorriso ou olhar!
Nenhum só! ... Na partida. Na despedida!

Distraídas

D

Silvia C.S.P. Martinson

A rua estava repleta de pessoas que caminhavam apressadamente umas, outras, no entanto, mais devagar. Estas últimas iam a seu passo, apreciando as vitrines das lojas que já se encontravam abertas.
 
Era a semana que antecede o Natal. As lojas em sua grande maioria estavam com suas vitrines cheias de sugestões bonitas a fim de que as pessoas se interessassem de comprar algum objeto, ou roupas, ou brinquedos para ofertar, como presentes, aos seus queridos na noite de Natal. Costume este tão comum em certos países.
 
Os três caminhavam na mesma calçada, cada um a seu ritmo. André mediava os 65 anos e ia andando com certa pressa, ao mesmo tempo em que atendia, em seu celular, uma chamada de seu neto, o qual lhe recomendava comprar a ele uma bicicleta que havia visto em uma determinada loja e que lhe agradara muitíssimo, acima de tudo uma vez que a mesma preenchia sobremaneira às suas expectativas e necessidades para quando se deslocasse à universidade em que estudava.
Ela, Lidia, deslocava-se tranquilamente, olhando as pessoas que passavam ao mesmo tempo em que se recordava de fatos ocorridos em seu passado. Um desses fatos a fez lembrar-se de que aos 20 anos, agora com 65, se apaixonara por um jovem e ele por ela. Este se chamava André. Estavam ambos já na universidade, cursavam distintas matérias uma vez que ele pretendia ser advogado e ela médica.
 
Lembrou ainda que ao final do curso de cada um, ambos, se separaram. Cada qual seguiu seus objetivos em especializar-se em cursos de pós-graduação em outras universidades.
Eventualmente se encontraram, todavia a vida, os compromissos e outros interesses acabaram por separá-los.
 
Mais atrás e em sentido contrário vinha pela mesma calçada um homem de idade mais avançada, apoiava-se em uma bengala, haja vista que o peso dos anos já se lhe faziam sentir mais fraco, trôpego, sem a higidez da juventude.
 
Chamava-se Francisco este velho homem que caminhava lentamente. Havia sido professor na universidade.
 
Ao olhar aquelas duas criaturas que vinham tão distraídos e ensimesmados, recordou-se imediatamente de seus alunos André e Lidia aos quais ele sempre olhava com certa inveja face a juventude e beleza que ambos tinham àquela época.
 
Notou ainda que, ainda assim, os dois apesar da idade mantinham traços de beleza que o tempo não lhes roubou.
 
Francisco observou que ambos andavam sem separado, não como antes na universidade quando então enamorados caminhavam de mãos dadas e seguidamente os via, pelas esquinas, abraçados a beijar-se.
Francisco tentou chamar-lhes naquele momento. Lidia olhava distraída uma vitrine de uma loja de roupas. André estava ocupado atendendo sua chamada no celular, completamente absorto.
 
André e Lidia simplesmente não se haviam dado conta da presença de um ou outro naquela rua.
 
Francisco emocionado ante tantas lembranças tentou uma vez mais chamar a atenção de seus ex-alunos, no entanto a voz se lhe tornou embargada, os olhos se lhe encheram de lágrimas. Uma forte dor no peito fez com que se acomodasse em um banco que havia na calçada.
 
Francisco ali adormeceu para sempre enquanto as pessoas, cada uma, seguiam seus caminhos, seus destinos pelas estradas da vida, total e absolutamente distraídas.

Miragens

M

Silvia C.S.P. Martinson

 
No silêncio da noite
quando minha voz já não ouves,
imagina que em estrelas,
tu, me encontres
a olhar-te de longe,
a sonhar mil amores,
a viajar nos ardores,
enlaçada em teus braços fortes.
Caminharemos na noite
qual pássaros, qual Fênix
trocaremos de plumas
e abraçados amantes
no infinito distante
felizes, enfim,
nos perderemos.

O encontro

O

Silvia C.S.P. Martinson

 

Ela caminhava depressa.

Tanto quanto podía. Queria correr, todavia as pernas e os pés não lhe permitiam.

As ruas estavam atulhadas de pessoas que iam e vinham despreocupadas.

A tarde já se encontrava a meio caminho para a noite, lançando o sol sobre o horizonte seus últimos raios luminosos, colorindo o céu de cores amarelas-avermelhadas.

Enquanto caminhava ela ia pensando em como se daria este encontro.

Tantas coisas haviam passado, o tempo, a vida, fizeram com que fatos importantes fossem aos poucos esquecidos.

Lembrou-se de quando se haviam conhecido. Ela caminhava a beira do mar em uma manhã calma, quando as ondas se derramavam languidamente na praia.Neste momento apreciava somente a natureza sem se dar conta  dos percalços do caminho. Foi então que em um desvão da calçada tropeçou e já se ia ao solo quando mãos poderosas lhe seguraram pelos braços.

Estas mãos que lhe ampararam de um maior dano, caso se houvesse estatelado ao solo, foram as mesmas que muitos séculos atrás lhe socorreram no mesmo sentido em situações idênticas.

Então naquele momento a empatia que havia de antemão se fez notar novamente. Porém ambos não se deram conta, o passado havia se apagado momentaneamente de suas vidas.

Todavia este acontecimento proporcionou que ambos começassem a entabular uma conversa.

Desta conversa surgiu descobrirem que faziam aquele percurso todos os dias pela manhã.

De cada encontro todas as manhãs em horas previamente agendadas caminhavam, os dois, a beira-mar enquanto trocavam idéias sobre os mais variados assuntos, verificando que estas (idéias) eram muito semelhantes em seus pontos de vista de como viver e proceder diante das situações apresentadas fossem elas de fácil ou difícil resolução.

Assim que o tempo foi passando e as afinidades entre os dois cada vez mais se consolidaram.

Ficaram os dois bem velhinhos, passaram a se querer cada vez mais, cada um a respeitar a liberdade do outro e a compreender as diferentes manifestações de suas personalidades inerentes a cada um devido às vivências e experiências sofridas naquela vida.

E caminhando ao encontro dele, na praia, ela recordou ainda que: o amor entre os dois, por consequência, também foi inevitável, intenso, especialmente lindo e sincero acima de tudo.

Convite

C

Silvia C.S.P. Martinson

Me convidas a viver, a querer-te
e te sigo sem parar
iludida em sonhar
que poderás querer,
em algum tempo,
em algum lugar,
deixar em meu corpo
do teu ardor as marcas.
E, eu, como tua amante,
ficarei para sempre
e cada vez mais
a te desejar
eternamente, a tua espera
a vibrar e a te amar.

Tio Raimundo e o escorpião

T

Silvia C.S.P. Martinson

Tio Raimundo como sempre chegava de mansinho sem fazer alarde de sua presença.
Quando nos dávamos conta ele estava sentado em uma cadeira frente a grande mesa de mármore que havia no terraço coberto nos fundos da casa de sua sobrinha.
 
Quando víamos lá estava ele sentado quietinho, com um sorriso esboçado na cara, como adivinhando que estávamos nos aproximando. Normalmente isto ocorria depois do almoço. Ele nunca vinha para almoçar. Já o fizera em sua casa.
 
Tomava de um barco, porque vivia em uma ilha próxima da capital e chegava à primeira hora da tarde, ou para ir aos médicos, porque já era velhinho, ou para visitar os parentes, quando então era sempre por todos bem vindo.
 
As crianças o adoravam pelas histórias que sempre tinha para contar. Em uma dessas visitas contou que se encontrava em uma pescaria na beira do rio e como havia muitos peixes que pescara resolveu limpá-los ali mesmo, acocado em um barranco de areia, junto à água.
 
Enquanto limpava os peixes não percebeu que um escorpião lhe subia pela perna.
Somente quando sentiu a picada do bicho e a dor que lhe causou é que se deu conta do perigo que isto representava. As pessoas que vivem no campo conhecem o quanto é mortal a picada de certas cobras ou escorpiões.
Aquele escorpião, segundo contou Tio Raimundo, era dourado e conforme ele disse, estes são os mais mortais, porque altamente venenosos.
 
E assim narrando foi que contou como se salvou. Disse que sacou de um facão que sempre carregava consigo e cortou de um só golpe um pedaço de carne da canela, deixando o osso exposto onde o bicho lhe havia picado.
 
O sangue lhe correu aos borbotões e ele que sempre levava consigo, em suas pescarias, algodão e compressas, fez ali mesmo seus curativos, após o que recolheu tudo e foi para um hospital na cidade a fim de ser tratado.
Com o tempo e muito atendimento médico curou-se.
 
Todavia o mais interessante e inexplicável de tudo é que todos os anos, no mesmo lugar da picada a pele que ali cresceu ficava avermelhada e ardia muitíssimo, causando-lhe dores e muitos cuidados para que aquela não se rompesse novamente deixando o osso da perna exposto.
 
E assim contando Tio Raimundo levantou a perna da calça que usava e mostrou às crianças a grande cicatriz que ali se encontrava.
As crianças ficaram de boca aberta e olhos arregalados enquanto Tio Raimundo lhes mostrava o que sucedera e ao mesmo tempo aproveitou para aconselhar:
 
- Crianças queridas nunca se aproximem de um escorpião dourado, ele é bonito, todavia traiçoeiro e malvado.
 
E sorrindo, deu adeus, levantou-se e tranquilamente, como sempre, foi embora.

 

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