Vigilância e Controle

V

Terezinha Helenelli Lucero de Carli

 

João Pedro é um jovem cheio de sonhos, sempre quis se formar em Ciência da Computação. Ele desenvolvia jogos para grandes empresas e também trabalhava para o governo. João Pedro adorava tecnologia e não saía de casa sem antes conferir no aplicativo o horário em que o ônibus passaria em sua parada. Isso facilitava a vida dele e das pessoas que usavam o transporte coletivo. Existiam também aplicativos onde era possível também realizar o pagamento de contas, adquirir passagens, fazer reservas e executar outras tarefas do dia a dia de forma prática e eficiente.

Ele vivia em um mundo online e, às vezes, quando saía com os amigos, ele comentava sobre o trabalho e que tinha se dado conta de que tudo estava digitalizado. Um de seus amigos, o Victor, disse que realmente a tecnologia estava avançando em todos os setores. Tinha o lado bom e o ruim. Ele também sentia um desconforto. Até mesmo andar na rua ou ficar na frente de casa, sem ser vigiado, era uma liberdade que ele não tinha.

João Pedro disse que o governo controlava a população em todos os sentidos — não apenas em sua cidade ou em seu país, mas no mundo inteiro. Toda a população mundial era monitorada onde houvesse tecnologia. Com a introdução de sensores inteligentes, é possível monitorar quase tudo. O controle urbano contribui para uma cidade mais eficiente e sustentável. Isso inclui o tráfego, a poluição e a ocupação de espaços públicos. A tecnologia também otimiza o funcionamento de elevadores em prédios comerciais e residenciais, por exemplo.

Para João Pedro, no entanto, toda essa tecnologia era preocupante, pois os cidadãos não tinham mais privacidade. Ele estava sufocado, não se sentia mais seguro na cidade onde vivia.

Enquanto isso, os idosos enfrentavam dificuldades de comunicação. Muitos não conseguiam utilizar o parquímetro para estacionar e os que conseguiam, levavam minutos. Isso se repetia em vários estabelecimentos. Dona Setembrina, por exemplo, havia perdido o marido, Justino, em um acidente de carro. A tragédia a mergulhou em uma profunda depressão, e ela perdeu o gosto pela vida. Passou muito tempo reclusa em casa, enquanto o mundo evoluía rapidamente.

Certo dia, começou a faltar mantimentos em casa. Então, ela decidiu ir ao supermercado onde costumava fazer compras com o marido. Calçou os sapatos e saiu, a passos lentos e com o rosto cabisbaixo. Ao chegar, viu que o local havia sido todo modificado. Havia uma placa logo na entrada com a mensagem: "Para entrar, sorria." Ela entrou em pânico — desde que perdera Justino, não sabia mais o que era sorrir. Não conseguiu passar pela catraca. Voltou para casa resmungando.

No caminho, João Pedro a encontrou e a cumprimentou:

- Tudo bem com a senhora?

- Nada bem… não consegui fazer minhas compras. Tudo é digitalizado… olha se estou com ânimo para sorrir!

João Pedro era vizinho de dona Setembrina e sabia da sua situação.

- Pode deixar que eu faço as compras para a senhora. É só me dar a lista.

Ela aceitou e ficou agradecida.

João Pedro então se lembrou de um professor que vivia estressado com o trabalho. Um dia, o professor contou que estava atrasado para uma reunião. O sinal de trânsito demorava a abrir. Sem perceber, ele apertava insistentemente o controle remoto do portão da escola achando que poderia abrir o sinal de trânsito. Só quando chegou na escola e usou o controle, viu o que tinha feito. Casos como esse aconteciam todos os dias nesse mundo digitalizado. Alguns se adaptavam à tecnologia, outros nem tanto.

Certo dia, João Pedro enxergou que o mundo estava sendo observado pela vigilância e o controle. Tentou alertar a família e os amigos mais próximos, mas não teve êxito — achavam-no paranoico. Um dia, em seu apartamento, comentou para si mesmo que odiava aquela vida.

De repente, seu celular vibrou:

- Desculpe, João Pedro, em que posso ajudá-lo? Perguntou uma voz robótica.

João Pedro levou um susto:

- Quem é você?

- Sou o assistente virtual do seu celular. Estou aqui para ajudá-lo.

Ele se sentiu desconfortável:

- Não preciso de ajuda, disse.

Nesse momento, a Alexa da sala também se ativou:

- Posso ajudar em algo, João Pedro?

- Não, não preciso de ajuda. Repetiu, agora, mais tenso.

Mesmo assim, a Alexa insistiu:

Você mencionou que odeia essa vida. Posso sugerir algumas opções de ajuda?

João Pedro se sentiu invadido. Ele percebeu que tanto o celular quanto a assistente virtual estavam ouvindo suas conversas, mesmo quando não os estava usando ativamente. Desligou os aparelhos imediatamente. Começou a se questionar se havia outras formas de vigilância em sua vida.

Então, passou a investigar uma empresa que havia enviado uma mensagem oferecendo serviços de segurança e monitoramento de dados. A proposta era ajudá-lo a proteger sua privacidade online. No entanto, ele ficou intrigado: como eles sabiam que ele estava preocupado com sua privacidade?

Ao investigar mais a fundo, descobriu que a empresa trabalhava em parceria com o governo para monitorar as atividades dos cidadãos.

Decidido, João Pedro optou por fugir e recomeçar sua vida em um lugar sem acesso à tecnologia. Ele retirou suas economias do banco, fechou todas as contas, arrumou a mochila, colocou-a no carro e partiu ao encontro de um senhor que disse ter uma casa para alugar.

Ao chegar, explicou brevemente sua situação e disse que não queria ser encontrado por ninguém. O senhor mencionou uma casa abandonada que pertencia a um conhecido no meio do mato. João Pedro aceitou. Caminhou por entre arbustos, sentindo o sol no rosto e o vento nos cabelos. Parou à beira do rio, olhou a água correndo e jogou o celular dentro, vendo-o afundar lentamente. Sentiu um aperto no peito e, ao mesmo tempo, um alívio.

Seguiu em frente até chegar ao casebre. Ele estava deteriorado, mas João Pedro decidiu reconstruí-lo. Pensou em instalar energia solar e começou a se conectar com a natureza.

Ao entardecer, os trabalhadores locais se reuniam em um bar para conversar sobre plantação, colheita e outros assuntos banais. O que levaria um jovem da cidade a morar no meio do mato? Será que ele era um fugitivo da polícia? Ele era diferente dos moradores locais que nasceram e trabalhavam na região.

Aos poucos, ele fez contato com os moradores locais, que no início desconfiaram do jovem da cidade. Com o tempo, ele aprendeu com eles sobre a vida no campo, a agricultura e a criação de animais. Dia após dia, foi se familiarizando com o manejo da terra para a plantação e comprou sementes e mudas de hortaliças para dar início à sua nova empreitada. 

Ainda assim, João Pedro pensava frequentemente, no que havia deixado para trás. Perguntava-se se estava apenas se iludindo. Ele descobriu que não era o único a ter fugido da vigilância.

Ficou surpreso ao saber, pelos moradores, que o controle também estava presente no campo, mapeando a área de cada proprietário. Por enquanto, segundo eles, estavam seguros, mas ninguém sabia por quanto tempo. Tudo era visto por satélites.  Durante o dia, João Pedro trabalhava nas terras que ocupava, e à noite saía para fazer compras; receava estar sendo monitorado. Ele pensou em se conectar com a família através do senhor onde havia deixado seu veículo, mas isso era mais à frente. Ele ficou preocupado quando viu um drone sobrevoando o povoado, mas também se sentiu aliviado, pois estava bem distante de sua moradia. João Pedro sabia muito bem como a privacidade é importante e que os cidadãos devem estar no controle de seus dados. A falta de privacidade pode levar a doenças mentais. Enquanto João Pedro lutava por liberdade, seu amigo Victor - um habilidoso hacker conhecido apenas como “Pool” - vasculhava o submundo digital em busca de seu paradeiro. Agora, era ele quem controlava a cidade.

Numa noite sossegada, João Pedro caminhava sob o céu claro. Parou por um momento, fitou as estrelas e, em pensamento, questionou-se:

- Será que fiz a coisa certa?

 

 

Sobre el autor/a

TEREZINHA HELENELI LUCERO DE CARL

Graduada em Licenciatura Plena em Letras – Português e Literatura da Língua Portuguesa – pela Faculdade Porto-Alegrense de Educação, Ciências e Letras (FAPA), em 1993, e em Licenciatura Plena em Letras – Espanhol – pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em 1998, pós-graduada em Tradução de Espanhol – Português e Português- Espanhol, em 2009, na Universidade Gama Filho (UGF).

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