Silvia C.S.P. Martinson
Ela estava sentada em uma cadeira de balanço e pensava em escrever e contar uma história a seus netos.
Cogitou começá-la assim: “era uma vez”...
Pegou sua caneta e um caderno onde costumava anotar seus pensamentos e começou a escrever.
Antes, porém pensou:
- Será que eles vão gostar?
Sacudiu a cabeça levemente, onde os cabelos brancos de há muito se faziam notar e um pensamento cruzou rapidamente seu cérebro como se fora um raio em dia chuvoso e lhe ocorreu:
- O que importa! O que vale é contar-lhes...
Então começou a escrever.
...Era uma vez, em uma terra distante... Nela existia um homem a que todos temiam e que não sabiam bem o por que de assim fazê-lo.
Ele era alto, loiro e forte. Vivia em uma casa simples a beira de uma estrada que se dirigia a um antigo povoado de trabalhadores rurais.
Ali já viviam poucas pessoas uma vez que as máquinas substituíram pouco a pouco o trabalho braçal e os mais jovens migraram para outras cidades onde aprenderam novas profissões e lá se estabeleceram.
Este homem, de meia idade, no entanto, ali permaneceu na casa onde havia nascido, se criado e constituído sua família.
Tinha por hábito ler muito, o que fazia amiúde, sempre que podia comprar um livro quando ia à cidade adquirir víveres ou ração para os animais que criava.
Não ia nunca à igreja local. Talvez por isso o temessem, considerando-o um herege e quem sabe até chegado aos anjos maus.
As pestes locais nunca abalaram sua casa, suas plantações ou sua criação.
Seus campos eram férteis e seus animais gozavam de bom aspecto e eram saudáveis.
Não dependia de ajuda braçal a suas lides campeiras haja vista ser extraordinariamente forte.
De sua família, mulher e filhos, contavam no povoado; que o haviam abandonado e nunca mais foram vistos.
No entanto, esta não era a verdadeira história.
A ignorância e as más línguas do povo, de ali, criaram, ao alvedrio da verdade, as mais diversas histórias, de conformidade com suas mentes distorcidas e falazes.
Uns diziam que ele matara a mulher e os filhos e os enterrara em seus campos e por isso ali a terra era tão fértil.
Outros diziam que os familiares se afogaram em um lago de água muito azul que havia nas terras dele e que nas noites, quando a lua estava cheia a se refletir, ouviam-se as vozes da mulher e dos filhos a chorar e que os mesmos, em sombras luminescentes, por ali perambulavam.
Alguns ainda sugeriram, estes mais condescendentes, que a mulher face à brutalidade dele, o abandonara fugindo com os filhos enquanto ele arava o campo.
Quanta imaginação, quanta maldade!
Na realidade a história era bem outra.
Este homem que gostava tanto de ler fora educado fora deste povoado e ali só e voltara quando adulto para cuidar de seus pais que já estavam velhinhos e não podiam mais cuidar de sua casa e de suas terras. Ali morreram e foram sepultados no cemitério da cidade vizinha, onde ele costumava comprar os livros.
De sua família ele tinha notícias sempre, porque recebia cartas dos mesmos que lhe contavam de seus progressos nos estudos, de sua vida junto a sua mãe e como estavam bem acomodados e gozavam de ótima saúde todos eles.
E isso tudo se devia a ele que abriu mão de tê-los junto a si – em um povoado de pessoas praticamente analfabetas – para enviá-los a sua casa na capital, onde poderiam usufruir de conforto e de uma boa educação.
E era para lá que se dirigia quando por alguns dias desaparecia do povoado, não sem antes deixar plenamente racionados e com água seus animais de criação.
Sempre voltava feliz e intimamente sorria ao ver os olhares desconfiados e maldosos que lhe eram dirigidos, inclusive pelo pároco local, que se diga de passagem, era um velho rabugento que ali fora esquecido pela Igreja, sem nunca ter sido reconhecido ou elevado a uma paróquia maior e mais moderna.
E assim escrevendo para seus netos a vovó foi encontrada sentada em sua cadeira de balanço, quando os mesmos chegaram da capital para visita-la, a cabeça branca recostada no espaldar, o braço caído sobre as pernas, a caneta e o caderno ao solo, completamente adormecida, não os ouviu dizerem:
- Olá vovó!