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A morte da avò

A

Silvia C.S.P. Martinson

Ela morreu.
 
Não deixou herança significativa, todavia escreveu somente uma carta a seu único e querido neto.
 
Viveu intensamente, alegremente cada dia. Com a alegria de alguém que recebe a dádiva da vida.
 
Sofria de dores como qualquer velho que, com o passar dos anos e o desgaste natural do corpo, as tinha.
 
Teve alguns amigos que também manteve até o fim de seus dias. Aqueles que se afastaram por razões da vida o fizeram sem alarde. Alguns deixaram lembranças amargas que com bom senso ela guardou bem escondido no escaninho da memória, no lugar das coisas perdidas.
 
E assim dia a dia, semana a semana, meses e anos se passaram sem que ela se desse conta da história registrada na eternidade que paulatinamente escrevia.
 
E agora chegando ao fim deixa a seu neto, para que conheça, a versão não contada de sua longa caminhada em uma carta somente a ele endereçada que começava assim:
Querido neto.
 
Amo-te acima de tudo. Fostes e és a lembrança mais querida que carrego comigo.
 
Eis que meu fim chega. Eu o sinto.
 
Fui alegre, fui feliz.
 
Amei e fui amada.
 
E agora te conto o que se passou em minha longa estrada.
 
Eu .......
 
A mão lhe tombou, a caneta escorregou, o sorriso aos poucos apagou-se em seus lábios, os braços lhe caíram ao longo do corpo, os olhos se lhe fecharam suavemente.
 
Não terminou a carta.
Imersa em seus sonhos e lembranças adormeceu para sempre.
 

O mesmo

O

Silvia C.S.P. Martinson

Mais um verão, todos diriam.
 
Assim começa a nossa história.
 
Todavia ela se passa a quase 50 anos atrás.
 
Sim era verão. Um verão como todos os outros.
Diferente então eram os caminhos e as situações que conduziam ao merecido descanso de um ano de trabalho árduo.
 
Meus pais trabalhavam muito para manter a casa que compraram com sacrifício e muita economia. Bem como, para proporcionar conforto e uma educação mais esmerada à suas duas filhas. Ou seja, minha irmã e eu.
Tínhamos uma vida modesta, porém cercadas de muita cultura.
 
A música clássica permeava nossos dias, enchendo a casa de sonoridade e beleza.
A leitura de bons livros e autores era uma constante em minha casa. Minha mãe era uma leitora insaciável.
 
Isso quando criança nos parecia um tanto aborrecido, porém com o passar dos anos vimos a entender o quanto nos ajudou, tanto em nossa vida profissional, quanto em nossas relações pessoais e interpessoais, ou seja, no convívio social.
 
E assim s passavam os dias e nós crianças fomos crescendo, aprendendo e também sendo corrigidas, às vezes severamente, quando necessário.
 
Os invernos em minha cidade, aquela época, eram rigorosos. Nos assolava o frio com fortes geadas, muita chuva e humidade.
 
Minha mãe tinha um fogão a lenha que mantinha aceso dia e noite e que nos proporcionava, feitos por ela, deliciosas comidas e calor verdadeiramente acolhedor a toda a casa.
 
Enfim, assim se passavam os dias invernais sempre na expectativa da chegada da primavera, que por consequência era o prenuncio de sempre um verão alegre e muito quente. E essa expectativa se renovava a cada ano.
 
Era a época que aguardávamos com ansiedade, isto porque, todos os anos meus pais costumavam alugar uma casa diferente sempre, na praia, em qualquer balneário onde encontrassem uma, dentro de suas possibilidades financeiras.
 
Recordo que num desses anos eles alugaram, segundo um anúncio feito no jornal domingueiro, uma casa no balneário de Cidreira no Rio Grande do Sul- Brasil.
 
Quando ali chegamos, meus pais tiveram uma enorme surpresa. A casa se localizava ao fundo de um terreno um pouco distante do mar e para maior insatisfação tratava-se de um quase galpão, ou seja, uma peça grande onde estavam todos os móveis de uma casa ali alinhados.
 
Sala, quartos e cozinha tinham uma sequência normal. O banheiro se localizava no quintal era primitivo e somente melhorou de aparência pelos trabalhos de higienização efetuados por minha mãe e meu pai. Ambos extremamente caprichosos.
 
A casa era alta do chão. Havia um enorme espaço entre o piso dela, que diga-se de passajem, era de madeira e o chão de areia do quintal.
 
Depois do almoço íamos fazer a sesta debaixo da casa. Ali meu pai colocara umas tábuas sobre as quais nos deitávamos à dormir.
 
Eu costumava ficar mirando o céu para ver nas nuvens figuras que, na minha imaginação, eu criava tais como: bichos, monstros, fadas, duendes e montanhas que faziam parte deste mundo. E com isso ao poucos adormecia devagarinho.
 
Para nós crianças foi, naquele verão, uma experiência inesquecível.
 
Até hoje recordo de tudo como se eu estivesse ali, agora, neste exato momento.

Urgente, urgente o plano CP SN

U

 Álvaro de Almeida Leão

Decisão do torneio amador de futebol de campo entre bairros de Porto Alegre. Evento oficial do calendário esportivo da cidade. A equipe do Menino Deus está tentando o tricampeonato e a do Caminho do Meio fazendo pela primeira vez a final. Juízes e bandeirinhas credenciados pela Federação Citadina de Futebol. Bom público entusiasmado e participativo.

O Menino Deus joga pelo empate, ao Caminho do Meio, só a vitória interessa. O Menino Deus é o time mais credenciado do torneio, conta com o artilheiro do campeonato, a melhor defesa e o goleiro menos vazado. É treinado pelo professor Aldo Leão e seu fiel escudeiro, o auxiliar técnico Rafael. O Caminho do Meio classificou-se na sua chave, por ser o time menos ruim. Seus únicos destaques são o goleiro Carlos Augusto, e o Richard, volante de bom drible.

Richard é o capitão do Caminho do Meio e seu líder, pouco finaliza mas, quando o consegue, quase sempre marca. No jogo anterior, foi decisiva sua atuação, marcou o gol da classificação. Quanto aos atletas do Menino Deus, são tão iguais no trato com a bola que não há uns melhores que outros. É um time coeso e solidário

Mas, jogo de futebol é jogo de futebol, nem sempre o melhor ganha.

Precavido, o professor Aldo arquitetou três planos: o A; o B e o CP, SN, este se estritamente imprescindível. Como no caso de vida ou morte. O plano CP, SN apenas o professor Aldo, os dois zagueiros e o goleiro do Menino Deus sabem de que se trata. Após cada coletivo, esses quatro permanecem em campo para treinamentos específicos do plano CP, SN..

Na preleção inicial do professor Aldo, o plano A: jogar sério, respeitar o adversário. Até agora, não ganhamos nada. E é tudo conosco. Rumo ao título.

Findo o primeiro tempo, zero a zero, creditado à excepcional atuação do goleiro do Caminho do Meio, o Carlos Augusto, que pegou todas. Ao Menino Deus, faltou competência. Inconcebível, inconcebível mesmo, tantos chutes a gol sem converter.

No intervalo para o segundo tempo, no vestiário do Menino Deus, o plano B: jogar com mais dedicação ainda. Melhorar e muito a pontaria das finalizações. Defesa com atenção redobrada. E, se nada disso der certo, jogar pelo regulamento.

Reiniciada a partida, o Menino Deus está com cuidado mais do que o desejado. O time atua mais se defendendo. Com isso, o Caminho do Meio está crescendo no jogo ao natural.
As palavras proferidas pelo professor Aldo: jogar pelo regulamento, resultaram o entendimento de mais ou menos, jogar pelo empate, ou seja, na retranca.

Trinta minutos do segundo tempo e ainda o zero a zero. A essa altura, um gol do Caminho do Meio seria um desastre. Sinal vermelho. O perigo ronda o Menino Deus. Então o professor Aldo decide substituir um atacante por um jogador de meio de campo e pede que este avise aos seus dois zagueiros e ao goleiro que coloquem urgente, urgente o plano CP, SN.

Cientes do recado, os zagueiros postam-se um em cada lado do canto da pequena área, enquanto o goleiro um pouco atrás, atento e ligado, torcendo para que o jogo logo termine como está, pois o empate o favorece.

E o Richard? Ah! O Richard está bem na partida. Faltando apenas cinco minutos para o término do jogo, ele, ao passar por todo o meio do campo adversário, dribla um dos zagueiros e em seguida o goleiro e quando, então, ia chutar a gol, o outro zagueiro do Menino Deus, na sobra, sentindo o pior, dá um chutão nas pernas do Richard que o levanta com bola e tudo, fazendo com que ele não conclua a jogada, que, certamente, resultaria em gol. O zagueiro leva a pior, tropeça e cai, com seu tórax sobre a bola. Proteção de pescoço e demais cuidados até que possa ser retirado dali.

Resoluto, o juiz marca o pênalti e aguarda que o zagueiro se recupere para expulsá-lo do jogo.
Enquanto isso, Richard não se escala para bater o pênalti, por ser um traumatizado em relação a cobranças de pênaltis. De uma feita, num outro time, desperdiçou três pênaltis em duas partidas seguidas. Na última, assim como agora, era fazer o gol e se candidatar a ganhar o campeonato.

Os times do Caminho do Meio e do Menino Deus amarelam, por motivos distintos: Menino Deus com medo de perder o campeonato e o Caminho do Meio. de ganhar. Como assim? Justificam-se, por serem times amadores.

O Richard, chateado, comprova que seus jogadores se afastam cada vez mais uns dos outros. Pensa ser pelo fato de que, se ficassem próximos, tratariam do assunto pênalti. E é tudo o que eles, possivelmente, não querem.
Uma coincidência que ninguém engoliu: os dois jogadores do Caminho do Meio que sempre são os batedores de pênaltis desmoronam no gramado. Um voltando a sentir antiga contusão na coxa e o outro, o joelho incomodando. Atitudes logo entendidas pelo Róger, técnico do Caminho do Meio, e pelo capitão Richard. Então restou solicitar um voluntário para a cobrança do pênalti.

O lateral esquerdo do Caminho do Meio, conhecido por Trapalhão, nem precisa dizer a razão do apelido – é o seu pior jogador, disparado. Joga por não existir outro na posição. Rapidamente raciocina: ao se candidatar a bater o pênalti e o converter, será considerado um herói. Todo o seu passado de perna-de-pau será esquecido. Assim convencido se escala para cobrar o pênalti
Não, não, qualquer um menos ele. Fazer o quê? Só resta rezar e rezar.

Trapalhão estava se dirigindo para a marca da cal, quando torcedores do Caminho do Meio, no alambrado, se alternam nas manifestações de suas insatisfações ante a desastrada atitude do Trapalhão em se oferecer para bater o pênalti:

-Pô, Trapalhão, te enxerga. Pede para atender ao telefone e te manda daí.
-Quem avisa amigo é: caso percas o pênalti, te capo e faço a festa dos cachorros.
-Que tu eras trapalhão eu sabia, agora louco varrido, pra mim, é novidade.
-Trapalhão, Trapalhão, olha aqui: estou no regime semiaberto, para eu apagar mais um ou menos um tanto faz. Perde o pênalti e verás o que irá te acontecer.
-Oh, seu Trapalhão, filho de uma mãe, sairás daqui hoje pelos braços da galera, de um jeito ou do outro. Se fizer o gol, consagrado.
-Se errar, de pés juntos e num envelope de madeira.

Diante de tantas amabilidades, Trapalhão foi acometido por uma forte vontade de urinar. Só deu tempo de se abaixar, fazendo de conta que irá amarrar os cadarços das chuteiras, e a todo custo se conter para deixar fluir a urina, e só a urina, nada além da urina. Não foi fácil, apenas urinar, mas enfim conseguiu. Ao voltar a caminhar, sacudiu as pernas, uma de cada vez, para que o resto da urina se esvaísse. As chuteiras ensopadas fazem com que seus pés encharcados como que se movimentem dentro delas, produzindo os conhecidos sons: ploft...ploft...ploft.

Envergonhado e humilhado sob todos os aspectos, Trapalhão dialoga com Richard.

-Capitão, eu desisto de bater o pênalti. Arruma outro. Estou sem condições morais e psicológicas. Por favor, me poupe de mais vexames.

-Tiveste coragem pra te oferecer pra bater. Agora vais bater, por bem ou por mal.

-Então eu vou bater com o pé que não é o bom, o direito, tentando enganar o goleiro.

-Faz como achares melhor. Desde que convertas o pênalti, tudo bem.

Esses diálogos, embora em vozes baixas, foram sempre captados por jogadores do Menino Deus que se encontravam por perto.
Então, um deles disse para o goleiro do Menino Deus que o Trapalhão iria bater o pênalti com pé direito.
Enfim, o juiz autorizou a cobrança.

Trapalhão, que nunca bateu pênalti na sua vida, bastante nervoso e ainda mais angustiado pelo incômodo da vontade de urinar que voltou mais forte ainda, não calculou corretamente em que distância se posicionaria e, ao correr para bater o pênalti, a sua última passada foi insuficiente para chegar junto a bola, em condição ideal para a cobrança, então, desequilibrado, só deu para tocar de leve a bola e de bico mesmo, sem força alguma, ao invés de chute forte e com o peito de pé, o que daria direção ao trajeto da bola. Resultado, a bola passa bem devagar, a mais ou menos meio metro, do lado da goleira. O goleiro vai a passo visando o canto certo e só acompanha a bola ir para fora. Se em direção ao gol, defenderia tranquilamente.

Trapalhão olha para os seus pretensos algozes e os vê costeando o alambrado para em seguida entrarem no gramado. À frente, o apenado, já exibindo o revólver engatilhado e o torcedor que afirmou que iria capá-lo, brandindo no ar uma afiada faca, seguido dos demais. Cada um mais brabo do que o outro.

Trapalhão, sentindo-se prestes a sofrer uma mutilação e, logo após, sua iminente morte, corre em direção aos policiais fardados que se encontram à beira do campo e pede socorro:
- Senhores ilustres e dignos militares, sou o assassino de dois crimes ainda não desvendados pela polícia civil, estou me entregando, me prendam, me levem para uma delegacia. Aquelas pessoas que estão vindo ali querem me matar, sem que eu saiba o porquê. Salvem minha vida, salvem minha vida, imploro, pelo amor de Deus.

A Polícia Militar conteve os agressores, serenou os ânimos e resolveu o problema. Atendendo ao pedido do Trapalhão, levaram-no, em segurança, para uma delegacia.
Nova saída para os cinco minutos finais mais seis minutos de acréscimo. O Menino Deus, reencontrando seu verdadeiro futebol, cresceu na partida e ainda conseguiu fazer dois belos gols. O tri estava mais que garantido.

Na volta olímpica, o auxiliar técnico Rafael, alegando sua condição de compadre do Aldo, não se contém e pergunta o que vem a ser o CP, SN.
O Aldo responde com uma pergunta:

-O que fez o nosso zagueiro?
-Cometeu pênalti.
-Então temos o CP. E qual é a única condição aceitável de se cometer pênalti?
-Se necessário.
-E agora o SN.
-Cometer Pênalti, Se Necessário. C P, S N. Bem bolado. Inusitado. É isso aí.
-Satisfeito? Somos tri. Somos tri, ninguém nos segura. Viva o Menino Deus. Viva nossa equipe. Viva nossa diretoria, rumo ao tetra. Vida longa pra todos nós. Mais do que merecemos. Viva, viva, mil vezes viva.

Bairro

B

Silvia C.S.P. Martinson

 
Vivia, quando criança, em um bairro afastado do centro da cidade que era a capital do estado. Na verdade era a última rua habitada daquele bairro que se chamava Passo da Areia.
Levava este nome porque um pouco mais distante, em tempos muito antigos, ali passara um riacho de águas límpidas margeado por areias muito brancas, assim me contaram.
 
Sobre este riacho pairava uma lenda muito bonita que contava a história de uma índia que em disputa com outra havia perdido o amor de sua vida e por tanto chorar de tristeza, de suas lágrimas, resultou o riacho que ali existe até hoje. Porém por ser tão forte a correnteza e a cidade ter crescido tanto foi o mesmo encanado a fim de unir os bairros que se expandiram.
 
Resta desta lenda a escultura que mostra Ubirici, a índia, a chorar.
 
Diante da estátua se localizava um centro de saúde que atendia às necessidades daquela região e ao qual muitas vezes fui levada por meus pais. O bonde então aquela época tinha ali seu fim de linha.
 
A nós crianças era um prazer seguir até ali para então voltar à casa atravessando um parque arborizado que se encontrava em meio a um condomínio, se assim podemos denominá-lo, chamado de IAPI. Ali foram feitos vários edifícios para habitação e destinados aos assegurados Inativos Aposentados do Instituto de Previdência. Daí o seu nome IAPI.
 
Esta praça que é dedicada ao lazer e para a prática de esportes chama-se Alim Pedro, pelo que me recordo. É bonita, nela há um declive muito arborizado que permitia uma sombra agradável aqueles que queriam ali desfrutar de momentos de paz e tranquilidade e também uma boa visão do campo de futebol que se localizava mais abaixo e onde aos fins de semana sempre havia um campeonato ao qual os aficionados também compareciam para apreciar e torcer.
 
Em um edifício deste grande complexo nasceu Elis Regina, cantora desde criança que se apresentava nas matines aos domingos e que ficou famosa por sua voz e estilo inolvidáveis, em todo país e até no exterior.
 
Lindas músicas gravou e nos deixou até sua morte, infelizmente prematura, restando-nos uma saudade eterna de ouvi-la.
 
Na última rua da cidade de Porto Alegre – Rio Grande do Sul – Brasil eu nasci e me criei. Chamava-se Dr. Eduardo Chartier em homenagem a um grande médico de antanho.
Ali me eduquei junto a minha família a quem a música e o teatro e a educação eram cultivados com amor e respeito
 
Ali cresci tendo por hábito sonhar de olhos abertos - em uma casa com amplo pátio, muitas árvores de frutas diversas e flores abundantes cultivadas por minha mãe - pelo que muitas vezes fui chamada a atenção por ela que dizia:
- Silvia para de sonhar e estuda!
 
Tinha então razão, naquela época, por certo.
Estudei como queriam me tornei advogada, às minhas expensas trabalhando. Formei-me com distinção e exerci minha profissão com denodo e muito trabalho.
 
Todavia, continuo a sonhar, a imaginar e em mil ilusões a criar meus contos, poesias e personagens.
 
É por isto que admiro a Natureza, os homens em sua complexidade, a vida em sua total beleza.
Motivo pelo qual sempre escrevo com muita paixão. Talvez o faça até o fim, quem sabe...

O velho intolerante

O

Silvia C.S.P. Martinson

Ele foi jovem como qualquer jovem.
 
Brincou, riu, cantou, se apaixonou, desiludiu-se e voltou a apaixonar-se muitas vezes.
Foi chamado a atenção por seus pais e superiores muitas vezes. Algumas com razão, outras não.
 
Foi trabalhar muito cedo, havia necessidade. Seus pais não eram ricos. Tinha que tratar de sua subsistência e de sua família. Eram muitos irmãos.
 
Estudou, formou-se.
 
Fez um concurso público e foi trabalhar na Telefônica, galgou por competência, rigidez e esforço cargos relativamente importantes.
Por fim enamorou-se de uma colega, que lhe pareceu bonita o suficiente e com ela veio a casar-se.
 
Tiveram filhos.
 
Educou-os a sua maneira.
 
Proporcionou-lhes a escolaridade necessária a que pudessem trabalhar e progredir com menos dificuldade que ele.
 
A mulher acompanhou-o em sua caminhada, sendo-lhe companheira e ajudando-o nas lides domésticas quanto na educação dos filhos, como sói acontecer com algumas mulheres de sua terra.
 
Ao todas, porque há seu tempo às mulheres não se educavam e também não demonstravam muito ânimo de fazê-lo. Não consideravam que educação e trabalho fora de casa fossem importantes.
 
Conformavam-se em casar e exercer a função de mães, esposas, as vezes amantes e empregadas domésticas , submissas à vontade do marido, aos seus apetites e caprichos.
Deve-se isto a sua total dependência financeira.
 
Consequentemente lhes apavorava e até hoje à algumas, sair às ruas para trabalhar e serem independentes. Muitas vezes sofrendo humilhações, maus tratos e desprezo por parte dos maridos.
 
E assim a vida deste homem transcorreu com altos e baixos.
 
Envelheceu.
 
A mulher outrora bonita tornou-se gorda e desinteressante a seus olhos.
Ele por sua vez, ficou cada vez mais implicante e aborrecido.
 
Todos lhe pareciam errados, os jovens de agora os tinha como mal educados, a todos criticava, olhando somente, segundo seus conceitos, o lado negativo das pessoas.
 
Não lhe vinham à boca elogios ou palavras amáveis às outras pessoas. E se o fazia era somente com o intuito de arrebanhar adeptos para não se sentir tão isolado e só no mundo.
 
A solidão o aterrorizava.
 
Um dia um trio de jovens franceses estava na praia muito cedo. Provavelmente não haviam dormido e vieram encerrar a noitada naquele lugar aprazível.
 
Estes meninos não faziam mal a ninguém, cantavam e expandiam a sua juventude, felizes e indiferentes a quem passava.
 
Por uma mulher que lhes ouvia encantada foram solicitados a cantar o hino de sua terra.
Contentes acederam ao pedido e cantaram com respeito e dignidade, as mãos no peito, a Marselhesa.
 
Ela recordada de sua juventude na escola os acompanhou até o fim.
 
O homem aborrecido com o que via e ouvia tentou lhes criticar.
 
A mulher contestou ao implicante lhe dizendo:
- A nós os velhos, nos causam estes jovens muita inveja, porque são belos, têm saúde, vitalidade e acima de tudo lhes resta ainda o senso de liberdade que somente a inocência da juventude lhes impregna e permite.
 
Quanta inveja a nós decrépitas criaturas eles nos causam!
 
O homem calou-se e não voltou a falar.
 

SÓ TINHA 7 ANOS QUANDO PERDEU SEU BRACINHO

S

PEDRO RIVERA JARO 

TRADUZIDO AO PORTUGUÉS POR SILVIA C.S.P. MARTINSON

 
Minha prima Victóri era a filha ais velha e única de seis irmãos, filhos de meu tio Perico e de sua esposa, minha tia Julia. Foi a loja de mantimentos comprar lentilhas, como ordenou sua mãe. Somente tinha 7 anos, porém sua mãe tinha que cuidar dos outros pequenos que já tinha no mundo.
 
Cruzou a rua Marcelo Usera por onde subia e baixava o bonde da linha 37 e entrou na loja do Tio Ratón que rea como se chamavam o dono da loja.
 
Comprou meio quilo de lentilhas, as pagou com o dinheiro que sua mamãe lhe havia dado e empreendeu o regresso à sua casa, para o que tinha que voltar a cruzar Marcelo Usera.
 
Um caminhão carregado subia a colina procedente da Glorieta de Cádiz e passou pela frente de Victori quando ela acabava de sair da loja. Aqueles caminhões, daquela Espanha, não tinham a potencia e a velocidade dos caminhões da atualidade. Subiu trabalhosamente aquele caminhão pela frente dela e quando terminou de passar ela cruzou a rua correndo sem dar-se conta de que um bonde baixava em grande velocidade e a colheu derrubando-a ao solo e onde lhe cortou o bracinho esquerdo na altura entre o ombro e o cotovelo.
 
Minha mãe que adorava a Victori ficou absolutamente aterrada quando recebeu aquela terrível noticia. A menina sofreu intervenção cirúrgica de imediato e salvou a vida, ainda que para sempre ficou manca de seu braço esquerdo.
 
Cresceu sem seu bracinho, porém conservou intacto seu espírito, sua vivacidade e sua alegria.
 
Ao largo dos anos aprendi a observá-la conservando sua coqueteria e neste sentido ocultava a falta de seu braço com roupas que lhe tapassem, como por exemplo: vestia um cardigã sobre os ombros sem colocar seu único braço na manga.
 
Desenvolveu habilidades impensáveis para os que temos a sorte de conservar ambos os braços, como por exemplo, lixar as unhas de sua única mão sujeitando entre os joelhos uma caixinha de fósforos cujo raspador era a lixa. E o que não podia lixar assim o conseguia pondo-a entre os dentes a maneira de sujeitar.
 
Era incrível vê-la fazer ponto com lã sujeitando uma das agulhas sob o toco que ficara de seu braço esquerdo.
 
Porém, o mais incrível de Victori sempre foi seu espírito positivo, sua reação ante tantas dificuldades que a vida trouxe até ela. Tinha um talento nato para cantar fandangos de Huelva e se acompanhava dando palmas com sua única mão sobre seu músculo direito.
 
Não havia tristezas a seu lado, sempre tinha piadas para fazer-nos rir a todos e sempre se interessava por conhecer as coisas particulares da vida dos membros de nossa família .
 
Sempre acompanhava aos atos sociais da família, tais como, bodas, batizados, comunhões e mortes. Se algum familiar sofria uma operação cirúrgica ali estava Victori dando sua companhia.
 
Por desgraça o COVID 19 nos arrebatou-a. Que descanse em paz e siga vivendo em minhas recordações.

Marilu

M

Silvia C.S.P. Martinson

 
Belo domingo de sol.
Vinha ela pela praça - cheia de gente, crianças a correr,alguns sentados ao sol, proseando, tomando chimarrão, confabulando, trocando beijos e juras de amor eterno – andar descontraído, de quem está acostumado a caminhar.
Vestia légs brancas e blusa azul soltinha, era do tipo baixinha, bem produzida, cabelos castanhos, profusos.
Quem a visse de longe diria tratar-se de uma jovenzinha. Não era.
Sentou-se ao meu lado no banco da praça e logo entabulou conversa:
- Tudo bem? Belo dia!
- Realmente! Bastante quente para a época!
Fiquei pensando: lá vem outra mala puxando conversa só para bisbilhotar da minha vida. Se sou casada, se tenho filhos, netos, moro aonde e até se sou mal amada... Ledo engano o meu.
Nós aqui do Sul somos muito reservados e até desconfiados com estranhos, apesar da tão propalada hospitalidade sulista. O gaúcho é um ser solitário por natureza, observador e vigilante quanto às novas amizades e às pessoas muito espontâneas.
Tipo maneiro ela, não era a jovem que pensara eu. Talvez beirava os 70 anos. Mas que setenta! Aja Deus!
E foi discorrendo com intimidade:
- Sabes, eu tenho uma filha morando lá em Natal. Sabes onde é? É casada. Filha única.
Tenho uma neta com 16 anos.
Fui recentemente morar lá, minha filha insistiu...
Fiquei uns seis meses e voltei.
Não gostei do clima, não gostei do povo. Coitados!
Aqui tenho muitas amigas com quem saio e me divirto
Sou separada...
Tive quatro maridos ou companheiros, alguns amores, não deu certo, vá lá!
Agora tenho um companheiro.
Ele não gosta de sair ou viajar que nem eu.
Nestas alturas eu já estava interessada na história dela, com a curiosidade aguçada e lhe fiz uma pergunta a fim de dar seqüência à narrativa.
- E aí como é que você faz? Perguntei!
- Ora, ele até é legal, cuida bem dos meus gatos. Tenho sete. Adoro gatos!
O coitado, o nome – o nome de dele é Airton – não quer me acompanhar nas viagens, gosta mais da casa e cuida bem dela, quando não estou cozinha, lava e passa. É um amor de criatura!
Adoro viajar!
Não me prendo a lugar nenhum por muito tempo, nem a ninguém, sou e sempre fui assim, andarilha.
Ele sabe...
Ainda bem que não fiquei em Natal pois que minha filha arranjou serviço também em São Paulo juntamente com meu genro. Eles têm uma rede de lojas que precisam administrar.
Aí eu teria que ficar lá sozinha cuidando da neta. Vê só se pode! Longe do meu apartamento!
Tenho uma bela cobertura! Dos meus gatos, de minhas amigas, do coitado do Airton!
Ainda bem que levei pouca bagagem, não fiz a mudança completa.
Indaguei:
- Mas aqui o que você faz?
- Quando estou enjoada do Airton, de casa, ligo para as minhas amigas e saímos para nos divertir.
Vamos beber, dançar, ir ao cinema, shoppings e praças. Depende do dia e da disposição.
Continuei a encorajá-la dizendo:
- Ah... A propósito nem nos apresentamos. O meu nome é Fênix e o seu?
- Marilu é como me chamam. Na realidade é Maria Luiza, mas não gosto, é complicado... Prefiro Marilu.
- Ok. Marilu. Prazer...
E ela segue:
- Olha tá vendo aquele senhor que passou? É meu conhecido. Ele está voltando. Espera...
- Oi! Tudo bom?
- Tudo bem!
Cumprimentam-se. Ele a olhou com intensidade.
- Viu! Ele faz parte da minha turma, mas contigo aqui ficou indeciso de chegar. Ele é um amor! Sozinho como eu!
Ah! Eu digo:
- E daí?
- Mas como te dizia o Airton é um pouco mais jovem do que eu, mas isso não tem importância não é?
Ela não espera resposta e segue:
- O que vale são as afinidades certo?
- Realmente Marilu!
Seus muitos colares, pulseiras, anéis e brincos cheios de pedrarias – até uma gargantilha com borboleta ela tinha – rebrilhavam ao sol da manhã enquanto se movia gesticulando as bijuterias.
Os óculos grandes de sombra lhe escondiam os olhos e parte das muitas rugas que lhe vincavam o rosto, devidamente disfarçadas por uma camada de base e pó. O sorriso era bonito, dentes bem cuidados.
Teria sido uma mulher muito atraente e bonita quando jovem.
Seu espírito era vivaz, transpirava alegria e temperamento determinado quando falava.
Eu a ouvia.
- Olha lá! Disse ela.
Lá vem o pobre do Airton
Ele chega, senta-se ao lado dela, sorri. Os dentes manchados de nicotina e falhados. A barba por fazer. Desalinhado. Mais jovem que ela, talvez uns 50 anos.
Cochicham e riem.
Ela me apresenta.
- Airton esta é Fênix!
- Prazer.
- Prazer...
Senti-me naquele instante demais ali. O universo naquele momento girava somente em torno dos dois.
Então lhes disse;
- Marilu, agora deixo vocês. Tenho um compromisso, preciso ir.
Prazer em lhes conhecer, felicidades...
- Prazer Fênix!
Deixei-os e quando me voltei não estavam mais lá. Iam ao longe, ela de calças brancas bem ajustadas, uma garota...
Ele de mãos dadas com ela, abrigo surrado, tênis cambaio.
Pareciam felizes!
Afinal ele cuidava bem dos gatos dela e isso é o que importava.
De resto...
Figura ímpar aquela Marilu.
Valeu a pena conhece-la.
O domingo estava salvo!
O sol brilhava e segui meu caminho. Quem sabe alguma nova reunião interessante surgiria, pensei, quem sabe…

Sombras

S

Silvia C.S.P. Martinson

Eram dois.
 
As árvores já apresentavam nova brotação, as roseiras já floreciam.
 
O ar era leve e o perfume das flores se espalhava trazendo mais frescor ao mesmo tempo em que as abelhas, em profusão, voavam em busca do néctar tão precioso. Era primavera.
 
O céu de azul intenso confundia-se com o verde das árvores, atraindo aos olhos dos passantes um multicolorido sui generis.
 
Eles caminhavam lentamente.
 
Observavam tudo com atenção enquanto ele explicava a ela a história daquele parque, por quem e porque fora criado, detendo-se em cada lugar onde o tempo e os fatos deixaram suas marcas.
 
Ela ouvia, atentamente, porque com ele conseguia viajar no tempo.
 
Ele lhe descrevia os detalhes, as nuances e os fatos ocorridos em cada sitio. O fazia de forma tão natural como se ali estivera e vivivenciara tudo em seus mínimos detalhes.
 
Ao mesmo tempo os dois embevecidos usufruíam da presença mútua um do outro.
 
Era um momento de intensa ternura e encantamento e que os fazia sorrir ante tanto envolvimento.
 
Havia como um que de lembranças aflorando às suas mentes.
 
Caminhavam lentamente.
 
Ao aproximarem-se de um portal que dava acesso ao parque depararam com uma placa que há via no solo.
 
O sol agora estava forte.
 
O passeio tão ansiado, programado e permitido estava no fim. Eles o sentiam e anteviam a dor da separação sem, no entanto, comunicá-la um ao outro.
 
Caminhavam lentamente.
 
Dirigiram-se até a placa, olharam a data nela inserta. A memória se lhes aclarou, entenderam enfim que retornavam ao lugar onde sempre se encontravam quando queriam estar juntos, isso a muito e muito tempo.
Por sobre a placa beijaram-se e concluíram o que se passava finalmente.
 
Eram tão somente... duas sombras do passado.

Pensa mal e acertarás

P

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

  Se algo eu aprendi ao largo de meus 74 anos de vida, há sido desconfiar de políticos e por adição de governantes de qualquer signo político.

Recordo que sendo um menino, me contava um senhor ancião, de cabelos e bigodes brancos, que quando da guerra de independência de Cuba, a intervenção oficial norte americana começou devido à explosão e imediato afundamento do encouraçado Maine pertencente aos Estados Unidos da América do Norte, estando fundeado na baia de Havana em águas de Cuba.

Essa foi à escusa, o detonador, para intervir sem tabus na guerra de Espanha com os independentistas mambis de Cuba. E já de passo se somaram Porto Rico, Filipinas e a ilha de Guam a insurreição e posterior influência norte-americana sobre estes territórios.

Conhecemos, todos, a situação política posterior de todos estes territórios onde os Estados Unidos tiveram predomínio, exceção a Cuba, donde veio o pombo cuca, e na qual, desde os primeiros cinquenta anos, Fidel Castro e seus guerrilheiros em Sierra Maestra se apoderaram da Pérola do Caribe e aí seguem com seu regime comunista.

Os Estados Unidos ocuparam Guantánamo em 1898. Legalizaram essa ocupação no Tratado USA-Cuba de 1903, conseguindo jurisdição, porém conservando Cuba a soberania definitiva.

A realidade era que para a Espanha não lhe interessava provocar ao gigante norte americano, porém pode ser organizado pelos independentistas cubanos, com o objetivo de agitar a opinião pública americana e promover a intervenção norte americana em conflito
O proprietário do diário The World e de outros muitos periódicos, William Randolf Hearst que havia visitado Mine quatro dias antes de seu afundamento.

Depois da explosão se comprovou que não haviam peixes mortos ao redor, ou seja, que não havia indícios de explosão exterior. A explosão foi interior e produzida por um acidente ocorrido pela combustão espontânea de carvão, que se transmitiu â pólvora negra que formava parte da carga e também à munição , provocando a explosão e o imediato afundamento do encouraçado.

Em 1975, uma equipe de expertos dirigida pelo Almirante Hyman Rickover, criador da Marinha de Guerra Nuclear, concluiu que a explosão foi interna e que os oficiais do barco não obraram com as devidas cautelas. Houve outros investigadores que chegaram a igual conclusão.

Dito isto e referindo-nos ao conflito gerado pelo ataque de Hamás, como pode ser que entre um contingente armado em território israelita, que está fortemente militarizado e com preparação de reação a ataques terroristas, atuem livremente sobre uma multidão de milhares de jovens assistentes a um grande espetáculo musical? Não havia nenhuma vigilância que pudesse reagir?

Assassinar a 1.200 pessoas e centenas de feridos e sequestrados, sem encontrar resistência no mesmo país que faz poucos dias há reagido ao lançamento de 300 misseis e drones, conseguindo sua destruição quase a 100 por cento. É possível crer sem ter um mínimo de desconfiança?

Ao menos deveríamos de pensar, os que tenham um grama de cérebro.
A imprensa e demais meios são convenientemente silenciados pelo poder político e habilmente dirigidos até onde convém aos que mandam.

Sempre há sido assim, segue sendo e seguirá pelos séculos dos séculos, enquanto o homem seja homem.

A quem convém tudo o que está passando no Oriente Médio?

Miragem

M

Silvia C.S.P. Martinson

Em uma noite quente, de calor escaldante, ele sonhou, sonhou acordado.
 
Viu uma paisagem longínqua, de muito verde e de flores coloridas.
 
Criou coragem e pelos bosques caminhou, lentamente, sem pressa.
 
Movia-lhe uma curiosidade forte que não sabia de onde vinha e nem porque a sentia.
 
A lua derramava seus raios sobre tudo e as sombras na penumbra se moviam.
 
Pensou... Seriam elas reais ou fruto de imaginação sua.
 
Porém com o seu andar pelas cercanias, descobriu que as sombras eram verdadeiras.
Tinham forma, tinham cor, oscilavam, caminhavam.
 
Eram seres vivos que na noite se entretinham.
 
As árvores tinham vida a às flores cumprimentavam ais quando estas então lhes sorriam.
 
O chão por onde pisava ao seu contato exclamava:
- Pisa mais leve, por favor! Se possível voa, para não me causares mais dor!
O pasto sorridente lhe disse:
- Eis-me aqui felizmente! Sirvo para alimentar muita gente.
Ele surpreso então perguntou: a quem das de comer?
- a quem alimentas tu?
Este, ingenuamente respondeu:
- Alimento as formigas, as lagartas, desde a noite dos séculos, para que elas há seu tempo, como borboletas enfeitem os dias com suas cores luzentes.
 
E as sombras se moviam dando passagem ao intruso que no bosque adentrava cada vez mais espantado.
 
Os pássaros cantavam saudando a lua que cada vez mais a tudo clareava.
 
Até que como luz etérea ela, surgiu do nada.
 
Deslumbrou-o com seu olhar, como se a muito lhe conhecesse.
 
Ele pasmado, assombrado pelas lembranças, neste momento recordou-se.
 
Em passado distante a conhecera.
 
Era a mensageira protetora e amiga, sua fada madrinha, sua eterna companheira. A inspiração de seus dias.
 
Estendeu-lhe esta, as mãos e o convidou a segui-la.
 
O sonho virou realidade, para ele, e definitivamente, depois de tanto tempo, de muita dor e sofrimento, na noite eles seguiram, pelo resto de suas vidas.
 
E neste momento em que os dois finalmente consumam seu amor, com beijos e carícias por tanto tempo guardadas, ouve-se um som de trombetas, são os anjos que se acercam e dizem amém.
 
Ele então embevecido, ainda, ouve um som mais forte e estremece, é uma campainha a tocar.
 
Retorna de seu sonho e cambaleando vai à porta atender, não era ninguém.
 
Dá-se conta que sim, era o telefone que não parava de tocar.
 
Atendeu-o.
 
Era sua ex-mulher que por estar, ele, com a pensão atrasada, os filhos com fome, a escola sem pagar, passa então a vituperar maldizendo-o, por incompetente e estar sempre acordado a sonhar.
 
O idílio tão lindo, agora se desvanece, as ilusões somem da memória e se perdem para sempre, nesta vida, pelo ar.

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