A revolucão

A

Silvia C.S.P. Martinson

Isto se passou em 1964.
 
Havia em Porto Alegre então um cinema que se chamava Imperial. Bom cinema aquele. Era o mais luxuoso da capital. Ali vimos muitos filmes que ficaram em nossas lembranças e até hoje são famosos tanto por suas histórias ali contadas como por seus diretores e atores que neles atuaram. Sempre que íamos às aulas de piano de minha irmã por ali passávamos.
 
A época como todo jovem inexperiente, idealista e confiante nas teorias políticas e nos políticos, eu era aficionada das ideias socialistas, daquelas que pregam igualdade entre os homens, bem estar e educação à toda população.
 
Havia então uma grande manifestação no centro de Porto Alegre a favor do presidente da república, que, diga-se de passagem, era um homem rico, dono de fazendas de gado, e outras propriedades, chamado João Goulart.
Esta manifestação visava dar-lhe apoio para que se mantivesse no poder, uma vez que os militares o queriam destituir. O que finalmente veio a ocorrer.
 
Ignorávamos, no entanto, que apesar de o povo estar lhe apoiando nesta manifestação, o mesmo já havia fugido do país e se exilado em uma de suas fazendas no vizinho Uruguai.
 
Naquela tarde retornávamos da aula de piano em pleno centro da cidade, mais precisamente na “rua da Praia” comumente chamada assim a rua dos Andradas, quando em frente ao cinema Imperial formos surpreendidas pela tal manifestação popular.
 
As pessoas portavam cartazes, bandeiras e se manifestavam pelos megafones então existentes. Ali paramos e ficamos extasiadas observando tudo, na maior inocência e sem nos darmos conta do perigo que corriámos.
 
Tudo aconteceu muito rapidamente. Surgiram então militares montados em cavalos que à força de baionetas e outros aparatos, dispersavam a população, impulsionados por seus animais que iam a galope.
 
Minha irmã e eu , quando um desses militares vinha em grande velocidade em nossa direção, fomos agarradas pelos braços e puxadas para dentro de um prédio ao lado do cinema.
Desses braços fortes que nos salvaram até hoje me lembro.
 
Eram de um senhor de cuja fisionomia não me recordo face ao terror que nos assaltou naquele momento. Ele nos puxou para dentro do edifício e imediatamente trancou a porta da entrada e nos disse que ali permanecêssemos até que as coisas se acalmassem.
 
Ouvíamos os gritos na rua e pelas vidraças da porta, que eram grossas, viamos as pessoas correndo em várias direções, sendo pisoteadas pelos cavalos ou sendo presas.
 
Permanecemos naquele prédio, todos em absoluto silêncio, até que a noite chegou e com ela os distúrbios cessaram.
Saímos dali com todo cuidado e nos dirigimos ao ônibus que nos levaria à nossa casa.
 
Naquela época não existiam celulares e não tínhamos como nos comunicar com nossos pais.
 
Quando chegamos à casa minha mãe e meu pai nos abraçaram e choraram muito de alegria, porque estávamos enfim a salvo, haja vista que tomaram conhecimento do que se passara através das noticias dadas pelas rádios locais.
 
Meu pai nos deixou presas em casa por vários dias, inclusive sem ir à escola, por algum tempo, porque os distúrbios ainda se davam com frequência e havia muito perigo nas ruas.
Agradeço aquele homem, mentalmente, até hoje por haver-nos salvo a vida.
 
Éramos duas crianças a mercê de contendores que não mediam forças para impor aos demais suas filosofias políticas que, ao fim e ao cabo, até hoje, perduram sem que o povo veja realmente os benefícios que ambas propugnam.
 
A luta pelo poder ainda hoje continua e os políticos continuam a prometerem o que na verdade não costumam cumprir, usando de falácias, tudo em nome do povo.

Sobre el autor/a

Silvia Cristina Preissler Martinson

Nasceu em Porto Alegre, é advogada e reside atualmente no El Campello (Alicante, Espanha). Já publicou suas poesias em coletâneas: VOZES DO PARTENON LITERÁRIO lV (Editora Revolução Cultural Porto Alegre, 2012), publicação oficial da Sociedade Partenon Literário, associação a que pertence, em ESCRITOS IV, publicação oficial da Academia de Letras de Porto Alegre em parceria com o Clube Literário Jardim Ipiranga (coletânea) que reúne diversos autores; Escritos IV ( Edicões Caravela Porto Alegre, 2011); Escritos 5 (Editora IPSDP, 2013) y en español Versos en el Aire (Editora Diversidad Literaria, 2022)
Participou de concursos nacionais de contos, bem como do GRUPO DE ARTISTAS E ESCRITORES DO GUARUJA — SP, onde teve seus poemas publicados na coletânea ARAUTOS DO ATLANTICO em encontros Culturais do Guarujá.

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