Alvaro de Almeida Leão
Dos doze comerciantes de uma galeria comercial, num bairro da cidade, só o Arnaldo - 63 anos bem vividos, boa saúde, abnegado trabalhador, família bem estruturada, esposa, filhos e netos - não vai bem de negócios, por mais que se esforce.
Logo após sua aposentadoria como industrial calçadista de médio porte, Arnaldo inaugurou seu tão sonhado escritório de representações com sede própria. Adivinhe quantos negócios, em três meses, Arnaldo conseguiu fechar, num parâmetro de até vinte.
Pensou? Já tem sua resposta? Sim? Pois acho que errou. Outra chance. Tem um novo palpite? Sim? Qual? Desculpe, acho que ainda não acertou. Última oportunidade. Quantos? Ainda suponho errado.
Então, só resta dizer quantos. Posso fazê-lo? Então declaro, para os devidos fins, que o Arnaldo, em três meses de trabalho, não realizou um único negócio.
Sendo assim, de que vive o Arnaldo?
De cinco apartamentos, três casas, quatro lojas num shopping center e nove vagas de garagens, todos relativamente bem alugados.
Duas aposentadorias: a do regime geral de previdência social e outra por anterior contrato de adesão particular. Aplicações em espécie em carteiras de investimentos bancários e ações em empresas de sociedades anônimas.
Daí, com esse perfil, é natural supor-se: proprietário de imóveis de uso habitual ou ocasional na cidade, serra e mar.
Bem financeiramente, porém não realizado por sua firma não deslanchar. Arnaldo sabia das dificuldades iniciais quando fundou a sua atual empresa por não ter um produto que servisse de carro-chefe nas vendas. Porém, num futuro próximo, tem certeza de que irá reverter tal situação, está fechando um contrato de representação com exclusividade para todo o estado, de um produto inédito, de uso essencial e com ampla divulgação em toda a mídia.
Cada colega comerciante nutre pelo Arnaldo sentimento de tristeza e orgulho. Tristeza por ele não efetivar os negócios que tanto almeja e orgulho por seu apurado senso de responsabilidade.
Alguns comerciantes, mais íntimos, sentem-se à vontade para tirar sarro, no bom sentido, com todo respeito, quanto ao comércio do Arnaldo, através de questionamentos: sobre negócios versus lucratividades, como atender sozinho tantos clientes, quando abrirá uma filial, notícias sobre as futuras merecida férias, entre outros do gênero.
Ao Arnaldo, não lhe falta tenacidade na dedicação do dever. Admirador da pontualidade britânica cumpre religiosamente seu horário de trabalho, embora sua clientela teime em não se apresentar.
Numa tarde, ao sentir uma forte dor de cabeça, Arnaldo decide por algo que jamais fizera: ausentar-se do trabalho, em horário comercial. Porém era preciso comprar um remédio na farmácia bem próxima. Zeloso, por natureza, elabora um cartaz no computador e afixa na porta da sua loja com os seguintes dizeres:
DESCULPEM A AUSÊNCIA,
VOLTO EM CINCO MINUTOS
Arnaldo capricha em cumprir o que prometera. Um minuto antes de esgotar o tempo, volta e depara-se com o cartaz agora ostentando anotações escritas, através de canetas ou esferográficas, tendo por autores parte de seus colegas empresários, em letras de fôrma ou de imprensa. Agora lê-se:
DESCULPEM A AUSÊNCIA,
VOLTO EM CINCO MINUTOS
Pra quê? Não estás cansado por hoje? – Eu não voltaria. – Sem essa de pressa, não irás fazer nada mesmo. – E as férias já estão programadas? A vida não é só trabalho. – Dois clientes estiveram aqui. Voltarão amanhã, como sem falta. – Logo que saíste o telefone não parou de tocar – Ausentar-se não foi uma boa. Foi fatal.
Ao ler o texto modificado, Arnaldo um tanto quanto contrariado, é consolado pelos colegas comerciantes, que afirmam ser apenas uma brincadeira, que ele não levasse a mal. Naquele resto de tarde, tapinhas nas costas e sinceras palavras de incentivo: vai fundo, és exemplo para todos nós, parabéns pela perseverança.
Sempre firme na batalha, um mês depois o futuro próximo do Arnaldo chegou. E nem precisava ser na medida do exagero (muito bem-vindo) com que pede passagem.
Contrato firmado, as excelentes vendas do novo produto fizeram com que surgissem solicitações de indústrias consagradas no sentido de que Arnaldo as representasse. A clientela atual também é teimosa: teima em não parar de crescer.
Com o progresso, surge o dilema de onde o cliente estacionar o carro, (a galeria não dispõe de garagens). A solução foi Arnaldo adquirir o excelente terreno - 40m x 120m - na esquina da quadra de sua empresa (importante nessa hora uma reserva financeira) e transformá-lo num amplo estacionamento. Eta terrenão bom, para, quem sabe, um futuro prédio em que se constituirá o novo endereço do Arnaldo.
O tempo de progredir, jamais perde a validade. – Mas, bah. Que bonito! Alguém já disse isso? Se não, disse-o agora.
A sala própria da empresa do Arnaldo, de boa dimensão se adequou à necessidade da contratação de quatro funcionários. A empresa cresce a cada dia. O fluxo de clientes circulando na galeria comercial aumentou em cem por cento, resultando num maior faturamento de todos os demais comerciantes que, por isso, estão rindo à toa.
Todo esse sucesso repercute não só entre os comerciantes da galeria comercial, mas, por extensão, para o bairro como um todo. A dedicação do Arnaldo foi merecidamente recompensada.
No Natal, todos os comerciantes da galeria e seus familiares estão reunidos para comemorarem a magna data com o Arnaldo, num clube especialmente aberto para o festivo evento. Arnaldo é, a todo instante acarinhado por seus dedicados familiares, amigos e clientes. Comes e bebes dos mais apetitosos. Alegria geral e irrestrita.
Em dado momento, os onze colegas comerciantes anunciam que irão brindar com champanhe, conceitos, previamente escolhidos, cujas primeiras letras de cada um deles, se concebidas juntinhas, (comprovem, por favor), propiciarão o surgimento de uma frase, com que pretendem homenagear o amigo Arnaldo.
Munidos de suas taças com o precioso líquido, erguem-nas e conclamam brindes:
Ao Amor, à Razão, à Natureza, à Ação, ao Labor, ao Dever, à Ordem.
à Ética, à Oferta.
à Coragem, à Amizade, à Remissão, ao Arrojo.
Resultando, com que todos os presentes, em uníssona voz, de pé, emocionados, brindam à saúde do querido e amado Arnaldo e de toda sua honrada família.