Autor/aPedro Rivera Jaro

Politica arriscada

P

Pedro Rivera Jaro

Traduzido ao português por Sílvia C.S.P. Martinson

Que política nojenta que destrói amizades,
quando enfrentam a vida por objetivos diferentes.
Que desgraça de partidos que .desfazem irmandades,
pela maneira oposta de pensarem.
Que pena que partidos cortem relações,
enquanto se escondem em coloridas reuniões.
Simulam o que não são realmente
para com o apoio de todos,
ao domínio chegarem
permitindo-lhes enriquecerem rapidamente.
A acha tenta apenas parecer tronco,
para de toda árvore o voto conseguir
Azinheiros, álamos, castanheiros e freixos
com orgulho proclamam que são deles,
e seu voto, esperançosos, presenteiam
a quem chegar ao poder,
e estes sem escrúpulos
depois os vão cortar.
Assim ocorre na equipe oposta,
aquela que usa a navalha curva,
faz com as vinhas a mesma coisa,
traz no seu cabo escondido o aço da lâmina
que engana, fazendo-a parecer madeira.
E então neles as videiras votam,
sonhando que irão governar bem.
Porém quando a colheita chega,
a lâmina oculta fazem surgir
e afiando sem demora o seu aço,
os cachos de uvas, da anual colheita,
os cortam e rapidamente os levam,
guardados em repleta cesta,
vendendo-os aos grandes bodegueiros,
escondendo logo em suas avaras bolsas,
os produtos obtidos pela venda.

 

Lição de vida

L

Pedro Rivera Jaro

Traduzido ao português por Sílvia C.S.P. Martinson

Eu tinha então 6 anos. Era um dia de sol e quente do mês de maio de 1956. Passavam alguns minutos das 12 do meio dia, quando voltei a casa do colégio e recordo que cheguei esfomeado.

Entrei na cozinha e olhei nas gavetas do armário onde minha mamãe costumava guardar os alimentos, como chouriço, salsichão, marmelo,etc. (então não tínhamos frigorífico) porém não encontrei nada mais que um pacote de papel Kraft com fatias de bacalhau seco e salgado com que minha mãe costumava fazer batas doces cozidas, o que eu não recordei previamente que se punha o bacalhau na água para dessalgar.

Comecei a tirar a pele de algumas fatias e come-las para acalmar o apetite. Após algum tempo comecei a sentir uma sede tremenda e imperiosa de beber. Não tínhamos água corrente do canal de Isabel II em casa e minha mãe tinha que ir buscá-la na fonte pública com cântaros de barro que colocava em uma Cantareira de madeira que tínhamos junto a pia da cozinha. Eu, todavia não tinha as forças necessárias para manejar os cântaros de barro sem risco de quebrá-los, como já me havia ocorrido há muito tempo e que me ocasionara uns tapas.

Somente me sobrava para beber uma garrafa de vidro branco transparente com vinho branco em seu interior, do qual meu pai bebia um copo nas refeições e o que se encontrava habitualmente na janela.

Nem rápido nem devagar subi pela pia até a janela e alcançando a garrafa tomei um bom trago de vinho branco e satisfiz momentaneamente minha sede.

Passado um tempo eu tinha todos os efeitos da embriaguez ainda que não soubesse.

Depois de experimentar tonturas e passar muito mal neste instante, tombei ao solo e fiquei adormecido.

Quando minha mamãe regressou para casa depois de fazer recados me encontrou no solo e levou um tremendo susto, até que eu fui acordando e contei o que havia comido e bebido. Esse dia não tive vontade de comer ao meio dia e até a tarde estive acamado, quando tudo deixou de dar voltas e sumiu o mal do corpo.

Naquele dia aprendi a ser precavido e a não aventurar-me a comer ou beber nada que não viesse diretamente das mãos de meus mais velhos.

A mentira institucionalizada

A

Pedro Rivera Jaro

Traduzido para o português por Sílvia C.S.P. Martinson
 
Li em um artigo no "20MINUTOS" que explica a participação no fórum "Informação e desinformação no Metafuturo" de um Ministro do atual Governo da Espanha, e de vários jornalistas renomados.
 
Eles criticam as mentiras que se espalham sob a forma de embustes nas redes sociais. Outro dos jornalistas coloca o problema mais em meias verdades, pois eles induzem a falsas crenças.
 
Joaquín Manso acredita que estamos vivendo um período em que a mentira se institucionalizou, ao contrário do que aconteceu em períodos anteriores, já que agora a mentira é usada como ferramenta e com ostentação.
 
Finalmente, Ignacio Escolar acredita que no futuro o uso de mentiras será corrigido, embora ele tenha compartilhado que mentiras agora são mais difíceis de detectar e combater, porque somos uma sociedade sem anticorpos para mentiras.
 
Depois de ouvir todas essas opiniões, eu me pergunto: Como nossa sociedade pode ficar longe das mentiras, se nossos principais líderes, sem querer detalhar nomes e sobrenomes (embora alguns muito conhecidos e importantes venham à mente), prometem em suas campanhas políticas uma série de coisas que farão, e outra série de coisas que nunca farão se alcançarem o poder, mas quando o alcançam, fazem o oposto do que prometeram?
 
Este é um exemplo desastroso de indignidade e falta de escrúpulos, que as pessoas comuns (você e eu) aprendemos a tomar como certo, assim como aconteceu nos anos de chumbo, quando chegamos a ver como normais os assassinatos terroristas perpetrados pelos assassinos da ETA, pelo simples fato de que eles os cometeram como uma questão natural.
 
Até que surgiu um gatilho que fez com que toda a Espanha saísse às ruas para protestar contra a ETA, e foi quando o assassinato de Miguel Angel Blanco provocou o cansaço de todos os espanhóis pela paz, ordem e justiça. Agora pergunto a todos os espanhóis comuns, aqueles de nós que nos dedicamos a levar uma vida digna e a ensinar a nossos filhos todos os princípios que nossos pais nos transmitiram, quando é que vamos tomar as ruas novamente para exigir o fim da descarada sem-vergonhice daqueles que não têm respeito pela verdade e só chegam ao poder para tirar proveito das pessoas trabalhadoras e honestas que compõem a maioria de nossos cidadãos?

O dereito de ser diferente

O

Pedro Rivera Jaro

Traduzido para o português por Sílvia C.S.P. Martinson
 
Ontem eu li um artigo de Álvaro J. San Juan, sobre um livro que ele escreveu intitulado "Grandes maricas de la historia", e ele revelou algo que eu não sabia. Ele se declara homossexual e também fala das grandes figuras da ciência, das artes, da literatura e da história, e explica a condição homossexual desses homens do passado, que eu desconhecia, exceto no caso de alguns deles, por exemplo, Alexandre o Grande. Eu não sabia que Michelangelo Buonarotti, Leonardo da Vinci, William Shakespeare, Isaac Newton, Hans Christian Andersen, Botticelli, Miguel de Cervantes, George Washington, Tchaikovsky, eram homossexuais.
 
Eles tinham que disfarçar sua homossexualidade, porque as sociedades onde viviam não toleravam diferentes, e porque para a intelectualidade cristã era "normal" ser heterossexual.
 
Ele diz que talvez hajam crianças ou jovens que um dia lerão seu livro e verão que não estão sozinhos. Se ele, quando era apenas uma criança, soubesse de que todos esses grandes homens eram como ele era, e ainda é, isto é, homossexuais, ele se sentiria acompanhado, muito melhor do que como  se sentia.
 
Vou falar-lhes de uma experiência que tive quando tinha trinta anos. Foi por volta de 79, talvez 80, em um bairro de Salamanca chamado Tejares. Tínhamos acabado de pesar um caminhão Pegaso de quatro eixos na ponte-báscula pública, que tínhamos carregado com mercadorias destinadas a uma fábrica na periferia de Madri. Eram cerca de onze horas da noite e entramos para tomar algumas cervejas no Bar Esteban, antes de voltarmos para casa para jantar. Quando entramos, notei que três rapazes de cerca de 20 anos estavam assediando e insultando outro rapaz mais ou menos da mesma idade. Interessei-me pelo assunto e perguntei-lhes o que estava acontecendo. Os assediadores me disseram que estavam se metendo com ele porque ele era um maricas e o chamavam de Marijose, embora seu nome fosse José. 
 
Eu então intervim e lhes disse que eles não tinham direito, porque isso não era motivo para maltratar o jovem. Então um desses três assediadores gritou comigo que eu provavelmente era outro bicha também, e por isso eu o estava defendendo.
 
O que aconteceu depois não posso dizer aqui, só posso dizer que Esteban, que era o dono do bar, interveio e me implorou para parar a luta.
 
Eu o fiz e ele, por sua vez, jogou os três assediadores para fora do bar. O cara gay me agradeceu com muito sentimento, e me deu um abraço de agradecimento antes de sair para casa.
 
Aqueles eram os dias em que as mudanças relacionadas às liberdades começaram a ser notadas em todas as áreas da Espanha e, felizmente, hoje estão enraizadas em nossa sociedade, mas o mundo é muito grande e tem muitas partes onde aqueles que são diferentes ainda estão subjugados.
 
Há uma grande revolução em andamento no Irã em prol das liberdades das mulheres.  No Qatar, onde foi a Copa do Mundo, os homossexuais ainda estão sendo executados por serem considerados mentalmente doentes.
 
Que passa a nós  seres humanos que não somos capazes de respeitar ao outro só porque é diferente de nós? 
 
Todos têm o direito de ser diferentes, isso sim, respeitando por sua vez aos demais.
Viver e dexar viver é um lema que tenho praticado durante toda minha vida e que faz parte de meus princípios básicos.

Decida seu futuro

D

Pedro Rivera Jaro

Traduzido ao português por Silvia C.S.P. Martinson

Qualquer pessoa sabe que não tem nenhuma chance de recuperar sua juventude. Muitos de nós sabemos que às vezes, quando somos jovens, intoxicamos nossas cabeças com ilusões e que estas ilusões, na maioria das vezes, nunca são realizadas.

Os pais de cada pessoa, com suas melhores intenções, orientam você a se preparar para o que eles pensam que lhe trará o melhor futuro possível, e mesmo que você tenha outras preferências, eles tentam fazer com que você os esqueça para que você se concentre no que eles pensam que será melhor para você. Quando eu era criança eu adorava jogar futebol, mas meu pai sempre me dizia para parar de jogar e estudar, esse seria o caminho para que eu me tornasse um homem útil no futuro.

Eu também queria estudar música quando tinha 9 anos de idade. Quando fiz o exame de admissão ao bacharelado em junho de 1959 e passei, meu pai me deu um violão com sua caixa, como prêmio. Naquele verão, nas montanhas, na aldeia de meus avós maternos, Las Rozas de Puerto Real, onde meu pai tinha construído uma pequena casa, o padre da aldeia, D. Antonio, que era uma excelente pessoa, me ensinou a tocá-lo usando o método dos números marcados nas linhas do pentagrama. Naquele verão aprendi a tocar canções como "Yo te daré", "Yo vendo unos ojos negros", "Clavelitos", e outras que eu estava muito feliz em praticar, porque eu tinha um grande amor pela música.

Quando retornamos a Madri no final do verão e retomei meus estudos no primeiro ano do ensino médio, meu professor, que era o diretor da escola, ao saber que eu estava aprendendo a tocar violão, disse a meu pai que: ou eu estudaria ou tocaria violão. Ele nem mesmo sabia distinguir entre guitarra e um violão, que grande professor que não sabia como ver que a música poderia ser uma atividade complementar às disciplinas do bacharelado.

Meu pai, que segurava o diretor Dom Francisco em um altar como se fosse um santo, levou a caixa do violão com ele dentro, e a colocou em cima do guarda-roupa em seu quarto e me disse: "Até o final do curso, não volte a tocá-lo". E eu, retendo minhas lágrimas, não ousava responder a meu pai, mas em meu eu interior e cheio de tristeza pensei: "Nunca mais vou tocá-lo". E assim foi.

Agora eu escrevo muitos poemas. Se eu tivesse me dedicado à música, provavelmente teria sido um compositor, mas isso é algo que hoje, aos 72 anos de idade, não sei se teria acontecido, pois não me foi permitido seguir esse caminho.

E o mesmo aconteceu com outras tentativas posteriores, como minha intenção de estudar medicina veterinária, que minha mãe não gostou, e me desencorajou de meu desejo porque achava que não era uma profissão muito brilhante para seu filho.

De qualquer forma, o que eu quero lhe dizer é que você não deve permitir que ninguém o desvie de seus passatempos para focalizar suas vidas. É muito importante, muito importante, dedicar-se ao que pode fazer você feliz. A vida pode nos parecer longa, mas na realidade, ela se torna muito curta e leve se a gastamos fazendo o que achamos mais satisfatório.

Ladrões no telhado

L

Pedro Rivera Jaro

 
Traduzido ao português por Sílvia C.S.P. Martinson
 
Era verão. Não me lembro exatamente do ano, mas deveria ter sido por volta de 1968. Deve ter sido por volta das 10 horas da noite. Tínhamos jantado e meus irmãozinhos Félix e Javi saíram para brincar em nosso belo pátio, enquanto meus pais, minha irmã Maribel e eu, assistíamos na cozinha de nossa casa, no televisor Werner, o programa que estava sendo transmitido pela única televisão que tínhamos na Espanha naquela época. Televisão Espanhola.
 
A cozinha era o ponto de encontro habitual em nossa casa. Sempre me lembro assim, havia o fogão a gás butano onde minha mãe cozinhava os alimentos que comíamos todos os dias, havia a pia, o armário da cozinha com muitos pratos, copos e outros objetos do dia-a-dia. Este armário tinha diferentes seções, assim como duas gavetas contendo facas, garfos, colheres, etc., e as outras continham guardanapos e toalhas de mesa para colocar sobre a mesa. A mesa era grande, para que os seis membros da família pudessem se sentar para comer juntos, e também tinha duas gavetas nas quais se mantinha a toalha de óleo impermeável que minha mãe tinha o hábito de espalhar sobre a mesa e debaixo da toalha de mesa. Havia uma grande janela, com duas faixas, que no dia do verão estavam abertas para deixar entrar o frescor do pátio.
 
Havia também um fogão a carvão na cozinha, que no inverno era todo o aquecimento que tínhamos em nossa casa e onde aquecíamos nosso pijama e os cobertores de lã em que nos envolvíamos para combater o frio dos lençóis. A casa era espaçosa, no andar térreo e tinha, além da cozinha, o quarto dos meus pais, que era o maior, o quarto da minha irmã, a sala de estar e outro quarto com duas camas, onde dormíamos os três meninos. Depois conseguimos ter um banheiro, que foi o último acréscimo a casa, depois de trazer o suprimento de água potável para a casa, que até então íamos até a fonte pública e a trazíamos em jarros, baldes, bacias, etc. E a água para irrigar o jardim vinha de um poço bastante profundo que meu avô Pedro tinha feito. A casa inteira foi atravessada por um corredor desde a porta da rua até a porta do pátio.
 
De repente, houve uma batida barulhenta na porta da rua. Nós quatro saímos correndo e rapidamente abrimos a porta. Em voz alta Fernando, outro vizinho na rua, nos disse que tínhamos dois ladrões nos telhados e que quando atirávam pedaços de tijolos e cascalho sobre eles, que eram restos de um pequeno trabalho que tinham feito na rua, eles corriam através do telhado na direção da parte que levava ao nosso pátio e à nossa garagem. Corremos para o pátio, e lá vimos meus irmãos vindos da garagem e chegando à esquina do banheiro e do pátio.
 
Quando lhes perguntamos se tinham visto alguém descendo dos telhados, eles responderam que não tinham visto ninguém. Há ladrões nos telhados, dissemos a eles, ao mesmo tempo em que vimos no chão do pátio os projéteis que Fernando havia jogado neles, escombros e pedras. Javi permaneceu em silêncio, mas Félix, que era o mais velho dos dois, disse muito assustado: "Não há ladrão. Éramos apenas nós que queríamos pegar um ninho de pardais que as aves cresceram e estão prestes a voar para longe”. E ele olhou para meu pai que era muito sério, mas que, além da brincadeira, preferia isto, sem dúvida, a ter que enfrentar os supostos e, por outro lado, os ladrões inexistentes.
 
Meu pai os repreendeu muito e eles não foram pegos porque minha mãe sempre segurava meu pai para que ele não nos desse uma bofetada.
 
Eu estava pensando muito em como teria sido uma vergonha se Fernando tivesse atingido um dos projéteis de pedra que ele atirou neles. Depois ri alto, pensando na rapidez com que eles conseguiam descer do telhado através da grelha da janela do banheiro até o chão.
 
Anos mais tarde, todos crescidos, rimos muitas vezes falando sobre o que aconteceu, e nos divertimos muito com a diferença de caráter dos dois, um que se fez de "morto" e não confessou nada, e o outro com sua franqueza, se aproximando, confessando o que aconteceu, e demonstrando um caráter que ele ainda tem hoje, mais de cinquenta anos depois.

A caça com formigas

A

Pedro Rivera Jaro

Traduzido para o português por Silvia Cristina Preissler Martinson

Faz um calor tremendo. É pleno verão e o final de agosto. Caem as primeiras chuvas depois de muitas semanas sem cair nem uma gota de água.
E depois da chuva, quando o sol volta a aparecer, observamos que já estão saindo dos seus formigueiros as formigas aladas, que serão as próximas rainhas dos seus formigueiros e outros menores, também alados, que são os machos, chamados de alines, cujo único objetivo em suas vidas é fertilizar as rainhas. No pleno voo, fecundam as rainhas e depois caem ao chão para morrer, enquanto as fêmeas, quando descem ao solo, desprendem-se de suas asas, fazem um buraco no chão e começam a botar ovos, que depois serão as operárias do novo formigueiro.

Eu aprendi com Juan de Dios, um padeiro vizinho meu que era marido da prima Eulalia, a quem todos chamávamos de Olaya, a capturar as formigas antes que voassem, justamente quando se preparavam para realizar seu voo nupcial.

O sinal para cavar nas entradas dos formigueiros era a queda das primeiras chuvas.

Quando apareciam as formigas aladas, nós as colocávamos diretamente, ao capturá-las, nas piteiras, uma garrafa de vidro, para evitar que pudessem escalar e escapar voando.

Juan de Dios as usava como isca viva na pesca e nas bestas ou costelas, para capturar pássaros na temporada de pássaros de verão, que desciam das serras e voavam em direção ao sul, fugindo da queda das temperaturas.

Depois, eu desenhei meu próprio viveiro para manter vivas minhas formigas aladas pelo maior tempo possível, o que podia chegar a durar vários meses.

Colocava em uma caixa de madeira, camadas de areia com canas ocas, cortadas nos canaviais das hortas do Tio Torres, na margem do rio Manzanares. Depois, fazia bolas de papel de jornal e as intercalava com terra por cima.

Punha na parte de cima tampas metálicas de potes de conserva, com água que mantinha o grau de umidade. Em cima, colocava uma tampa de madeira e sobre a tampa de madeira uma lona que amarrava, para que as formigas não pudessem sair e escapar.

As pobres formigas aladas haviam passado de aspirar a serem rainhas nos seus formigueiros a serem iscas vivas para capturar pássaros.

As bestas, cepos ou costelas, que por esses três nomes eram conhecidas, consistiam em mecanismos com molas, cujo semicírculo superior abria sobre a parte inferior ou base, e se sustentava aberto com a ponta da haste presa no orifício onde se fixa a isca.

O orifício tem duas pequenas pontas de aço, opostas, que ao apertá-las, aumentam o círculo central onde introduzimos a parte traseira do corpo da formiga até o seu estreitamento e, uma vez dentro, soltamos as pontas e a formiga fica presa, mas sem apertar e com certa liberdade de movimento.

Quando a presa picava a formiga, a haste de fixação escapava e a parte superior, ou morte, golpeava com força, por efeito das molas, sobre a base. A diferença entre as bestas ou costelas e os cepos é que as primeiras têm uma tábua de madeira sobre a qual está presa a parte metálica, e os cepos não.

Era muito importante a escolha dos locais estratégicos onde colocar as armadilhas, como, por exemplo, as pequenas elevações, próximas a uma cerca de arame, onde os pássaros costumavam pousar.

Raspava-se o chão, arrancando as pequenas ervas que por acaso houvessem no lugar onde pretendíamos assentar a besta, formando uma pequena clareira que se destacava do seu entorno.

Depois se orientava, de modo que as asas da formiga brilhassem ao sol e, para evitar que o pássaro picasse a isca por trás, colocava-se nela um torrão ou tufos de erva que havíamos tirado antes, que tornasse mais fácil picar a isca pela frente e disparar o mecanismo, como explicava antes.

Eu também costumava amarrar um cordão na besta e prendê-lo a algum objeto pesado, ou a algum arbusto, para que, se acontecesse de que picasse algum animal de maior tamanho e força, não fugisse e escapasse arrastando a armadilha. E é que, em algumas ocasiões, acontecia de ser um lagarto ou uma lagartixa que mordia a formiga, já que tinham grande apetite por esse inseto e acabavam capturados pela besta.

Atualmente, tudo isso que eu conto pode parecer uma barbaridade. De fato, hoje em dia as bestas estão proibidas, e seu uso é punido com multas consideráveis, e o mesmo ocorre com a utilização de iscas vivas, mas há 60 anos, os passarinhos eram consumidos nos lares humildes e, inclusive, nos bares eram vendidos como aperitivos, uma vez temperados e fritos.

Espero e desejo que essa história da minha infância os distraia por um tempo e até gostem

Um dia nefasto na minha vida

U

Pedro Rivera Jaro

Traduzido para o português por Silvia Cristina Preissler

Os antigos romanos dividiam os dias classificando-os como fastos ou nefastos. Eles levavam isso para a vida cotidiana, tendo muito cuidado para não iniciar negócios em um dia nefasto, pois acreditavam firmemente que fracassariam. Em contrapartida, empreendiam nos dias considerados fastos, acreditando que teriam sucesso garantido.

No dia 23 de julho de 2024, exatamente um mês atrás, eu tinha planejado viajar para Palma de Maiorca, às 19 horas, pois tinha uma consulta com meu dermatologista.

Naquela manhã, depois de tomar banho e fazer a barba, tomei café com leite e biscoitos no café da manhã. Depois escovei os dentes e, depois de pentear o cabelo e me vestir, saí para a rua e me dirigi, como fazia todas as manhãs, à Biblioteca Pública Pedro Salinas, onde pegava um exemplar do jornal gratuito "20 Minutos".

Depois de pegar o jornal, subi pela rua Toledo até a padaria Corteza y Miga, comprei um pão de trigo e de lá fui à loja de Vinhos e Licores na rua de Calatrava, esquina com La Paloma, onde comprei uma garrafa de Anisette Marie Brizard. Quando saí daquela loja, após pagar os 12 euros que custava a garrafa, atravessei a pequena praça de Isabel Tintero, e ao chegar na escadinha de 5 ou 6 degraus de granito, que desce até a calçada da Gran Vía de San Francisco, percebi que o semáforo aberto para os pedestres estava prestes a mudar e fechar.

Inconscientemente comecei a correr e, de repente, sem saber como, me vi tropeçando nos degraus até cair de bruços, grande que sou, estendido no chão, sobre as pedras de granito da calçada. O jornal e o pão que eu carregava na mão esquerda, assim como a garrafa de Anisette Marie Brizard que eu carregava na direita, me impediram de apoiar as mãos adequadamente para amortecer minha queda. Meus óculos apareceram no chão com uma das hastes dobrada quase a noventa graus em relação ao resto.
A barra de pão saiu do saco de papel, da minha mão esquerda, e ultrapassou o jornal que também havia sido projetado para frente. E à minha direita, a garrafa de Anisette se despedaçou, derramando seu conteúdo e eu observei com horror que os cacos de vidro ficaram quase encostando no meu rosto, após a queda. Quando cheguei ao chão, ouvi um barulho seco que minha cabeça fez ao bater no chão com o lado direito do meu queixo.

Imediatamente ouvi várias pessoas me perguntando se eu estava bem e se conseguia me levantar. Naquele momento, eu estava checando meu corpo e percebi que, pelo menos, conseguia me levantar, o que equivalia a dizer que os ossos mais importantes dos meus braços e pernas estavam inteiros. Minhas mãos doíam e observei que sangrava abundantemente por um corte que tinha no queixo, assim como pela unha do dedo médio da minha mão esquerda, que estava levantada e separada da ponta do dedo, cuja primeira falange estava fraturada. A mão direita também tinha danos, que hoje, 23 de agosto, ainda doem, mas aparentemente não havia fraturas. Minha bochecha direita e a área ao redor dela bateram no chão, e mais tarde pude observar em casa que estava avermelhada. A parte externa do meu joelho direito também estava coberta de arranhões.

As vozes que se interessavam por mim, quando eu estava caído de bruços nas pedras, pertenciam a duas mulheres, muito boas pessoas, que se preocuparam em me ajudar naqueles primeiros momentos. Uma delas era uma senhora, ou senhorita, romena. A outra era uma mulher hispano-americana, não me recordo se era da Colômbia ou da Venezuela, mas me lembro que ela atravessou o bar em frente e comprou uma garrafa de água, com a qual ela lavou minhas mãos e meu rosto, para limpá-los de sangue.

Imediatamente chamaram uma ambulância, que chegou em poucos minutos e pertencia ao Samur. Que Deus abençoe essas duas boas mulheres, e também outras quatro pessoas que pararam no caminho para me ajudar. Dois jovens que, pela aparência física, me pareceram hispano-americanos. E, por último, um casal de aproximadamente 60 anos que também parou para me socorrer.

Agradeço por poder verificar, mais uma vez, que ainda existe humanidade no comportamento de muitas pessoas.

Liguei para minha esposa pelo celular, que estava em nossa casa, a 3 minutos de distância, e que, a princípio, ficou alarmada, mas eu a tranquilizei e pedi que viesse.
Ela chegou imediatamente com o carro e, quando chegou, os paramédicos do Samur estavam me atendendo dentro da ambulância. Desinfetaram minhas feridas, examinaram meus ossos para verificar seu estado e me disseram que eu deveria ir a um hospital para que pudessem dar pontos no corte do meu queixo, que se aprofundava até o maxilar e precisava ser costurado. Também precisaria que fizessem um raio-X.

Fui muito bem atendido pelos paramédicos e eles me ofereceram ir a algum hospital da Segurança Social, avisando-me que poderia ter que esperar o dia todo para ser atendido.
Como acontece que há muitos anos, além da SS, sou associado da ADESLAS (Seguro Médico Privado), e que precisava estar no aeroporto Adolfo Suárez, de Madrid-Barajas, uma hora antes do meu voo, ou seja, às 18 horas, pedi à Estrella, minha esposa, que me levasse ao Hospital Madrid, na praça do Conde do Valle de Suchil, e ela me levou, e fui muito bem atendido por uma médica traumatologista, cubana de nascimento e descendente de galegos.

Minha esposa acreditava que teriam que arrancar minha unha, mas a médica me informou que não costumavam mais fazer isso. Devo dizer que, hoje em dia, as duas unhas danificadas estão praticamente normais. Uma delas, a da mão esquerda, ainda tem uma mancha roxa na ponta, mas que calculo que desaparecerá em um mês.

Quando chegamos em casa e minha esposa colocou a comida nos pratos para nós dois, ao tentar comer, percebi que não conseguia mastigar, e descobri que tinha quebrado o dente do siso inferior direito, bem como outro dente superior do lado esquerdo. Então fiquei, vários dias me alimentando de caldos, iogurtes, etc. Atualmente já como todos os tipos de alimentos, embora as bebidas frias eu deva beber pelo lado esquerdo da boca, se não quiser sentir dor no lado direito.


Na minha volta de Palma de Maiorca, marquei uma consulta com o dentista, mas a solução proposta pela médica que me atendeu, que era substituta do meu dentista habitual, que estava de férias, que consistia em extrair o dente do siso, não me convenceu. Então cancelei a consulta para a extração e decidi esperar até que meu dentista habitual voltasse.

Minha esposa opinava, e certamente tinha razão, que as consequências da minha queda poderiam ter sido muito mais graves. Então, além disso, tenho motivos para ficar feliz.

Às 17:30, minha esposa me levou ao aeroporto, e lá eu saí do carro com minha mala, e ela voltou para Madri. Eu estava com o corpo dolorido e os dedos enfaixados. No queixo, me deram três pontos, que a médica recomendou que eu não molhasse por alguns dias, para ajudar na cicatrização da ferida.

Quando cheguei ao controle de bagagens, onde os detectores buscam armas ou bombas, graças ao presente que os terroristas nos deram, às pessoas normais, o agente responsável por me revistar disse que eu deveria tirar o cinto e os suspensórios e também deveria esvaziar meus bolsos. Eu respondi que sentia muito, mas que tinha um dedo quebrado na mão esquerda e a mão direita completamente inchada e dolorida, como ele poderia ver pelos meus curativos. E também informei a ele que tenho 6 pinos de titânio na minha coluna vertebral, assim como uma prótese de quadril, no lugar onde antes estava o meu quadril esquerdo original.

Aquele agente deve ter entendido e me ordenou que passasse pelo detector até onde ele estava, e lá me revistou sem encontrar nenhum objeto que pudesse parecer suspeito.
Quando cheguei aos monitores luminosos onde os voos são descritos, procurei o meu voo UX-6097 da companhia AIR EUROPA, que tinha previsão de embarque às 18h15, saída de Madri às 19h00, com destino ao Aeroporto de Maiorca e chegada às 20h20.

A única informação era que o voo estava atrasado.
Desde as 18h, quando cheguei à área de embarque, até as 19h40, quando entrei no avião, os sofridos clientes da AIR EUROPA tiveram que suportar a total falta de informações da companhia aérea.
A principal causa do atraso era que eles tinham apenas um avião para fazer os percursos de ida e volta, e qualquer atraso causado se acumulava ao longo do dia.

O sofrimento ainda não acabou, porque às 20h09, todos os passageiros já estavam dentro do avião há quase meia hora, com um calor horrível, quando começaram a nos explicar o protocolo de segurança, e naquele momento, alguns passageiros, já nervosos com os atrasos, começaram a gritar pedindo que ligassem o ar-condicionado.

Naquele momento, a comissária-chefe se dirigiu a uma passageira que protestava pelo atraso e pelo calor e lhe disse que o ar-condicionado não podia ser ligado até que decolássemos.
A partir das 20h09, o avião ficou se deslocando dentro do aeroporto, do Terminal 2 até a pista de decolagem do Terminal 4, e só às 21h06 é que ocorreu a decolagem.

Às 22h07, pousamos no aeroporto de Son Sant Joan de Palma de Maiorca, e agora vem o clímax, de um voo que normalmente dura 50 minutos e que sofreu um atraso de 127 minutos, quando pelo alto-falante do avião a comissária-chefe nos informou que precisávamos esperar a chegada da Guarda Civil do Aeroporto, para deter a senhora que havia protestado pelo atraso e pelo calor.
A maioria dos passageiros começou a gritar que queria sair do avião, mas não nos deixaram sair até às 22h28, quando começamos a sair do avião.
Ao lado da porta da frente pela qual saímos e entrávamos no finger, estava um sargento da Guarda Civil, acompanhado de um membro do mesmo Corpo, esperando a senhora que vinha saindo atrás de mim.

Achei injusto e insuportável que detivessem aquela passageira, e me dirigi aos agentes, expressando meu desacordo, pois não havia motivos para isso, já que o único que ela fez foi protestar contra um tratamento degradante aos passageiros, por parte da companhia e de sua comissária-chefe.
Também manifestei minha vontade de testemunhar o que havia acontecido, ao que o Sargento me respondeu que ficasse tranquilo, pois não haveria consequências para aquela passageira.

Não faltou um funcionário de terra da companhia que se manifestasse em apoio à comissária-chefe, dizendo que o ar estava funcionando no aeroporto de Madri. Eu respondi que como ele poderia saber o que aconteceu em Madri, de seu posto de trabalho naquele corredor de Palma de Mallorca? Ao que ele não teve outra escolha senão ficar quieto.

Várias pessoas pararam no balcão da Air Europa para pedir o Livro de Reclamações, e disseram que não tinham ali, que deveríamos protestar por via eletrônica. A única coisa que conseguimos foi um folheto escrito em frente e verso, em inglês, com informações sobre os direitos dos passageiros aéreos na União Europeia, com o código AEA-ME-026-ANO4-R12.

O certo é que aguentamos uma situação abusiva, e que, por não querermos nos incomodar em fazer uma reclamação desses abusos, a AIR EUROPA repete o abuso uma e outra vez, porque não é a primeira vez que eu mesmo tive que suportar isso.

A cobra que roubava leite de um bebê

A

Pedro Rivera Jaro

Traduzido para o português por Sílvia C.S.P. Martinson

Nos anos cinquenta quando eu era uma criança com poucos anos, as mamães com bebês lactantes costumavam dar-lhes de mamar em público, pois que então era considerado o mais natural.

Se, se encontravam cozendo na porta da casa junto a outras vizinhas e o bebê chorava porque tinha fome, pegavam o bebê nos braços, tiravam o peito fora de seu alojamento têxtil e punha o mamilo na boquinha para que sugasse o leite e acabasse sua fome.

Logo em seguida, dependendo de cada bebê e seu apetite podia ele saciar-se com o conteúdo de um seio ou seguia tendo fome ela guardava o seio vazio e continuava com o segundo em sua alimentação. Até que o bebê se cansasse de mamar e então a mamãe lhe limpava a boquinha e guardava a mama dentro de seu alojamento no corpinho.

Recordo que em uma ocasião estava minha querida mamãe dando de mamar a meu irmão Felix, quando eu tinha 5 anos, estava eu olhando como faziam e mamãe pegou seu mamilo entre os dedos e apertou dirigindo o jato de leite à minha cara que ficou molhada e pegajosa pelo leite projetado sobre ela. Minha mãe ria-se com força e eu também. O único que protestou foi meu irmão que havia notado como se interrompia sua comida.

É possível que a grande atração que exercem sobre mim os peitos das mulheres se encontre em meu subconsciente, que possivelmente guarda aquela recordação do seio materno, fonte natural de vida.

Porém agora queria contar-vos uma historia que nos contou a avó de meu amigo Ignacio, a ele e a mim.

Esta senhora era natural de um pequeno povoado de Toledo chamado Escalonilla e nos referiu uma historia de um menino que estavam criando em seu povoado com o leite de sua mamãe. O menino estava bonito porém nos últimos dias deixou de pegar peso e despertou o alarme a sua mãe e a sua avó.

A mamãe se sentava em um cômodo cadeirão no corredor de sua casa com o bebê nos braços dando-lhe o peito enquanto cochilava. Quando o leite se acabava em seus peitos ajudava o bebê a expulsar o ar dando-lhe umas palmadinhas nas costas e logo lhe deitava para que dormisse.

Naqueles últimos dias o menino chorava desconsoladamente depois de mamar e sua mamãe notou que não ganhava peso e comentou com sua mãe, a avó do bebê.

A avó calou quando ouviu o comentário e decidiu observar de um lugar escondido como se amamentava o bebê. O menino começou a mamar e a mamãe cochilou em seguida.

De imediato a avó observou que do olho de uma enorme fechadura que havia naquela velha porta de madeira começou a sair uma cobra bastarda que se aproximou até a boca do menino introduzindo nela a ponta de sua cola. Ao mesmo tempo que com sua boca começou a mamar na teta. Uma vez havendo terminado se retirou pelo mesmo orifício em que havia saído antes.

A avó despertou a sua filha e lhe explicou o sucedido. Esta ficou horrorizada com a explicação do que lhe estava passando.

No dia seguinte puseram um laço corrediço no olho da fechadura e quando a cobra saiu lhe capturaram e fim do problema. A levaram a grande distancia e a soltaram onde não pudesse voltar aquele corredor.

O menino voltou a recuperar seu peso e sua mamãe e sua avó sua tranquilidade e sossego.
Se a historia foi correta ou foi inventada somente para entreter-nos, a uns meninos, não tenho forma de saber, porém isso já é algo secundário. O importante é que esta história me impactou e nunca a esqueci. Por isso mesmo, agora, tenho o prazer de a dar a todos vós outros.

A pouco, alguém me contou outra historia parecida de outra serpente que mamava nos ubres de uma vaca que tinha um terneiro lactante, com tal suavidade que a vaca buscava a serpente para que lhe mamasse, até ao ponto que chegou a aborrecer a seu terneiro.

Minha pergunta é: Podia tratar-se da mesma serpente.

O pátio da minha casa

O

Pedro Rivera Jaro

Tradução para português de Silvia Cristina Preissler
 
As pessoas de fora de Madrid pensam que esta grande cidade sempre esteve constituída por enormes arranha-céus como os que existem na bela rua Gran Vía ou do Paseo de la Castellana, mas eu lembro-me desde a minha primeira infância, nas zonas dos bairros do sul de Madrid, na minha rua, que então se chamava Barrio de San José e mais tarde mudou para Calle de San Fortunato, havia uma maioria de casas térreas, em muitas delas não se dispunha dos serviços mais básicos, como água corrente ou esgotos, e as suas ruas não tinham pavimento e, quando chovia, formavam-se enormes lamaçais e grandes poças de água, onde nós, crianças, brincávamos até ficarmos salpicados de água embarrada e, quando chegávamos a casa, as nossas mães davam-nos umas boas palmadas nas nádegas.
 
A duzentos metros da minha casa, havia campos semeados com trigo ou cevada, em cujos sulcos procurávamos ninhos de cotovias, lagartos, lagartixas e cobras. Desfrutávamos dentro da grande cidade de coisas típicas do campo, como ouvir onde os grilos cantavam e descobrir o buraco onde se refugiavam ao ouvir o som dos nossos passos quando nos aproximávamos. Colocávamos uma pequena palhinha de legumes no buraco e, quando eles entravam no seu abrigo recuando, fazíamos-lhes cócegas na parte da frente e os obrigávamos a sair, momento em que nós outros aproveitávamos para os capturar. Logo os colocávamos em pequenas gaiolas feitas de telas metálicas redes mosqueteiras e lhes atirávamos folhas de alface para que comessem e nos deliciassem com o seu canto.
 
Naquilo que foi a minha casa, há hoje dois blocos de apartamentos de quatro andares, e a rua de que vos falei que era de terra está agora asfaltada, e todos aqueles campos de trigo e cevada são hoje blocos de apartamentos com todos os serviços e comodidades que a vida moderna impõe.
 
Na parte traseira da minha casa havia garagens onde o meu pai guardava o seu caminhão, com a sua bancada de trabalho, ferramentas e demais utensílios para o seu trabalho de transportador. Noutra parte havia um galinheiro, com algumas dúzias de galinhas poedeiras, um pombal na parte superior e, do lado de fora da cerca de metal do galinheiro, tínhamos três gaiolas de coelhos.
Tudo isto estava ao meu cuidado, pois tinha entre as minhas obrigações à alimentação e a limpeza de todos estes animais.
 
Um dia os contarei muitas outras coisas sobre o decorrer de minha infância, muito feliz, mas sublinho que nós, crianças, tínhamos então muitas obrigações para ajudar nas atividades familiares, ademais de estudar.
 
Na parte do meu pátio que dava para a janela da cozinha e à qual se acedia através da porta do corredor central da casa, havia uma enorme amoreira que o meu avô Pedro tinha plantado e que produzia amoras brancas muito doces, à volta de cujo tronco grosso havia sido posta uma grande mesa de madeira, onde aos domingos de verão costumávamos comer os seis membros da nossa família.
 
Quando eu fazia alguma travessura de criança e irritava a minha querida mãe, ela corria atrás de mim, de chinelo na mão, eu subia em cima da mesa e, subindo pelo tronco e ramos da árvore, escapava à fúria da minha mãe.
Tínhamos também uma figueira com figos brancos pescoço de dama, deliciosos, duas videiras para fazer sombra, uma roseira com rosas vermelhas e plantas de sândalo e hortelã, em volta de todo pátio, numa orla de terra ajardinada, e nas paredes, colocados em suportes de ferro pintados de verde, pendiam vasos de gerânios, pelargônios, cravos, etc., contra o fundo branco da cal, deslumbrando o olhar, como se estivéssemos num belo pátio andaluz.
 
E todo o resto do pátio era pavimentado com cimento, que antes esteve empedrado com pedra de apiário, onde eu pequeno tropeçava e feria os joelhos demasiadas vezes.
Na década de 1950, aproximadamente em 1955, em pleno mês de julho, tivemos um dia verdadeiramente tórrido.
Então não se falava de alterações climáticas, mas os garanto que era tão quente como é agora, com a agravante de que não termos ar condicionado.
 
O nosso frigorífico era um poço de água, com cerca de 12 metros de profundidade, em cujas águas límpidas e frescas, por meio de um balde atado a uma corda, fazendo-a deslizar por meio de um gancho de ferro se baixava uma garrafa de vinho, outra de gazosa e uma terceira de água, uns tomates e um melão.
 
Tudo isto era introduzido na água do poço e, quando chegava a hora do almoço, trazíamo-lo para cima, e o conteúdo ficava bem fresco.
Esse poço tinha sido escavado pelo meu avô Pedro, muito antes de eu ter vindo a este mundo, e ele tinha-o revestido com tijolo.
 
No cimo, a borda do poço tinha cerca de um metro de altura de todo ele estava revestido de cimento e caleado. Por cima tinha um arco metálico e na metade deste tinha soldado um gancho no qual se pendurava a garrucha.
Duas dobradiças estavam presas à borda do meio-fio com parafusos grandes, que se ligavam a um alçapão de chapa metálica que se ligava à borda circular da sua borda oposta.
 
Desta forma, fechava-se a boca do poço e evitava-se qualquer acidente que pudesse acontecer a qualquer pessoa ou animal, e que pudesse cair ao fundo do poço, como aconteceu com uma perdiz vermelha, que eu mantinha solta no meu jardim, e que, assustada pelo meu irmão Javi, caiu depois de um curto voo no fundo do poço, e tivemos de a tirar com o balde, mas, como resultado dos golpes na cabeça quando caiu, ficou cega e em poucos dias morreu. Fiquei muito triste com a sua morte, porque tinha criado este animalzinho desde que era um pintainho e lhe tinha grande de carinho.
 
Ao lado da calçada do poço havia uma pia de pedra, que desaguava no esgoto, onde a minha mãe, uma vez cheia de água do poço, lavava a roupa, enquanto cantava as canções que ouvia cantar no rádio a Lola Flores, Juanita Reina, Marifé de Triana e outras celebridades da época.
 
As primeiras máquinas de lavar automáticas ainda não tinham chegado a Espanha.
Como já disse anteriormente, nessa tarde-noite o calor se fazia insuportável e o meu pai pensou que podíamos dormir no pátio, aonde à fresca das árvores a temperatura seria um pouco mais baixa.
Por isso, pôs uns tapetes no chão e, em cima deles, colocou um colchão com alguns lençóis e deitou-se nele.
Eu achei um pouco engraçado e perguntei-lhe se podia dormir com ele, e ele riu-se e disse que sim, e, eu dormi com ele.
Na metade da noite fomos acordados por uma tremenda tempestade com trovões e muita eletricidade.
De repente, começou a chover violentamente, obrigando-nos a recolher tudo e a correr para dentro de casa.
 
São coisas que acontecem na infância e que ficam profundamente gravadas na memória sem que se possa esquecê-las com o passar dos anos.
Passaram-se 69 anos e sigo recordando os gestos carinhosos de meu querido pai.

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