O professor
Silvia C.S.P. Martinson
Havia ainda a chamada 2ª época quando ao final de dezembro e início de janeiro eram ministrados novos exames às recalcitrantes, dando-lhes uma segunda oportunidade de aprovação. Diga-se, de passagem, que naquele tempo, era considerada uma vergonha ao aluno ficar dependendo da “2ª Época” para passar às classes do ano seguinte. Estes alunos eram considerados preguiçosos ou pouco inteligentes. A exigência de conhecimentos nestes exames era muito maior do que aqueles pedidos no final do ano letivo.
Chamou-me a atenção à maneira de como o professor se dirigia às alunas.
Assim que observando a tudo isto me propus a nunca, sendo aluna dele, tirar uma nota abaixo de 10 para lhe fazer ver que não era tão competente quanto queria aparentar. E assim sendo estudei e me preparei para suas provas.
- Não senhor. Eu, para seu desgosto e lembrança de minha pessoa, a fim de que jamais se esqueça deste acontecimento, novamente tirei 10.
Um senhor cantor de tangos
Alvaro de Almeida Leão
Uma sociedade beneficente e recreativa social de uma pequena cidade do interior está completando dez anos de bons serviços à comunidade. Nada mais justo do que comemorar com orgulho e satisfação essa tão auspiciosa data.
Além dos convites especiais para autoridades locais constituídas, foi elaborado um boletim da programação dos festejos, produzido e assinado pelo atual secretário-geral da entidade - sempre bem-vindo por ser repleto de inteligente e fino humor - dirigido para a digna e honrada casta de associados.
Entre assuntos sérios e outros nem tanto, registramos os seguintes constantes do boletim:
– Na parte da manhã, alvorecer com salva de vinte e um tiros de canhões; como não dispomos dessas armas, vamos mesmo de revólveres, garruchas, pistolas, espingardas, bacamartes e similares, desde que funcionem;
– Apetitoso café da manhã, estilo colonial, não faltando todas as melhores iguarias, que nem vou mencionar quais, para não provocar momentos de água na boca. Local: cada um na sua casa. Por decisão unânime da nossa diretoria, será sorteada uma casa de um dos nossos associados na manhã do aniversário, para que in loco o digno secretário-geral, que este subscreve, prestigie, com sua honrada e digna presença, tão incomparável desjejum;
– Missa campal ecumênica, às 10h00, ocasião em que iremos inaugurar as novas benfeitorias realizadas na nossa sede social; atividades culturais e esportivas constantes de apresentação do nosso coral, concurso de anedotas mais ou menos de salão (atenção mais para mais do que para menos), declamações de poesias, torneio de bochas e o tradicionalíssimo GRENAL, cujo vencedor será, evidentemente, o time deste nobre secretário-geral;
– Ainda sobre o GRENAL: o gol mais bonito e o mais perdido. Importante: atletas do futebol com planos de saúde e do SUS em dia. Motivo: as seguidas contusões durante o jogo, por conta das nossas reconhecidas ruindades no trato com a bola;
– Em seguida, eleições da rainha da festa e princesas;
– Ao meio-dia, após o almoço de confraternização, haverá a entrega de troféus e medalhas aos participantes vencedores. Proibida a entrada de pessoas no trago, porém sair borracho pode;
– À tarde, chá exclusivo para senhoras e senhoritas, com desfiles de modas e sorteio de brindes. Atenção: fofocas livres, porém, não vale malhar os namorados, noivos e maridos. No salão de festas, haverá sistema eletrônico de escuta “clandestina autorizada”. Todo cuidado é pouco!... Quem avisa amigo é;
– Às 20h00, apresentação no nosso auditório de um cantor ou cantora, que estamos contratando, através de anúncios em jornais, aliando qualidade e preço, para, com o nosso conjunto regional, proporcionar momento de verdadeiro deleite musical;
– A partir das 23h00, inesquecível baile de aniversário, com música ao vivo e com hora para começar. Para terminar, como sempre, somente quando o sol estiver a pino;
– Aos felizes participantes das nossas festividades solicita-se a espontânea doação de um quilo de alimento não perecível, por pessoa, a ser distribuído às famílias carentes do nosso município (observação por oportuna: maneirar quanto à quantidade de sal ofertada, na festa anterior foi além da conta, entenderam a mensagem?);
– Atenção, atenção, muita atenção! Se chover pela manhã, as comemorações serão realizadas em conjunto com as da tarde. Porém, se chover à tarde, todas as confraternizações serão pela manhã. Entenderam a última parte dessa comunicação? Não?!... Nem eu. Mas enfim, já escrevi isso e, com a devida vênia, permito-me não voltar atrás;
– Obrigado a todos e até o próximo glorioso e inesquecível primeiro sábado do mês vindouro, ocasião em que comemoraremos nossa magna data.
Entretanto, Adalberto Luvielmo (baita nome de cantor de tangos, não é mesmo?), morador de uma cidade do outro extremo do estado, toma ciência, através do jornal, do anúncio daquela sociedade beneficente e recreativa social.
Obtém maiores detalhes pelo site da sociedade: cachê de pequeno valor, em virtude das diminutas possibilidades financeiras da sociedade; o cantor ou cantora deverá chegar próximo da hora de se apresentar e voltar no mesmo dia, pois não será franqueada hospedagem; após a apresentação, será servido um PF (o conhecido prato feito) no capricho, acompanhado de uma ceva geladinha.
Mesmo sem perspectiva de boa grana, Adalberto Luvielmo nem precisou pensar duas vezes, candidatou-se afirmando com todas as letras maiúsculas ser UM SENHOR CANTOR DE TANGOS. Ganhou, digamos assim, a concorrência artística.
Também pudera, escreveu só garganteando fanfarrices (entendam-se inverdades): que se apresentou em terras portenhas como cantor de tangos; não disse que esse fato se deu no ônibus que faz a linha Brasil-Argentina com um coro de vozes de umas trinta pessoas, seus colegas de excursão; que só não mandava um CD que gravara por ter-se esgotado em uma semana; que está em negociação com gravadoras, e que, à melhor proposta que receber, fechará contrato na hora.
Para impressionar, e foi o que realmente aconteceu, afirmou que irá extasiar a seleta plateia com sua maviosa voz, ao interpretar os famosos tangos: El dia que me quieras, A media luz, Palomita Blanca, Garufa, Volver, Adios muchachos, Caminito, Por una cabeza, Aquel tapado de armiño, La cumparsita, Mano a mano, Soledad, Esta noche me emborracho, Silencio, Cuesta abajo e Mi Buenos Aires querido.
Seu preço era lá em baixo simplesmente por amor à arte. Desde jovem, Adalberto Luvielmo é vidrado em tangos. Possui filmes, jornais, revistas e livros que envolvem o tema tangos, além de todos os discos que foram lançados desde os de vinil aos posteriores CDs e DVDs dos atuais e dos mais famosos intérpretes de tangos de todos os tempos.
Adalberto Luvielmo é um cantor assumido de banheiro, nada além. Suas tentativas de ser cantor de tangos, inicialmente em programas de calouros e depois contratando professores, não deram resultados. Faltam-lhe todas as condições. Deveria aceitar que não dá para cantor.
São 18h00 do dia do aniversário da sociedade. Um dos assuntos principais até o momento era a parte jocosa do boletim da programação.
Até agora, só alegria: alvorecer, café colonial, missa campal, atividades culturais e esportivas, almoço, chá da tarde. O time de futebol do secretário-geral nem perdeu nem ganhou; o resultado do GRENAL foi quatro a quatro.
Próximo da chegada do cantor de tangos contratado, o Adalberto Luvielmo, é que mora o perigo de alguns dissabores acontecerem.
Às 18h30min desembarca na cidade no ônibus de linha, o Adalberto Luvielmo. Boa viagem, ótima recepção, reportagem da rádio local, entrevista ao jornal, fotos, tapinhas nas costas e até alguns autógrafos.
Questionado se gostaria de ensaiar antes com o conjunto, respondeu que não é necessário. Ao saber que o conjunto já está de posse da relação e ordem de apresentação dos tangos, só resta aguardar a fantástica apresentação e partir para os braços da galera.
Casa cheia, é chegado o dia “D”, a hora “H”.
Primeiro número: aquele enorme fracasso, como não poderia ser diferente. O conjunto acelerando, para chegar junto, outras ao contrário sem sucesso. Adalberto Luvielmo desafinado e fora de ritmo que dá gosto.
Os músicos meneavam suas cabeças em negativa, reprovando assim tão malfadado acontecimento. Estavam envergonhados. Após o término da primeira agonia, assim a classifiquemos, mais da metade da plateia se manda dali aos palavrões e fula da vida. Entre eles, o ecônomo da sociedade, afirmando que o PF regado a geladinha já era. O maldito que vá reclamar a quem quiser.
Adalberto Luvielmo, sentindo e estava na cara que nem um pouco agradara, vai até a presença do conjunto musical e segreda:
– Passemos para a quinta música.
Em seguida a esse novo martírio, todos se retiram menos um. Adalberto Luvielmo ainda dá um tempo, para ver se o cara também se manda e... nada.
Faz sinal para o conjunto que irá cantar (cantar?) o último número. E assim começa a mil, sem dar tempo a ele próprio e ao conjunto de respirarem direito.
Missão cumprida, Adalberto Luvielmo vai ao encontro do seu único espectador, a fim de agradecer tanta consideração.
– Eu sou o Adalberto Luvielmo, muito prazer. Com quem eu falo?
– Delegado Aldo Leão.
– Pô, seu delegado, o senhor gosta de tangos pra caramba!
– De tangos, eu realmente gosto.
– Agradeço ao senhor por ter me prestigiado, ficando até o final do recital.
– Não tem nada que agradecer. Aqui cheguei emocionado por amor à nobre arte do tango. Porém, agora, no final, permaneci por estrito dever de ofício.
– Desculpe, mas o senhor é delegado da UBC, da SBAT?
– Não.
– Da SBACEM, do INCP?
– Também não. Ainda não foi dessa vez.
– Delegado de que então?
– De polícia e, a pedido do presidente da nossa sociedade, que irá registrar uma queixa contra o senhor, convido-o para irmos nós três até o plantão policial a fim de que o senhor, que abusou de todos nós e gosta tanto de empregar siglas, assine um TC.
– TC?... O que vem a ser isso, seu delegado?
– Termo circunstanciado. Queira nos acompanhar para aprender a nunca mais tentar enganar os outros. Positivo?
– E tem outro jeito?
– Não.
– Por falta de conselhos é que não foi. Confesso: sempre fui um egocêntrico. Errei em não me utilizar da autocrítica. Fazer o quê? Não deu, não deu. Peço desculpas pelos transtornos. Aprendi a lição. Não acontecerá outra vez. Prometo.
– É louvável que o senhor tenha percebido o seu erro e até esteja pedindo desculpas. Reconhecer um erro é o princípio da evolução pessoal. Que não fique só na promessa.
– Com toda a certeza, não. E mais, como sabemos, o fato de não reconhecermos um erro nos impede de crescer e amadurecer. Não é mesmo?
– Claro que sim. Mas, está ficando tarde, vamos então?
– Antes, podemos ir até a rodoviária? Preciso comprar minha passagem de volta.
– Certamente. Posso lhe alcançar “alguns” para despesas?
– Não, muito obrigado, não preciso.
– Eu sinto, independente do que aprontou aqui, que o senhor é uma boa pessoa. Espero que de agora em diante tenha juízo o suficiente para nunca mais cair numa roubada dessas.
– Ah, quanto a isso, não tenha a menor dúvida. Errar é humano, continuar errando é burrice. Mancada igual a essa, nunca mais, nunca mais mesmo!
Chico
Silvia Cristina Preissler Martinson
Saiu de uma ninhada de galinhas de peito duplo. Eram elas criadas por nós num galinheiro muito bem feito por meu marido, em um terreno baldio ao lado de nossa casa.
Eram lindos espécimes de uma raça criada para abate e também para gerar ovos de qualidade. Tínhamos algumas e muito poedeiras. Não dávamos conta da quantidade de ovos produzidos, assim que vendíamos ou dávamos os excedentes.
Pois um dia, uma delas em contato com o galo, que chamávamos Vermelho e que fazia parte do lote, pôs ovos galados e fez, através de seu cuidado com que eclodissem. E assim se fez.
Os ovos eclodiram e surgiu uma linda ninhada de pintinhos.
Logo dentre eles se destacou por sua força e de certa forma agressividade um macho. Este aos poucos se foi transformando e se mostrou, com o tempo, em um lindo galo branco. Demos-lhe o nome de Chico.
Chico cresceu rapidamente devido à alimentação e aos cuidados que tínhamos, tais como: limpeza, higiene e medicamentos próprios a uma boa criação.
Chico ficou lindo! Suas penas eram totalmente brancas, a crista de um vermelho vivo e com enormes esporões nos pés. Seu único defeito: o gênio.
Era profundamente ciumento e zeloso do galinheiro e das galinhas que lá viviam.
E um dia em sua inveja e ciúmes matou Vermelho, seu pai, a esporaços.
Quando conseguimos chegar perto o Vermelho já estava morto. Nada mais restava.
Este galo era tão bravo que quase não podíamos recolher os ovos. Ele simplesmente atacava e era preciso entrar no galinheiro com botas e muita proteção para poder isolá-lo em um canto e proceder a limpeza e recolhimento dos ovos.
Há um animal silvestre que gosta muito de atacar as galinhas para chupar-lhes o sangue e comer seus ovos. Chama-se popularmente Gambá.
Gambá por quê? Porque adora bebida alcoólica e se queres capturá-lo a melhor forma é colocar um recipiente cheio de cachaça e deixar em um lugar ao qual ele possa facilmente acessar. Ele se embebeda e cai em sono profundo.
Pois bem, o tal de gambá farejou as galinhas e seus ovos e em sua ânsia tentou adentrar no galinheiro escalando a cerca de arame que a protegia. Não deu outra... Chico furioso voou de encontro à cerca e com seus esporões atingiu o gambá várias vezes até que este caiu morto ao chão.
O galinheiro teve que ser demolido, o terreno onde se encontrava foi vendido.
As galinhas bem como o galo Chico doamos a um vizinho que possuía um galinheiro grande e se propôs a cuidá-los.
Após alguns dias ficamos sabendo que o Chico havia matado o galo do vizinho e tomado para si todas as galinhas e ainda que as mantinha, ciumento, sob estreita vigilância.
Ele não se recolhia a noite antes que todas as galinhas estivessem cada qual em seu ninho.
E caso alguma se atrasasse ele a tocava bruscamente com as asas para que a mesma se aninhasse.
Era um galo louco.
O senhor Jaime, assim se chamava o vizinho, foi obrigado a matá-lo. Ninguém mais conseguia adentrar ao galinheiro para colher os ovos ou alimentar as galinhas.
O Chico das penas brancas depois de morto proporcionou a nós todos um saboroso almoço, tendo como entrada um caldo soberbo e após um arroz com pedaços de frango ao molho, saladas e tudo regado a um bom vinho, que saboreamos alegremente.
Chico teve sua glória e seu fim merecido.
A caça com formigas
Pedro Rivera Jaro
Traduzido para o português por Silvia Cristina Preissler Martinson
Faz um calor tremendo. É pleno verão e o final de agosto. Caem as primeiras chuvas depois de muitas semanas sem cair nem uma gota de água.
E depois da chuva, quando o sol volta a aparecer, observamos que já estão saindo dos seus formigueiros as formigas aladas, que serão as próximas rainhas dos seus formigueiros e outros menores, também alados, que são os machos, chamados de alines, cujo único objetivo em suas vidas é fertilizar as rainhas. No pleno voo, fecundam as rainhas e depois caem ao chão para morrer, enquanto as fêmeas, quando descem ao solo, desprendem-se de suas asas, fazem um buraco no chão e começam a botar ovos, que depois serão as operárias do novo formigueiro.
Eu aprendi com Juan de Dios, um padeiro vizinho meu que era marido da prima Eulalia, a quem todos chamávamos de Olaya, a capturar as formigas antes que voassem, justamente quando se preparavam para realizar seu voo nupcial.
O sinal para cavar nas entradas dos formigueiros era a queda das primeiras chuvas.
Quando apareciam as formigas aladas, nós as colocávamos diretamente, ao capturá-las, nas piteiras, uma garrafa de vidro, para evitar que pudessem escalar e escapar voando.
Juan de Dios as usava como isca viva na pesca e nas bestas ou costelas, para capturar pássaros na temporada de pássaros de verão, que desciam das serras e voavam em direção ao sul, fugindo da queda das temperaturas.
Depois, eu desenhei meu próprio viveiro para manter vivas minhas formigas aladas pelo maior tempo possível, o que podia chegar a durar vários meses.
Colocava em uma caixa de madeira, camadas de areia com canas ocas, cortadas nos canaviais das hortas do Tio Torres, na margem do rio Manzanares. Depois, fazia bolas de papel de jornal e as intercalava com terra por cima.
Punha na parte de cima tampas metálicas de potes de conserva, com água que mantinha o grau de umidade. Em cima, colocava uma tampa de madeira e sobre a tampa de madeira uma lona que amarrava, para que as formigas não pudessem sair e escapar.
As pobres formigas aladas haviam passado de aspirar a serem rainhas nos seus formigueiros a serem iscas vivas para capturar pássaros.
As bestas, cepos ou costelas, que por esses três nomes eram conhecidas, consistiam em mecanismos com molas, cujo semicírculo superior abria sobre a parte inferior ou base, e se sustentava aberto com a ponta da haste presa no orifício onde se fixa a isca.
O orifício tem duas pequenas pontas de aço, opostas, que ao apertá-las, aumentam o círculo central onde introduzimos a parte traseira do corpo da formiga até o seu estreitamento e, uma vez dentro, soltamos as pontas e a formiga fica presa, mas sem apertar e com certa liberdade de movimento.
Quando a presa picava a formiga, a haste de fixação escapava e a parte superior, ou morte, golpeava com força, por efeito das molas, sobre a base. A diferença entre as bestas ou costelas e os cepos é que as primeiras têm uma tábua de madeira sobre a qual está presa a parte metálica, e os cepos não.
Era muito importante a escolha dos locais estratégicos onde colocar as armadilhas, como, por exemplo, as pequenas elevações, próximas a uma cerca de arame, onde os pássaros costumavam pousar.
Raspava-se o chão, arrancando as pequenas ervas que por acaso houvessem no lugar onde pretendíamos assentar a besta, formando uma pequena clareira que se destacava do seu entorno.
Depois se orientava, de modo que as asas da formiga brilhassem ao sol e, para evitar que o pássaro picasse a isca por trás, colocava-se nela um torrão ou tufos de erva que havíamos tirado antes, que tornasse mais fácil picar a isca pela frente e disparar o mecanismo, como explicava antes.
Eu também costumava amarrar um cordão na besta e prendê-lo a algum objeto pesado, ou a algum arbusto, para que, se acontecesse de que picasse algum animal de maior tamanho e força, não fugisse e escapasse arrastando a armadilha. E é que, em algumas ocasiões, acontecia de ser um lagarto ou uma lagartixa que mordia a formiga, já que tinham grande apetite por esse inseto e acabavam capturados pela besta.
Atualmente, tudo isso que eu conto pode parecer uma barbaridade. De fato, hoje em dia as bestas estão proibidas, e seu uso é punido com multas consideráveis, e o mesmo ocorre com a utilização de iscas vivas, mas há 60 anos, os passarinhos eram consumidos nos lares humildes e, inclusive, nos bares eram vendidos como aperitivos, uma vez temperados e fritos.
Espero e desejo que essa história da minha infância os distraia por um tempo e até gostem
Um dia nefasto na minha vida
Pedro Rivera Jaro
Traduzido para o português por Silvia Cristina Preissler
Os antigos romanos dividiam os dias classificando-os como fastos ou nefastos. Eles levavam isso para a vida cotidiana, tendo muito cuidado para não iniciar negócios em um dia nefasto, pois acreditavam firmemente que fracassariam. Em contrapartida, empreendiam nos dias considerados fastos, acreditando que teriam sucesso garantido.
No dia 23 de julho de 2024, exatamente um mês atrás, eu tinha planejado viajar para Palma de Maiorca, às 19 horas, pois tinha uma consulta com meu dermatologista.
Naquela manhã, depois de tomar banho e fazer a barba, tomei café com leite e biscoitos no café da manhã. Depois escovei os dentes e, depois de pentear o cabelo e me vestir, saí para a rua e me dirigi, como fazia todas as manhãs, à Biblioteca Pública Pedro Salinas, onde pegava um exemplar do jornal gratuito "20 Minutos".
Depois de pegar o jornal, subi pela rua Toledo até a padaria Corteza y Miga, comprei um pão de trigo e de lá fui à loja de Vinhos e Licores na rua de Calatrava, esquina com La Paloma, onde comprei uma garrafa de Anisette Marie Brizard. Quando saí daquela loja, após pagar os 12 euros que custava a garrafa, atravessei a pequena praça de Isabel Tintero, e ao chegar na escadinha de 5 ou 6 degraus de granito, que desce até a calçada da Gran Vía de San Francisco, percebi que o semáforo aberto para os pedestres estava prestes a mudar e fechar.
Inconscientemente comecei a correr e, de repente, sem saber como, me vi tropeçando nos degraus até cair de bruços, grande que sou, estendido no chão, sobre as pedras de granito da calçada. O jornal e o pão que eu carregava na mão esquerda, assim como a garrafa de Anisette Marie Brizard que eu carregava na direita, me impediram de apoiar as mãos adequadamente para amortecer minha queda. Meus óculos apareceram no chão com uma das hastes dobrada quase a noventa graus em relação ao resto.
A barra de pão saiu do saco de papel, da minha mão esquerda, e ultrapassou o jornal que também havia sido projetado para frente. E à minha direita, a garrafa de Anisette se despedaçou, derramando seu conteúdo e eu observei com horror que os cacos de vidro ficaram quase encostando no meu rosto, após a queda. Quando cheguei ao chão, ouvi um barulho seco que minha cabeça fez ao bater no chão com o lado direito do meu queixo.
Imediatamente ouvi várias pessoas me perguntando se eu estava bem e se conseguia me levantar. Naquele momento, eu estava checando meu corpo e percebi que, pelo menos, conseguia me levantar, o que equivalia a dizer que os ossos mais importantes dos meus braços e pernas estavam inteiros. Minhas mãos doíam e observei que sangrava abundantemente por um corte que tinha no queixo, assim como pela unha do dedo médio da minha mão esquerda, que estava levantada e separada da ponta do dedo, cuja primeira falange estava fraturada. A mão direita também tinha danos, que hoje, 23 de agosto, ainda doem, mas aparentemente não havia fraturas. Minha bochecha direita e a área ao redor dela bateram no chão, e mais tarde pude observar em casa que estava avermelhada. A parte externa do meu joelho direito também estava coberta de arranhões.
As vozes que se interessavam por mim, quando eu estava caído de bruços nas pedras, pertenciam a duas mulheres, muito boas pessoas, que se preocuparam em me ajudar naqueles primeiros momentos. Uma delas era uma senhora, ou senhorita, romena. A outra era uma mulher hispano-americana, não me recordo se era da Colômbia ou da Venezuela, mas me lembro que ela atravessou o bar em frente e comprou uma garrafa de água, com a qual ela lavou minhas mãos e meu rosto, para limpá-los de sangue.
Imediatamente chamaram uma ambulância, que chegou em poucos minutos e pertencia ao Samur. Que Deus abençoe essas duas boas mulheres, e também outras quatro pessoas que pararam no caminho para me ajudar. Dois jovens que, pela aparência física, me pareceram hispano-americanos. E, por último, um casal de aproximadamente 60 anos que também parou para me socorrer.
Agradeço por poder verificar, mais uma vez, que ainda existe humanidade no comportamento de muitas pessoas.
Liguei para minha esposa pelo celular, que estava em nossa casa, a 3 minutos de distância, e que, a princípio, ficou alarmada, mas eu a tranquilizei e pedi que viesse.
Ela chegou imediatamente com o carro e, quando chegou, os paramédicos do Samur estavam me atendendo dentro da ambulância. Desinfetaram minhas feridas, examinaram meus ossos para verificar seu estado e me disseram que eu deveria ir a um hospital para que pudessem dar pontos no corte do meu queixo, que se aprofundava até o maxilar e precisava ser costurado. Também precisaria que fizessem um raio-X.
Fui muito bem atendido pelos paramédicos e eles me ofereceram ir a algum hospital da Segurança Social, avisando-me que poderia ter que esperar o dia todo para ser atendido.
Como acontece que há muitos anos, além da SS, sou associado da ADESLAS (Seguro Médico Privado), e que precisava estar no aeroporto Adolfo Suárez, de Madrid-Barajas, uma hora antes do meu voo, ou seja, às 18 horas, pedi à Estrella, minha esposa, que me levasse ao Hospital Madrid, na praça do Conde do Valle de Suchil, e ela me levou, e fui muito bem atendido por uma médica traumatologista, cubana de nascimento e descendente de galegos.
Minha esposa acreditava que teriam que arrancar minha unha, mas a médica me informou que não costumavam mais fazer isso. Devo dizer que, hoje em dia, as duas unhas danificadas estão praticamente normais. Uma delas, a da mão esquerda, ainda tem uma mancha roxa na ponta, mas que calculo que desaparecerá em um mês.
Quando chegamos em casa e minha esposa colocou a comida nos pratos para nós dois, ao tentar comer, percebi que não conseguia mastigar, e descobri que tinha quebrado o dente do siso inferior direito, bem como outro dente superior do lado esquerdo. Então fiquei, vários dias me alimentando de caldos, iogurtes, etc. Atualmente já como todos os tipos de alimentos, embora as bebidas frias eu deva beber pelo lado esquerdo da boca, se não quiser sentir dor no lado direito.
Na minha volta de Palma de Maiorca, marquei uma consulta com o dentista, mas a solução proposta pela médica que me atendeu, que era substituta do meu dentista habitual, que estava de férias, que consistia em extrair o dente do siso, não me convenceu. Então cancelei a consulta para a extração e decidi esperar até que meu dentista habitual voltasse.
Minha esposa opinava, e certamente tinha razão, que as consequências da minha queda poderiam ter sido muito mais graves. Então, além disso, tenho motivos para ficar feliz.
Às 17:30, minha esposa me levou ao aeroporto, e lá eu saí do carro com minha mala, e ela voltou para Madri. Eu estava com o corpo dolorido e os dedos enfaixados. No queixo, me deram três pontos, que a médica recomendou que eu não molhasse por alguns dias, para ajudar na cicatrização da ferida.
Quando cheguei ao controle de bagagens, onde os detectores buscam armas ou bombas, graças ao presente que os terroristas nos deram, às pessoas normais, o agente responsável por me revistar disse que eu deveria tirar o cinto e os suspensórios e também deveria esvaziar meus bolsos. Eu respondi que sentia muito, mas que tinha um dedo quebrado na mão esquerda e a mão direita completamente inchada e dolorida, como ele poderia ver pelos meus curativos. E também informei a ele que tenho 6 pinos de titânio na minha coluna vertebral, assim como uma prótese de quadril, no lugar onde antes estava o meu quadril esquerdo original.
Aquele agente deve ter entendido e me ordenou que passasse pelo detector até onde ele estava, e lá me revistou sem encontrar nenhum objeto que pudesse parecer suspeito.
Quando cheguei aos monitores luminosos onde os voos são descritos, procurei o meu voo UX-6097 da companhia AIR EUROPA, que tinha previsão de embarque às 18h15, saída de Madri às 19h00, com destino ao Aeroporto de Maiorca e chegada às 20h20.
A única informação era que o voo estava atrasado.
Desde as 18h, quando cheguei à área de embarque, até as 19h40, quando entrei no avião, os sofridos clientes da AIR EUROPA tiveram que suportar a total falta de informações da companhia aérea.
A principal causa do atraso era que eles tinham apenas um avião para fazer os percursos de ida e volta, e qualquer atraso causado se acumulava ao longo do dia.
O sofrimento ainda não acabou, porque às 20h09, todos os passageiros já estavam dentro do avião há quase meia hora, com um calor horrível, quando começaram a nos explicar o protocolo de segurança, e naquele momento, alguns passageiros, já nervosos com os atrasos, começaram a gritar pedindo que ligassem o ar-condicionado.
Naquele momento, a comissária-chefe se dirigiu a uma passageira que protestava pelo atraso e pelo calor e lhe disse que o ar-condicionado não podia ser ligado até que decolássemos.
A partir das 20h09, o avião ficou se deslocando dentro do aeroporto, do Terminal 2 até a pista de decolagem do Terminal 4, e só às 21h06 é que ocorreu a decolagem.
Às 22h07, pousamos no aeroporto de Son Sant Joan de Palma de Maiorca, e agora vem o clímax, de um voo que normalmente dura 50 minutos e que sofreu um atraso de 127 minutos, quando pelo alto-falante do avião a comissária-chefe nos informou que precisávamos esperar a chegada da Guarda Civil do Aeroporto, para deter a senhora que havia protestado pelo atraso e pelo calor.
A maioria dos passageiros começou a gritar que queria sair do avião, mas não nos deixaram sair até às 22h28, quando começamos a sair do avião.
Ao lado da porta da frente pela qual saímos e entrávamos no finger, estava um sargento da Guarda Civil, acompanhado de um membro do mesmo Corpo, esperando a senhora que vinha saindo atrás de mim.
Achei injusto e insuportável que detivessem aquela passageira, e me dirigi aos agentes, expressando meu desacordo, pois não havia motivos para isso, já que o único que ela fez foi protestar contra um tratamento degradante aos passageiros, por parte da companhia e de sua comissária-chefe.
Também manifestei minha vontade de testemunhar o que havia acontecido, ao que o Sargento me respondeu que ficasse tranquilo, pois não haveria consequências para aquela passageira.
Não faltou um funcionário de terra da companhia que se manifestasse em apoio à comissária-chefe, dizendo que o ar estava funcionando no aeroporto de Madri. Eu respondi que como ele poderia saber o que aconteceu em Madri, de seu posto de trabalho naquele corredor de Palma de Mallorca? Ao que ele não teve outra escolha senão ficar quieto.
Várias pessoas pararam no balcão da Air Europa para pedir o Livro de Reclamações, e disseram que não tinham ali, que deveríamos protestar por via eletrônica. A única coisa que conseguimos foi um folheto escrito em frente e verso, em inglês, com informações sobre os direitos dos passageiros aéreos na União Europeia, com o código AEA-ME-026-ANO4-R12.
O certo é que aguentamos uma situação abusiva, e que, por não querermos nos incomodar em fazer uma reclamação desses abusos, a AIR EUROPA repete o abuso uma e outra vez, porque não é a primeira vez que eu mesmo tive que suportar isso.
A cobra que roubava leite de um bebê
Pedro Rivera Jaro
Traduzido para o português por Sílvia C.S.P. Martinson
Nos anos cinquenta quando eu era uma criança com poucos anos, as mamães com bebês lactantes costumavam dar-lhes de mamar em público, pois que então era considerado o mais natural.
Se, se encontravam cozendo na porta da casa junto a outras vizinhas e o bebê chorava porque tinha fome, pegavam o bebê nos braços, tiravam o peito fora de seu alojamento têxtil e punha o mamilo na boquinha para que sugasse o leite e acabasse sua fome.
Logo em seguida, dependendo de cada bebê e seu apetite podia ele saciar-se com o conteúdo de um seio ou seguia tendo fome ela guardava o seio vazio e continuava com o segundo em sua alimentação. Até que o bebê se cansasse de mamar e então a mamãe lhe limpava a boquinha e guardava a mama dentro de seu alojamento no corpinho.
Recordo que em uma ocasião estava minha querida mamãe dando de mamar a meu irmão Felix, quando eu tinha 5 anos, estava eu olhando como faziam e mamãe pegou seu mamilo entre os dedos e apertou dirigindo o jato de leite à minha cara que ficou molhada e pegajosa pelo leite projetado sobre ela. Minha mãe ria-se com força e eu também. O único que protestou foi meu irmão que havia notado como se interrompia sua comida.
É possível que a grande atração que exercem sobre mim os peitos das mulheres se encontre em meu subconsciente, que possivelmente guarda aquela recordação do seio materno, fonte natural de vida.
Porém agora queria contar-vos uma historia que nos contou a avó de meu amigo Ignacio, a ele e a mim.
Esta senhora era natural de um pequeno povoado de Toledo chamado Escalonilla e nos referiu uma historia de um menino que estavam criando em seu povoado com o leite de sua mamãe. O menino estava bonito porém nos últimos dias deixou de pegar peso e despertou o alarme a sua mãe e a sua avó.
A mamãe se sentava em um cômodo cadeirão no corredor de sua casa com o bebê nos braços dando-lhe o peito enquanto cochilava. Quando o leite se acabava em seus peitos ajudava o bebê a expulsar o ar dando-lhe umas palmadinhas nas costas e logo lhe deitava para que dormisse.
Naqueles últimos dias o menino chorava desconsoladamente depois de mamar e sua mamãe notou que não ganhava peso e comentou com sua mãe, a avó do bebê.
A avó calou quando ouviu o comentário e decidiu observar de um lugar escondido como se amamentava o bebê. O menino começou a mamar e a mamãe cochilou em seguida.
De imediato a avó observou que do olho de uma enorme fechadura que havia naquela velha porta de madeira começou a sair uma cobra bastarda que se aproximou até a boca do menino introduzindo nela a ponta de sua cola. Ao mesmo tempo que com sua boca começou a mamar na teta. Uma vez havendo terminado se retirou pelo mesmo orifício em que havia saído antes.
A avó despertou a sua filha e lhe explicou o sucedido. Esta ficou horrorizada com a explicação do que lhe estava passando.
No dia seguinte puseram um laço corrediço no olho da fechadura e quando a cobra saiu lhe capturaram e fim do problema. A levaram a grande distancia e a soltaram onde não pudesse voltar aquele corredor.
O menino voltou a recuperar seu peso e sua mamãe e sua avó sua tranquilidade e sossego.
Se a historia foi correta ou foi inventada somente para entreter-nos, a uns meninos, não tenho forma de saber, porém isso já é algo secundário. O importante é que esta história me impactou e nunca a esqueci. Por isso mesmo, agora, tenho o prazer de a dar a todos vós outros.
A pouco, alguém me contou outra historia parecida de outra serpente que mamava nos ubres de uma vaca que tinha um terneiro lactante, com tal suavidade que a vaca buscava a serpente para que lhe mamasse, até ao ponto que chegou a aborrecer a seu terneiro.
Minha pergunta é: Podia tratar-se da mesma serpente.
Pacha
Silvia C.S.P. Martinson
Viveu em muitos países antes e depois da 2ª guerra mundial. Casou com minha tia, irmã mais velha de meu pai e eram os únicos filhos de meus avós que nasceram no Brasil. Houveram outros mais velhos ainda, fruto do primeiro casamento de meu avô e que nasceram na Europa.
A ele encantava caçar e para tanto tinha em sua casa dois cachorros de raça, perdigueiros, os quais eram seus fiéis companheiros.
Um deles, de pelos brancos com pintas de cor marrom chamava-se Pacha. Era um cachorro muito bonito e dócil com as crianças pequenas, todavia, quando no campo, só obedecia cegamente a seu dono, fielmente cumpria com tudo a que aquele, em tom de mando, lhe ordenava. E assim se passava em todas as caçadas de tio Martin.
Ao chegar perto de tio Martin caiu a seus pés com a caça e três picadas de cobras em seu focinho. A lebre ao ser morta havia caído sobre um ninho de jararacas e Pacha ao vê-las em princípio recuou, todavia, como era obediente e fiel a seu dono obedeceu a ordem de recolher o animal caçado. Pacha estava aos pés de Martin terrivelmente ferido e à morte.
Mesmo desesperado aplicou o soro no cachorro, colocou-o em seu carro e voltou à cidade a toda velocidade que lhe permitiam as primitivas estradas de terra de então.
Confinada
Silvia C.S.P. Martinson
O prédio era alto, uns quinze andares. Moderna arquitetura. Amplas sacadas.
Portas-janelas que nas sacadas davam visão plena da rua.
Era azul e se confundia com o céu resplandecente que costuma acontece nestes pagos do Mediterrâneo, em Campello um “pueblo” de Alicante- Espanha.
Frente a ele há um grande parque arborizado e provido de muitos bancos para sentar e apreciar a placidez do ambiente.
Ali me sentava quase todos os dias para ler, pensar e observar.
Em uma manhã em que me encontrava sentada, depois de minha caminhada diária, em um banco frente a este prédio a vi...
De longe me pareceu mais ou menos jovem, cabelos castanhos, curtos, que reluziam ao sol.
Devia habitar o décimo ou décimo primeiro andar. Realmente não havia como calcular corretamente.
O que me chamou a atenção do lugar em que me encontrava na praça era que: ela entrava rapidamente por uma porta desaparecendo a seguir para sair por outra em poucos minutos depois. Isto sucessivamente, sem parar, por quase uma hora.
Voltei a caminhar pela praça nos dias seguintes como sempre fazia.
Aí, então, a curiosidade já me aguçava sobremaneira e passei diariamente, ao levantar os olhos, a observar a mesma cena. Meses a fio.
Queria saber quem era e o que fazia aquela mulher.
Dirigi-me ao prédio em que morava e falei com o porteiro que pouco soube me informar dizendo que não a conhecia e que esta nunca descia à rua.
A ele lhe parecia que era casada, todavia não tinha certeza.
O tempo passou e a cena se repetiu até que um dia não mais a vi.
Parecia-me de longe tão bonita.
Retornei ao prédio novamente e ao novo porteiro perguntei por ela.
Este era mais falador.
Contou-me então que a bela mulher vivia confinada em seu apartamento.
Que quando o marido saia trancava a porta e levava a chave com ele.
Era demasiadamente ciumento.
Um dia ao retornar a casa mais cedo encontrou em seu interior o antigo porteiro entabulando com a mulher amigável conversa.
Possuído pela desconfiança e pelo ciúme exacerbado puxou de um revólver que carregava consigo e aos dois, sem nada perguntar, matou.
Soube-se, segundo me narrava este último, que o antigo porteiro arrombara a porta, ao ouvir os gritos da mulher, para apagar um fogo que se instalara na cozinha e que logrou sucesso na empreitada.
Segundo alguns vizinhos ainda hoje se ouvem os passos da mulher a circular de um quarto a outro, sem parar, e que da praça quem olha para aquele apartamento a vê sempre da mesma forma, caminhando. Agora ao lado do antigo porteiro.
Os dois todos os dias, por uma hora, pela manhã, faça sol ou chuva, entram por uma porta e saem pela outra, caminhando, sempre caminhando...
Incrivel! Hoje pela manhã me pareceu vê-los.
O pátio da minha casa
Pedro Rivera Jaro
Tradução para português de Silvia Cristina Preissler
Tudo isto estava ao meu cuidado, pois tinha entre as minhas obrigações à alimentação e a limpeza de todos estes animais.
Tínhamos também uma figueira com figos brancos pescoço de dama, deliciosos, duas videiras para fazer sombra, uma roseira com rosas vermelhas e plantas de sândalo e hortelã, em volta de todo pátio, numa orla de terra ajardinada, e nas paredes, colocados em suportes de ferro pintados de verde, pendiam vasos de gerânios, pelargônios, cravos, etc., contra o fundo branco da cal, deslumbrando o olhar, como se estivéssemos num belo pátio andaluz.
Na década de 1950, aproximadamente em 1955, em pleno mês de julho, tivemos um dia verdadeiramente tórrido.
Então não se falava de alterações climáticas, mas os garanto que era tão quente como é agora, com a agravante de que não termos ar condicionado.
O nosso frigorífico era um poço de água, com cerca de 12 metros de profundidade, em cujas águas límpidas e frescas, por meio de um balde atado a uma corda, fazendo-a deslizar por meio de um gancho de ferro se baixava uma garrafa de vinho, outra de gazosa e uma terceira de água, uns tomates e um melão.
Esse poço tinha sido escavado pelo meu avô Pedro, muito antes de eu ter vindo a este mundo, e ele tinha-o revestido com tijolo.
Duas dobradiças estavam presas à borda do meio-fio com parafusos grandes, que se ligavam a um alçapão de chapa metálica que se ligava à borda circular da sua borda oposta.
Como já disse anteriormente, nessa tarde-noite o calor se fazia insuportável e o meu pai pensou que podíamos dormir no pátio, aonde à fresca das árvores a temperatura seria um pouco mais baixa.
Por isso, pôs uns tapetes no chão e, em cima deles, colocou um colchão com alguns lençóis e deitou-se nele.
Eu achei um pouco engraçado e perguntei-lhe se podia dormir com ele, e ele riu-se e disse que sim, e, eu dormi com ele.
Na metade da noite fomos acordados por uma tremenda tempestade com trovões e muita eletricidade.
De repente, começou a chover violentamente, obrigando-nos a recolher tudo e a correr para dentro de casa.
Passaram-se 69 anos e sigo recordando os gestos carinhosos de meu querido pai.