Autor/aPedro Rivera Jaro

Com mel se pegam moscas (e não com fel)

C

Pedro Rivera Jaro

Traduzido para o português por José Manuel Lusilla
 

Naquela manhã, apareceram por todo o bairro uma multidão de grafites. Portas de garagem, muros de edifícios e, em geral, qualquer pedaço de parede com cimento amanheceram com misturas artísticas de cores variadamente combinadas para obter composições luminosas, que os adornavam com grande acerto.

Por exemplo, em uma parede que ficava de frente para uns jardins, haviam pintado umas árvores que pareciam formar um pequeno parquinho vegetal.

Um segundo exemplo: em uma porta de garagem de uma comunidade de vizinhos, haviam pintado um precioso e reluzente automóvel vermelho, que parecia sair de dentro, com os faróis acesos.

Parece que vários vizinhos haviam observado, de suas janelas, grupos de adolescentes de uns 13 ou 14 anos, armados de sprays, pintando ao anoitecer, e esses vizinhos foram falar com o diretor da Escola Pública que ficava perto, porque pensavam que os jovens poderiam ser alunos dele.

O diretor os recebeu com um sorriso e, em seguida, pediu que o acompanhassem. Deu-lhes um passeio por todos os pátios traseiros do Colégio e lhes mostrou as paredes internas, que estavam igualmente cheias de grafites.

Ele havia tentado obrigar os alunos a parar de rabiscar as paredes, ameaçando-os com castigos se fossem pegos fazendo isso, mas tais ameaças não conseguiram nenhum resultado. Os garotos continuaram borrando tudo, às escondidas, com suas tintas.

Os vizinhos voltaram para suas casas, mais surpresos do que quando foram se queixar ao Colégio.

O Diretor, que estava preocupado com a situação, passou vários dias meditando e, no final, elaborou um plano de ação.

Reuniu os alunos no Salão de Atos e propôs organizar um Concurso de Pintura no qual poderiam participar voluntariamente, selecionando previamente os melhores artistas dentre todos os alunos. Eles teriam que formar 10 equipes de pintura e fariam seus grafites nas paredes internas dos pátios do Colégio.

Em primeiro lugar, deveriam pintar todas as paredes de branco, fazendo assim desaparecer todas as pinturas feitas anarquicamente por todo o Colégio. Em seguida, pintariam os temas selecionados pelas equipes, e uma vez terminados, seriam julgados e avaliados por todos os alunos. Eles seriam classificados do primeiro ao décimo, e receberiam os correspondentes diplomas, em função das pontuações obtidas por cada um deles.

O resultado foi um sucesso esmagador, e não se viram mais grafites pelo bairro. Os artistas se sentiram valorizados por obra e graça de um diretor que utilizou sua hierarquia e seu intelecto para demonstrar mais uma vez que as moscas se caçam com mel, e não com fel. Onde a ameaça não funcionou, a inteligência triunfou.

Uma cesta de cornos

U

Pedro Rivera Jaro

Traduzido ao português por Silvia C.S.P. Martinson

Nos anos 60, em Espanha, o amor à tauromaquia era muito mais acentuado do que atualmente. O crescimento dos adeptos contra touradas têm aumentado em detrimento dos adeptos das touradas, ao contrário dos adeptos do futebol, que foi crescendo cada vez mais até que atingiu o atual volume de seguidores a nível mundial.

Recordo-me quando, em criança, falava com Don Antonio, marido de Dona Luchi, que era engenheiro, um homem culto e que defendia a festa nacional, em ultraje ao futebol, argumentando que esta era espanhola, enquanto o futebol tinha sido inventado pelos ingleses.

Havia grandes mestres de toureio, e entre eles destacava-se um par de matadores que polarizavam os adeptos, tal como hoje acontece com as grandes equipas de futebol, onde um par está sempre em disputa pelo primeiro lugar.

Um dos matadores distinguiu-se por um estilo de toureio apressado, com movimentos acelerados e voltas bruscas em frente à cara do touro, foi gravemente ferido nas suas touradas porque arriscava o seu corpo ao aproximar-se demasiado do touro, ao ponto de, no final da tourada, o seu traje estar manchado de vermelho pelo sangue do touro. Os jovens preferiam o seu estilo de toureio às formas mais clássicas de toureio

Outro destes distinguia-se por um estilo de toureio muito mais clássico, sempre firme e sem perder a compostura, o que agradava muito mais aos aficionados mais velhos.
Não vou tomar partido por nenhum deles, porque gostei de ambos os toureiros no desenvolvimento do seu toureio, um pela sua seriedade e o outro pela sua alegria.

O fato é que houve algumas desavenças entre ambos por causa do tamanho dos touros e dos seus chifres e da proximidade dos toureiros à ponta dos chifres na realização das touradas.

Conta-se que um deles, que tinha sido casado com uma bela senhora de quem se tinha separado, aparentemente devido a alguns casos de infidelidade para com o seu casamento, enviou ao outro, como presente, um cesto cheio de cornos de touros bravos e enormes, gabando-se dos touros que costumava matar nas suas touradas, insinuando que os touros que o outro mestre matava eram touros com chifres pequenos, ao contrário dos que ele matava.

O outro mestre, em resposta, enviou-lhe uma cesta cheia de ovos, e dentro dela, um envelope com um bilhete escrito à mão por ele, onde se lia: “Cada um dá o que tem de sobra”.

Não mencionarei os nomes de nenhum dos dois toureiros, mas qualquer fã da época sabe quem eram eles e também sabe que o combate foi muito falado publicamente e celebrado nos anos 60.

NA MINHA CASA EU MANDO (Quando minha esposa não está)

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Pedro Rivera Jaro

Traduzido ao portugués por SIlvia Cristina Preissler

Conta a lenda de Rozas do Porto Real que Majadillas, que era uma aldeia adjacente a Cadalso de los Vidrios, foi abandonada no primeiro terço do século XIX porque as formigas a comeram. Seja verdade ou não, o que é certo é que estava situada em um lugar muito bonito, próximo ao ribeirão Tórtolas, e que do local se conservam de pé as ruínas de sua igreja de São Pedro. Além da igreja, neste pequeno povoado havia 22 casas e 1 taberna. A população era de 20 vizinhos que viviam dedicados à agricultura.

Continuamos contando, segundo a lenda, que à aldeia de Majadillas chegou um dia uma expedição enviada pela Irmandade Provincial de Pecuaristas, interessados em aumentar ali o número de cabeças de gado, que aparentemente tinha os pastos muito desaproveitados. Essa expedição levava vacas e cavalos para doar aos habitantes locais, e o critério que adotaram para distribuí-los baseava-se no fato de que aqueles lares onde a direção da casa era exercida pela mulher receberiam uma vaca leiteira, e nos lares em que o homem dirigia o lar, seria presenteado com um cavalo.

O resultado de toda a operação foi que em todas as casas a dona de casa mandava, exceto na casa de Juan, o Carvoeiro, que afirmou que em sua casa ele mandava. Em cada casa deu-se uma vaca, exceto na casa de Juan, o Carvoeiro, a quem deram um cavalo totalmente branco, que levou para sua casa puxado pela guia e o prendeu no anel de ferro que havia junto à porta de entrada de sua casa.

Quando sua esposa viu o cavalo branco em sua porta, perguntou a Juan sobre ele. Ele explicou que havia escolhido um cavalo porque assim poderia usá-lo para carregar os sacos de carvão vegetal que produzia. Sua esposa respondeu que o cavalo branco deveria ser trocado por outro que fosse negro, primeiro porque ela gostava mais daquela cor, e segundo, porque com o pó negro do carvão, sempre estaria sujo.

O carvoeiro voltou com o cavalo e disse ao responsável pela distribuição dos animais que ele deveria trocar por um cavalo negro, porque sua mulher gostava mais daquela cor. O responsável imediatamente disse ao seu assistente: “A ESTE, RECOLHA O CAVALO E DÊ-LHE UMA VACA, PORQUE EM SUA CASA MANDA SUA MULHER, POR MUITO QUE ELE DIGA QUE MANDA”.

NÃO POSSO VOLTAR ATRÁS

N

Pedro Rivera Jaro

Traduzido ao português por Sílvia C.S.P. Martinson

Eu tinha uma grande amiga
E ela também me tinha como amigo
Mas o que aconteceu para que eu a perdesse?
Com todo o valor que tinha sua amizade...
O que fiz de errado para perdê-la?
Não adianta eu querer mantê-la,
Nem adianta eu querer preservá-la.
Também tive um grande amor
E esse amor também me amava
Mas o que aconteceu para que eu o perdesse?
Com todo o valor que tinha esse grande amor...
O que fiz de errado para perdê-lo?
E de nada serve querer mantê-lo,
Nem adiantou nada eu tentar cuidar dele.
Se eu encontrasse meus erros do passado,
Se eu pudesse atrasar os dois relógios
Da amizade e do amor,
Voltaria àqueles momentos
Em que cometi minhas falhas
E desfaria meus erros cometidos,
Para que, uma vez corrigidos,
O tempo passasse até os dias de hoje
Sem perder nem o amor nem a amizade,
E assim continuasse aumentando minha alegria.

¡ Mundo Mundo!

¡

Pedro Rivera Jaro

Traduzido ao português por Sílvia C.S.P. Martinson

Havia uma família em Las Rozas del Puerto Real que tinha um cachorro chamado Mundo.

Naqueles dias haviam realizado a matança de porcos, criados durante o ano e cevados com castanhas e bolotas, tão saborosas e que existem em seus montes.

Foram elaborados chouriços e morcelas curados nas cordas e varas que se conservavam na cozinha e consumidos durante todo ano juntamente com presuntos, paletas, lombo de toucinho, cara e orelhas e lombos curtidos igualmente.

Se utilizava para curtir estas peças além do sal, pimenta de Vera, alhos das Pedroñeras e a erva chamada orégano que se cria nas ladeiras dos montes que tem uma qualidade extraordinária e serve para a conservação das carnes.

Aconteceu que uns dias depois o pai da família enfermou e morreu repentinamente.

Naquela época se costumava velar os mortos, pelos familiares e amigos em sua própria casa, durante vinte e quatro horas, até o dia seguinte quando se procedia enterrar o cadáver.

Mundo, o cachorro, levava todo dia sem comer por conta do esquecimento de sua dona. E estando esfomeado subiu em uma mesa e alcançou uma réstia de chouriços e os levou à boca cruzando a sala do velório onde a dona da casa dando gritos lastimosos começou a dizer: “Ah! Mundo, Mundo, como os estas levando! E dos melhores!”

O cômico destas frases está em que a mulher se referia aos embutidos que havia roubado o esfaimado animal e em troca os assistentes ao velório acreditavam que a mesma se referia às pessoas que iam falecendo no correr do tempo.

Um chão chamado Tenazas

U

Pedro Rivera Jaro

Traduzido ao português por Sílvia C.S.P. Martinson
 
A avó paterna de Estrella, minha esposa, se chamava Concepción.
 
Era filha mais velha do primeiro matrimonio do avô León , que posteriormente ficou viúvo. Veio este a casar-se em segundas núpcias com uma jovem chamada Leonor com quem teve muitos filhos.
 
O avô León estando viúvo costumava levar muitos convidados para comer em sua casa e cabia a Concepción, como filha mais velha, preparar comida ao pai e a seus convidados, o que já estava farta de fazê-lo.
 
E pensando que se fizesse mal os alimentos, os convidados deixariam de vir a sua casa e de dar-lhe trabalho. Então preparou umas batatas cozidas carregadas em pimentas que efetivamente o convidado não se atreveu a seguir comendo e tampouco voltou a sua casa.
As batatas as colocou para comer ao seu cachorro de nome
 
Tenazas, que cheio de fome se avançou ao recipiente, cheio, para comer. Dando a primeira bocada, o cão, soltou um grunhido queixoso e saiu correndo da casa e até hoje não voltou.
 
Conce, como a chamava-mos todos, era uma mulher cheia de vida e de maneiras graciosas.

O golpe das coroas

O

Pedro Rivera Jaro

Traduzido para o português por Sílvia C.S.P. Martinson

O voo para Londres estava marcado para o dia 7 de dezembro.

No dia 4, como tinha feito tantas vezes em seus anos de estudante, Alberto estava trabalhando, ajudando Diego a colocar placas de lambril nas paredes de uma sala, no térreo de uma casa no povoado de Entrevías, na zona chamada "dos Domingueiros". O nome se devia ao fato de que seus habitantes e atuais donos tinham recebido gratuitamente, do Ministério da Habitação, o terreno onde construíram suas casas, assim como os materiais de construção necessários. No entanto, a mão de obra foi fornecida pelos próprios futuros moradores, que trabalhavam na construção aos domingos, o único dia em que podiam descansar de seus empregos.

Entre eles havia pedreiros, carpinteiros, encanadores, eletricistas, pintores, serralheiros, etc., e combinaram de se ajudar mutuamente na construção de suas respectivas casas.

Já era meio-dia quando Diego disse a Alberto que era hora de almoçar. Eles foram a um bar próximo, onde serviam comida caseira, boa e barata.

Cerca de uma hora depois, já estavam de volta ao trabalho quando a esposa de Diego chegou com um recado para Alberto: ele precisava ir ao Hospital 1º de Outubro porque seu pai havia sido internado.

Foi um grande susto para Alberto, que sabia o quão forte era seu pai. De imediato, pensou que ele tinha sofrido um acidente com seu caminhão.

Ele foi até o hospital e, ao chegar, dirigiu-se à recepção para perguntar pelo pai. Disse que achava que ele tinha sofrido um acidente com seu veículo de trabalho, mas lá foi informado de que esse não era o motivo da internação. Encaminharam-no ao andar onde seu pai estava hospitalizado para que conversasse com o médico responsável, que lhe explicaria a situação.

De fato, o médico informou que seu pai havia sofrido um derrame cerebral devido a um aneurisma congênito que se rompeu em seu cérebro, provavelmente causado por algum esforço físico intenso no trabalho.

Dias depois, ao perguntar aos vizinhos do local onde ficava a garagem do caminhão de seu pai, Alberto descobriu que, naquela manhã, bem cedo, as baterias do caminhão haviam descarregado. Como não conseguiu ligá-lo com a chave de ignição, precisou empurrá-lo com a ajuda de uma barra de aço. Muito provavelmente, esse esforço fez com que uma pequena veia em seu cérebro se rompesse, causando uma hemorragia interna que resultou em morte cerebral repentina.

No dia seguinte, ele foi mantido vivo artificialmente com ventilação mecânica até que, finalmente, foi constatado um eletroencefalograma plano. Quando a família compreendeu que não havia mais esperança, autorizou a desconexão do respirador automático, e sua morte foi oficialmente declarada. Ele tinha apenas 51 anos.

A notícia foi rapidamente comunicada a familiares e amigos. Seu pai era um homem muito querido, e, por isso, o velório e o enterro foram bastante concorridos.

Naquela época, o hospital possuía salas no subsolo especialmente preparadas para o velório dos pacientes que faleciam ali.

No meio da dor, o marido de María, prima de Alberto, sugeriu a compra de flores para o enterro e se encarregou de arrecadar o dinheiro para as coroas. Ele encomendou seis coroas de rosas vermelhas da variedade Baccara, de caule longo, em uma floricultura que conhecia. Como era pleno inverno, as flores saíram caríssimas.

Após o enterro, realizado no dia 7, Alberto decidiu não pegar seu voo e permanecer em Madri para apoiar sua mãe naquele momento de grande perda.

Dias depois, ele se encontrou com seu amigo Felipe e a namorada dele. Quando a jovem soube da morte do pai de Alberto, lembrou-se de que seus amigos, os donos da floricultura Sakuskiya, na rua Juan Bravo, haviam enviado seis coroas de rosas vermelhas de Baccara para aquele hospital na mesma época. No entanto, o pagamento dessas flores nunca foi efetuado.

No fim, Alberto descobriu que essas coroas eram as mesmas que seu parente havia se oferecido para pagar, mas o dinheiro nunca chegou ao caixa da floricultura.

Imediatamente, ele organizou uma reunião com Fernando, o marido de María, na floricultura. Todos haviam suposto que ele tinha pago pelas flores, mas logo ficou claro que Fernando era um golpista habilidoso.

Alberto pagou a coroa que ele, seus irmãos e sua mãe haviam encomendado — a mesma que Fernando, "gentilmente", lhes havia "presenteado". As demais coroas, ao que tudo indica, nunca foram pagas, apesar das reiteradas promessas de Fernando de que o faria.

Há pessoas capazes de se aproveitar dos outros em qualquer circunstância, sem sequer pestanejar.

Fernando havia deixado uma gorjeta generosa para ganhar a confiança do atendente da floricultura e conseguir que lhe vendessem as flores fiadas, prometendo pagá-las em alguns dias. Mas ele nunca cumpriu sua palavra.

Por trás de sua aparência de homem bonito e elegante, escondia-se um estelionatário acostumado a enganar aqueles que confiavam nele.

JUSTIÇA PELAS PRÓPRIAS MÃOS

J

Pedro Rivera Jaro

Tradução para o português: Sílvia C.S. Preissler

Corria o ano de 1973.

Aquele homem havia trabalhado duro durante toda a sua vida, desde os cinco anos de idade, e, com o fruto do seu esforço, conseguiu comprar um terreno, que cercou devidamente e no qual instalou um grande portão para caminhões, com uma altura de três metros.
Alguns meses antes de falecer, fez algo a que sempre tinha resistido, mas que, devido às suas necessidades financeiras, não teve outra escolha: alugou aquele amplo terreno a um comerciante de veículos usados, que também era policial havia muitos anos. Devemos lembrar que, naquela época, a Espanha estava sob outro regime político, diferente do atual, em que os policiais tinham muito mais poder do que hoje.

Durante alguns meses, o proprietário recebeu o valor do aluguel, embora com certo atraso em relação às datas estipuladas no contrato com aquele policial.

Infelizmente, aquele homem sofreu um derrame cerebral que tirou sua vida em poucas horas, deixando sua família sem a principal fonte de renda que os sustentava até então. Como curiosidade, vale mencionar que, uma semana após seu falecimento, um comando da ETA executou em Madri um atentado com explosivos, resultando na morte do Presidente do Governo da Espanha,  Luis Carrero Blanco.

A viúva, portanto, precisava desesperadamente do dinheiro do aluguel, mas o policial parou de pagar o valor estipulado no contrato. Por esse motivo, a senhora teve uma conversa com ele, na qual ele argumentou que sua situação financeira estava complicada no momento, que havia comprado muitos veículos usados e estava sem fundos. Consequentemente, ele pagaria o aluguel quando pudesse.

A senhora respondeu que, nesse caso, ele deveria desocupar o terreno, para que ela pudesse alugá-lo a alguém que tivesse condições de pagar.

O policial respondeu que o terreno era dele e que continuaria sendo, quisesse ela ou não. Disse ainda que, para tirá-lo de lá, ela teria que gastar muito tempo e dinheiro com advogados e processos judiciais. Afirmou que era policial e que tinha muitas conexões nos tribunais.

Aquela senhora, muito abalada, contou tudo aos seus quatro filhos (três homens e uma mulher):
— O que podemos fazer, filhos? Não temos dinheiro para entrar em processos judiciais e, além disso, precisamos muito do dinheiro do aluguel. Pensem no que podemos fazer daqui para frente para resolver nossos problemas financeiros.

A filha trabalhava como secretária executiva. O filho mais velho havia concluído sua graduação naquele verão e completado seu período de estágio como oficial de complemento. Ele planejava ir trabalhar em um hotel em Londres para aprimorar seus conhecimentos da língua inglesa.

No entanto, após o falecimento do pai, sua mãe viúva pediu-lhe que não fosse para a Inglaterra, pois se sentia desamparada sem o marido. O filho mudou seus planos sem reclamar e permaneceu em Madri para apoiar a mãe.

Os outros dois filhos mais novos encontraram empregos e contribuíram com o sustento da família.

Quanto à questão do terreno, sem chamar atenção, os dois filhos mais velhos decidiram dar uma lição naquele policial abusador.
Naquela noite, por volta das 22 horas, os dois jovens, de 19 e 24 anos, escalaram o portão de caminhões do terreno e entraram, carregando martelos e facas.

Lá dentro, havia duas dúzias de automóveis — os melhores que aquele comerciante-policial tirano e ladrão possuía: Citroën Tiburón, Mercedes, Chevrolet, entre outros.

Um por um, eles quebraram faróis, lanternas e vidros. Cortaram os pneus, rasgaram os estofamentos dos bancos e encostos. Ao final, não restava um único veículo intacto.

Depois de concluírem o trabalho, pularam novamente o portão e voltaram para casa.
Três dias depois, o policial ligou para a viúva e marcou um encontro com ela para pagar sua dívida e desocupar o terreno onde guardava seus melhores veículos.

E assim aconteceu. Não precisaram contratar advogados nem se envolver em processos judiciais.

Ele deve ter percebido que, às vezes, a justiça chega por caminhos inesperados e surpreendentes.

Onde estão as chaves?

O

Pedro Rivera Jaro

Tradução para português Sílvia C.S. Preissler

Naquela manhã, o agente da polícia municipal estava dirigindo o trânsito na Rotunda de Embaixadores, quando chegou um carro muito luxuoso, conduzido por um senhor que ignorou as placas de proibição de estacionamento e estacionou bem em frente a uma cabine da Empresa Municipal de Transportes. Dentro dela, um funcionário da empresa estava de plantão para supervisionar seu pessoal.

O homem saiu do carro e entrou em um bar próximo, chamado El Portillo de Embajadores, nome dado em homenagem ao Portão da terceira muralha de Madri, ou Cerca de Felipe IV, por onde os embaixadores estrangeiros entravam na Corte de Madri para apresentar suas credenciais ao monarca da Espanha.

Passados quinze minutos, o policial se aproximou do veículo com a intenção de aplicar uma multa pela infração cometida pelo motorista. Ao chegar, percebeu que o carro estava aberto e as chaves ainda estavam na ignição.

O agente pegou as chaves e as guardou no bolso da calça. Depois, voltou ao centro da rotunda para continuar dirigindo o trânsito.

Passaram-se mais cinco minutos, e então o dono do carro saiu do bar e se dirigiu ao veículo. Abriu a porta e, de repente, notou que as chaves não estavam no lugar. Pensou que talvez estivessem em um de seus bolsos e começou a tateá-los, um por um, sem sucesso.

Diante do fracasso da busca, começou a procurar dentro do carro, entre os assentos e debaixo deles. O resultado foi exatamente o mesmo: NADA!

Em seguida, procurou ao redor do carro e debaixo dele. NADA! Mais uma vez, não obteve sucesso.

Voltou ao bar para perguntar se, por acaso, as teria esquecido lá. Mas também não estavam ali, e ninguém as havia visto em nenhum lugar.

Enquanto isso, o policial de trânsito, que observava tudo do ponto onde dirigia a circulação, aproximou-se do carro com seu bloco de multas e uma caneta na mão. Tirou as chaves do bolso e as colocou debaixo do carro, a uma distância de aproximadamente um palmo do chão.

Em seguida, dirigiu-se ao motorista e informou-o de sua intenção de multá-lo.

O homem respondeu que havia parado apenas por um minuto para dar um recado urgente a outra pessoa que o esperava no bar, mas que, ao sair, não encontrava as chaves.

Na realidade, desde que ele chegou e estacionou, já haviam se passado cerca de trinta minutos. No entanto, o policial percebeu que o homem estava muito preocupado e perguntou se ele havia procurado as chaves com atenção.

— Sim —respondeu o motorista—. Procurei por toda parte, mas não sei o que fiz com elas, nem onde as deixei.

O policial então se abaixou e disse:

— Aí estão as chaves.

Isso causou uma grande alegria no motorista, que expressou sua gratidão ao agente.

— O senhor sabe que não pode estacionar aqui e eu deveria multá-lo por não respeitar a proibição —disse o policial. Mas, se me der sua palavra de honra de que não voltará a fazer isso e levando em consideração o susto que passou, eu perdoo a infração.

O motorista deu sua palavra, e sei que cumpriu com ela durante todo o tempo em que o agente continuou prestando serviço de vigilância e controle do trânsito na Rotunda de Embaixadores.

Pessoalmente, acredito que o objetivo de corrigir foi melhor alcançado da forma como se fez neste caso do que se apenas tivesse sido aplicada uma multa ao infrator.

Un pardal quase humano

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Pedro Rivera Jaro

Traduzido para o português por Silvia Cristina Preysler.

No que conhecemos como o Corredor Verde, que era uma antiga linha de trem, existem uma série de lojas que minha esposa e eu frequentamos habitualmente para as compras diárias de alimentos. Uma delas se chama Montepinos.
 
Em um de seus dois estabelecimentos, montepinos possui um mercadinho, onde há uma peixaria, uma tabacaria, um açougue e uma quitanda.
 
No outro local, situado bem em frente, atravessando a rua, há uma cafeteria que, em parte, abriga um forno de padaria, com sua seção de pães e confeitaria.
 
Outro dia, fui à padaria comprar pão, a pedido da minha esposa e, ao abrir a porta de vidro, observei como por cima do meu ombro, entrou voando uma fêmea de pardal e pousou à minha frente, sobre a borda de uma prateleira.
 
Distingo entre fêmea e macho porque o macho carrega em suas penas o que chamamos de gravata, que é uma mancha escura na garganta e no peito; a fêmea não tem essa marca, sendo totalmente cinza, assim como no restante de suas penas.
 
Aquele animalzinho desceu ao chão e bicava migalhas de pão e restos de comida que, suponho, caíam dos lanches dos clientes da cafeteria. Tentei me aproximar dela, mas, com curtos voos e pulinhos, não me deixou.
Comprei meu pão e me aproximei da caixa, que me conhece e se chama Eva, e comentei sobre o ocorrido. Ela me respondeu que já havia notado o pássaro e que ele vinha entrando desde a época da pandemia, quando estivemos confinados em nossas casas. Sem encontrar comida na rua, o pardal entrava para buscar dentro do local. Mas o que mais chamou minha atenção foi o que Eva me contou: que, quando o passarinho tinha filhotes, entrava com eles para buscar alimento para dar-lhes de comer. Também me disse que, se conseguisse pegá-lo, o colocaria no forno, porque, logicamente, ele suja tudo com seus dejetos.
 
Pensemos que ela é responsável por limpar o local. Porém, o animalzinho é suficientemente esperto para não deixar ninguém colocá-lo nas mãos.
 
Quando terminou sua busca por alimento, esperou que alguém abrisse novamente a porta e saiu para a rua. Em minha modesta opinião, acredito que um animalzinho que demonstra tamanha inteligência para sobreviver às dificuldades da vida, mesmo não sendo humano, merece admiração e respeito.

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