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Férias na vovó

F

SIlvia C.S.P. Martinson 

Quando éramos crianças do que mais gostávamos se passava no final do ano, depois do Natal, em pleno verão, era ir á casa de minha avó.

Meus pais tiravam alguns dias para descansar.
Ou íamos para uma casa que alugavam na Praia, ou saíamos para visitar minha avó paterna e meus tios e primos na cidade de Ijuí.
Ijuí se localiza no Estado do Rio Grande do Sul-Brasil e foi fundada por meus avós e outros imigrantes alemães que lá foram viver e criar suas famílias.

Creio que não foram os primeiros a chegar ali.
Quando criança esta cidade tinha seus costumes locais bem arraigados e tipicamente alemães. Desde os hábitos de comida como até o idioma falado correntemente era aquele.

Minha avó morreu aos 98 anos falando diariamente e somente seu idioma pátrio.
Normalmente os habitantes eram de religião evangélica, adeptos de Martín Lutero e nos cultos o pastor se expressava somente em alemão.

Meu pai falava e escrevia correntemente em alemão, até porque estudou como interno em uma escola onde se preparava para ser pastor. Por fim abandonou tudo e foi servir ao exército brasileiro em outra cidade do Estado, onde conheceu e se casou com minha mãe.

Soube por meu pai que houve muita perseguição, no pós-guerra, aos imigrantes alemães sob a suspeita de serem nazistas.
Meu pai nunca quis nos ensinar o idioma alemão, acredito, por puro medo, temia a perseguição que graçou no Brasil por muitos anos, infelizmente.

As férias tão ansiadas para ir à casa de minha avó - que, diga-se de passagem, era muito grande, cômoda, bonita de que se localizava em pleno centro da cidade – era uma verdadeira epopeia. Até chegar lá muita coisa se passava.

Saíamos pela manha bem cedinho na camioneta de papai, passávamos por várias cidades até tomar a estrada que nos levaria até Ijuí. Naquela época a estrada era de terra não havia asfalto ali.

A terra era vermelha e penetrava em tudo a poeira, pois que tínhamos que ir com as janelas abertas, era verão, fazia calor e não existia ar condicionado no carro. Somente os mais luxuosos possuíam ventilador.

Quando se aproximava outro veículo meus pais ordenavam que se fechassem as janelas a fim de que não penetrasse mais ainda a poeira.
Naquela região produzia-se muito trigo de outros cereais. Era lindo ver os trigais oscilando ao vento como as ondas do mar, todavia amarelas, quase douradas.

Meu tio casado com a irmã de meu pai era um dos diretores e proprietário de uma grande empresa de exportação de trigo.

Já a noitinha quando estávamos prestes a chegar, meu pai acorria a um posto de gasolina que havia na entrada da cidade para que nos lavássemos, em tonéis de agua que havia fora, os rostos e os braços a fim de que não chegássemos como índios peles vermelhas e também não só a pele como também os cabelos desgrenhados, na casa de vovó, que provavelmente não nos reconheceria após 12 ou 14 horas de viagem.

Vovó nos recebia sempre com muita alegria, a pesar de não entendermos uma palavra do que falava. Expressava-se somente em seu idioma pátrio.

O que mais gostávamos era do quarto que sempre nos reservava à minha irmã e a mim.
As camas eram altas e tinham um lastro como suporte de colchão que era de aço flexível, por sobre o qual era colocado um de crina de cavalo e plumas.

As cobertas também eram de plumas de ganzo e todos os dias tinham que ser sacudidas de tal forma que não ficassem tais plumas localizadas em um só lugar, deixando vazias as demais partes da mesma, consequentemente causando frio a quem as usasse.

Adorávamos aquelas camas altas e flexíveis porque éramos muito traquinas de o que mais fazíamos, para desespero de minha mãe e da avó, era saltar em cima delas a ponto de quase tocarmos o forro da casa que se localizava a uma altura considerável.

Minha mãe e minha avó, em conjunto, gritavam, quando nos pegavam na traquinagem, a plenos pulmões para que parássemos, caso contrario a palmada na bunda seria a solução.

Uma vez rompemos um travesseiro que também era de plumas. Estas voaram por todo o quarto indo parar na rua em frente pois que a janela estava aberta.

Meu pai que sempre foi bonachão se ria a mais não poder, enquanto minha mãe, sempre tão rigorosa, puxou da chinela para nos bater.
Até hoje me lembro da cena maravilhosa!
Ela está viva em minha memória.

Perigos da infancia

P

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson
Fotografía: Album familiar del autor Pedro Rivera Jaro

Não encontro explicação da maneira pela qual os meninos de minha geração (nascidos em 1950) havermos conseguido sobreviver ao ambiente em que nos criamos. Aos meninos de agora os mantemos em algodões para que estejam a salvo de qualquer perigo.

Nós outros jogávamos na rua todo o tempo que nos deixavam livres nossas obrigações, que para a maioria dos meninos eram unicamente o colégio e os deveres postos pelos professores. Em meu caso particular eu tinha deveres que me punham meu pai e minha mãe como eram: cuidar das galinhas, dos coelhos e das pombas, ou fazer os mandados de compras de alimentos para a casa. Também tinha que ir a fonte pública para colher água potável para cozinhar, esfregar e lavar.

Em troca a água de regar o pátio, o galinheiro e o jardim a tirava de um poço que havia escavado meu avô Pedro e que se encontrava em um lugar do pátio junto a pilha de roupas a lavar antes de chegar a casa a primeira lavadora Hoover-Hogel. Por último, todas as noites quando meu pai voltava do trabalho com seu caminhão, eu tinha que lavar os vidros da cabine, os faróis e os pilotos. Também limpava e lustrava os cromodados da frente do caminhão Studebaker. Aos sábados pela manhã tinha que varrer os pátios e a garagem.

Porém, não obstante todo o anterior, tínhamos tempo também para jogar. Desde quando recordo, jogávamos futebol em umas terras que existam bem perto da fonte pública sem cansar-nos nunca enquanto tivesse luz do dia. Jogamos primeiro com bolas feitas de trapos velhos atados. Logo juntamos dinheiro entre todos e compramos uma bolinha de borracha. Por último formamos uma equipe de meninos e aportávamos uma quota de uma peseta cada semana até que pudemos comprar uma bola; por fim uma bola.

Também jogávamos ao esconderijo, ao resgate, a dola, a pasimisi, ao bote bolero, ao para peão e outros muitos jogos sobre as ruas de terra, sem asfaltar, de nosso bairro.

A primeira vez que baixei ao rio Manzanares com meu amigo Tomasin para tentar colher rãs e peixes, sem conseguir, ao voltar para casa com os sapatos, pés e meias manchados de barro e lodo, meu pai me descobriu junto ao cubo de água que havia tirado do poço para lavar-me. E depois de dar-me umas palmadas, me castigou e proibiu terminantemente de baixar ao rio.

Como podeis compreender, ele o fazia para proteger-me evitar que pudesse afundar nos pântanos das margens do rio Manzanares e me afogar nelas. Eu naquela tinha como cinco anos.

Por suposto que, ainda ao risco de receber castigo, a mim encantava baixar ao rio com meus amigos, todos mais velhos que eu, a caçar lagartixas, lagartos e cobras que se criavam por ali, entre aqueles aterros de escombros. Também nas encostas daquelas pequenas montanhas fazíamos o que denominávamos escorredores e com madeira compensada ou caixas, lançávamos punhados de areia e deslizávamos sentados até o fundo da encosta.

Se ao chegar à casa manchado de terra estava nela minha mãe que embora me admoestasse não me batia. Porém se estava meu pai era diferente, porque com aquela mão cheia de calos de trabalhar, carregando o caminhão, que era uma pedra por sua dureza, me dava na bunda. Dizia que na bunda não se rompia nada. Porém o certo é que me doía muito.

Transcorreram uns quantos anos e quando eu contava com uns doze os jogos se foram sendo mais arriscados. Nós juntávamos três ou quatro amigos e com lanternas entravámos pela desembocadura dos coletores do sistema de esgoto do subsolo das ruas de Madri. Recordo de um de meus amigos que, desconheço porque, o chamávamos de Tragamuelles (engolidor de primaveras) e era um jovem que sempre tinha um sorriso na cara. Os coletores eram cofres com uma pequena calçada ao lado da direita e um pouco mais abaixo havia uma condução por onde corriam as águas das ruas até chegar ao rio.

Estes cofres mediam quilômetros e os recorríamos até chegar a Ponte dos Três Olhos a vários quilômetros de nosso bairro San Fermin, ao sul de Madri

De vez em quando víamos ratas enormes que bem corriam pela calçada ou bem nadavam na corrente. Para nós era uma aventura e descobríamos saídas com tampas de ferro pela zona de Legazpi. Essas coisas nunca foram do conhecimento de meus pais, que estou seguro não me haveriam permitido.

Uns quantos anos depois, três crianças entraram e foram surpreendidos por uma tormenta que produziu um forte aguaceiro com sua correspondente avenida de água que inundando a grande velocidade e violência os coletores arrastou os corpos daqueles meninos a muitos quilômetros mais abaixo da saída . E faleceram afogados

Isto mesmo nos poderia haver passado a meus amigos e a mim. E a família só se enteraria quando já não haveria remédio.
Outro dia, para não fazer-me pesado os contarei mais aventuras de minha infância.

Pequeno conto

P

SIlvia C.S.P. Martinson 

¡Tiene que ser así!
Y así es.
España tierra de leyendas y de pasiones.
De sus rocas, de su mar transparente y también caliente, de donde se extraen muchas historias.
 
Su aire es cómplice de muchos sentimientos. Mientras aquellos que no se pueden contar y que deben ser olvidados en los caminos inaccesibles de las rocas, a los que el aire, se acomoda en esconderlos.
Tierra vieja de viejos amores...
 
SÉCULO XVII
 
Apesar de estarem na Europa em plena fase do Renascimento e do Barroco na produção artística, na  Espanha ainda em pleno século XVII esta sofria a influência das tradições medievais, originadas pelo apego aos temas do cristianismo daque- la época, diferentemente das ideias humanistas cuja penetração já se fazia sentir pelo continente europeu.
 
A igreja católica foi preponderante neste aspecto influenciando fortemente os países ibéricos a não adotarem tais ideias humanistas, mantendo assim a hegemonia e o poder da Igreja na fase da Contrarreforma, atrasando sobremaneira a cultura e a educação de um povo.
 
É, então, precisamente nesta fase que começa a se desenrolar nossa história, que estranhamente, para uns é inverossímil, que se passe até nossos dias. Para outros, entretanto, é perfeitamente aceitável.
 
Comecemos a contá-la:
Um povoado pequeno ao pé de montanhas rochosas em um lugar na Espanha.
Um povo composto de camponeses e criadores de ovelhas e cabras.
Um palácio medieval e uma família rica, fanática e dominante
Uma igreja antiga originária, arquitetonicamente, dos templos construídos durante a dominação árabe.
Dois jovens com educação e posturas e princípios diferentes.
 
Zaida lia os sortilégios, elaborava mezinhas, poções para saúde, conhecia os “segredos da terra”, do ar, do fogo e da água, ou seja, dos elementais.
 
Filha de alquimistas lhe foram passados os conhecimentos que levam à transformação dos metais e a transmutação e transformação dos elementos e energias terrestres e universais.
 
Considerada na época uma bruxa – até porque, naquele tempo, às mulheres não era dado acesso à ciência e a educação - era mal vista no lugar em que morava. Inobstante quando havia problemas com doenças o povo daquele lugarejo acorria a ela para que os socorresse com seus conhecimentos.
 
A Espanha de então era bastante atrasada, bem como quase toda Europa, nas lides médicas.
Zaida vivia em um povoado na Espanha situado ao pé de montanhas rochosas em um vale semiárido, hábitat de cabras, ovelhas, animais de caça e serpentes venenosas, das quais extraía os fluidos necessários aos seus medicamentos e poções, isto em sua casa localizada junto a um precipício.
 
Neste povoado vivia em uma igreja um pároco muito velhinho, que era prior daquela paróquia, que, todavia, a pesar das diferenças religiosas, entendia e respeitava os poderes e conhecimentos da jovem Zaida. Da Zaida dos longos cabelos louros e dos olhos verdes como a relva do campo, como as águas do mar.
Eis que o velho pároco morre.
 
Vem para assumir a paróquia um sacerdote jovem, culto e educado dentro dos parâmetros da igreja católica espanhola e nos melhores conventos da época, destinados a filhos de famílias influentes e poderosas, ou seja, da casa dos proprietários do castelo existente no povoado. Seu nome: Luíz de los Rios.
 
Luíz assume seu posto e aos poucos vai conhecendo mais amiúde o povo dali, suas histórias e costumes, haja vista ter sido criado dentro do convento com quase nenhum contato com a gente do lugar.
 
Luíz como todo jovem, trazia de seu berço a formação religiosa à época, os preconceitos e a limitações que sua fé lhe impunham.
Sabedor da presença da “bruxa” no povoado passa a persegui-la denunciando-a a seus superiores.
 
O destino e a vida são sábios em seus propósitos e às vezes criam situações insuspeitas aos homens, visando seu progresso e abertura de mente às verdades universais.
 
Aquela época grassavam as pestes e as doenças que na maioria das vezes eram fatais ao homem, principalmente pela falta de higiene existente 
Eis que Luíz adoece.
 
Todos os conhecimentos e medicamentos do populacho lhe são ministrados sem sucesso.
Por fim na tentativa última de lhe salvarem a vida, Zaida é convocada a ir ao seu leito, como derradeiro recurso.
 
Ela, em toda sua suavidade aceita o encargo sabendo, no entanto, o quanto aquilo a exporia ao perigo de uma perseguição feroz por parte da Igreja.
 
Segue ao encontro do doente, lhe aplica suas mezinhas, poções e invoca em seu benefício às forças da Natureza, estas tão de seu domínio. E o faz por um longo período.
O tempo passa…
Luíz aos poucos melhora e vai retomando as suas forças, ao mesmo tempo em que por esta convivência e proximidade, os jovens começam, sem perceber, a necessitar cada vez mais da presença um do outro.
Apaixonam-se.
O povo nota. Condena tal atitude e comunica à família e aos superiores eclesiásticos do sacerdote.
 
Por ser considerada bruxa e incitados pela família poderosa do sacerdote a qual não admitia àquele relacionamento, com Zaida e sabedores do destino reservado às bruxas, (a fogueira) os jovens combinam fugir para um lugar distante.
 
Luíz deveria dar apoio e cobertura a Zaida a fim de que seus propósitos de fuga se dessem a contento e seu amor se concretizasse definitivamente.
 
No dia aprazado, no entanto, ele amedrontado e pressionado por sua família e por sua fé foge, acaba deixando Zaida a mercê de seus perseguidores.
 
Ela vendo-se abandonada por aquele a quem tanto amara, ainda consegue fugir às altas montanhas rochosas e à beira de um precipício lança um último olhar ao horizonte.   Lembra de seu amor… O perdoa mentalmente e solicita à Natureza que lhe oportunize , com ele, novos encontros, em outros tempos, em um  futuro quem sabe…
 
Mira o horizonte, chega à beira do precipício e joga-se ao vazio em busca do esquecimento.
Os séculos se sucedem e com eles novos encontros entre os dois se dão, sempre cheios de paixão e reconhecimento íntrinseco, nem sempre recordado conscientemente.
 
Hoje cabe a Luíz, mesmo que não relembre, expurgar de si o sentimento de culpa pela ausência inflingida.
 
A Zaida a conformação pelas dores físicas que sofre em virtude de suas opções e agressões à mãe Natureza.
Por ora, nesta vida, voltam a se reencontrar, se reconhecem e se apaixonam novamente.
 
Las rocas muy largas y viejas también, con el tiempo, a veces, caen y se transforman en arena, que se va a lejos por el aire, tanteando.
Mientras los malos sentimientos también son como las arenas, pero se pierden con el tiempo.

Memórias de um taxista

M

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Uma filha do famoso locutor de rádio e apresentador de televisão, Jesus Quintero, conhecido como o LOUCO DA COLINA, que justamente hoje faz um ano de seu falecimento, escreveu um livro narrando muitas das importantes entrevistas que realizou seu papai a personagens como Felipe Gonzáles Márques, Presidente do Governo espanhol, Dolores Ibarruri , La Pasionaria, membro muito importante do Partido Comunista da Espanha, desde os tempos da Segunda República Espanhola e outros muitos que seria prolixo enumerar aqui.

Também recordo nos programas televisivos do Los Ratones Coloraos, personagens conhecidíssimos e popularíssimos como eram Juan El Risitas, Antonio El Perro ou El Cuñao, ou José El Penumbra.

Eu tive o prazer de conhecê-lo em meus tempos de taxista, porque o levei em meu taxi desde o Aeroporto Adolfo Suárez de Madri-Barajas até a Estação de Ave de Atocha. Ele ia vestido com elegante traje muito peculiar de cor marrom claro, e coberto com um gorro de igual cor, com dupla viseira traseira e dianteira, que me lembrou aos trajes que usam os monteiros ingleses nas caçadas de raposa. O acompanhava uma senhora que eu interpretei seria sua secretária, de meia idade e elegantemente vestida, que não abriu seus lábios durante todo o trajeto.

O que me chamou a atenção foi o interesse que mostrou Jesús para conhecer a situação do Grêmio de Taxis, do qual manifestou ser cliente habitual durante os anos em que trabalhando na rádio em Madri terminava a as altas horas da noite.

Lhe comentei a situação provocada pela irrupção no mercado de taxi pelas VTCS (veículos de aluguel com condutor) que teve e segue tendo os efeitos de uma inundação, dada a falta de todo tipo de regulação de horários, dias de pagamento e outras normas que, sim, regulavam milimetricamente a atividade de taxis.

Uma vez chegados à estação de Atocha, Jesús me pagou a corrida e me deu uma grande gorjeta e um amplo sorriso ao que agradeci amplamente. Ha ambas, o sorriso e a generosa gorjeta.   

Em poucos dias recolhi com meu taxi a Santiago Segura, o criador de Torrente, que naqueles dias estava apresentando a obra Los Productores, original de Mel Brooks junto com José Mota na Gran Via.

Ele ia acompanhado de uma senhorita e me solicitou que os levasse ao aeroporto, onde queria tomar um avião com destino a Barcelona.

No radio do taxi eu levava posto um CD e ecoava My Way de Frank Sinatra, lhes manifestei minha disposição de trocar ou apagar a música no caso de não desejarem a escutar. Santiago me demonstrou ser um homem simpaticíssimo e não falsamente como se há dado com outros casos de famosos que, aparentando serem muito simpáticos hão demonstrado tudo ao contrário. Santiago me disse que lhe encantava Sinatra e começou a cantar My Way.

Lhe comentei que uns dias antes havia levado a Jesús Quintero, e o agradável, simpático e generoso que me pareceu, e por suposto a gorjeta que me havia dado.

Quando chegamos e me pagou a corrida encheu suas mãos com todas as moedas que pode reunir e as obsequiou-me dizendo entre risos: “Espero que fales de mim tão bem como hás falado do EL LOCO DE LA COLINA”.

Por suposto que sim Santiago, o farei, porém não só pela gorjeta também, senão por tua enorme simpatia,

Lembranças – Óleo de figado de bacalhau

L

SIlvia C.S.P. Martinson 

Quando acordei e ao tomar os remédios pela manhã, meia hora antes do café, como o médico me havia prescrito, voltaram-me, não sei por que à memória, lembranças de minha infância.
 
Lembranças de quando éramos pequenas em minha casa, a qual tinha um grande pátio cheio de árvores frutíferas e flores que minha mãe amava plantar para embelezar seus recantos. Passávamos ali os dias brincando e fazendo todo tipo de peraltices.
 
Meu pai construiu sobre um cinamomo velho uma espécie de refúgio para nós. Ali subíamos por um a escada que nos levava até o enclave de galhos grossos, onde havia bancos para sentarmo-nos e uma mesinha improvisada.
 
Neste recanto da árvore brincávamos de casinha, ou seja, ali improvisávamos comidas em latinhas que levávamos para cima.
Essas comidas eram feitas de terra molhada, folhas de árvores e enfeitadas com flores do jardim.
 
Em nossa imaginação de crianças as bonecas iriam comer toda este manjar para depois dormirem em suas caminhas improvisadas.
Era um mundo de sonho...
 
Outras vezes fazíamos brincadeiras perigosas, amarrávamos cordas nos galhos e os desciámos por elas até o solo, imaginando que, como o personagem Tarzan, estávamos na selva.
 
Para nós aquele pátio de quase 100 metros e cheio de árvores frutíferas era como se fosse uma mata densa e cheia de possibilidades a aventurar-se naquele paraíso tão nosso.
 
De outra feita imaginávamos que estávamos em um circo e para tal amarrávamos uma corda de uma árvore à outra, bem atada, e por sobre ela caminhávamos assim, como havíamos visto em um espetáculo circense.
As quedas não foram poucas e até hoje restam cicatrizes e dores, marcas das traquinices feitas.
 
Minha mãe e meu pai trabalhavam muito para nos manter e educar dignamente, não com riqueza, porque não éramos ricos, porém com acesso principalmente à cultura, à educação, que naquela época era muito boa e ministrada nas escolas públicas bem conceituadas, onde se faziam testes rigorosos para poder frequentá-las.
 
Bem, em realidade, estas lembranças vieram pela manhã enquanto tomava meus remédios matinais e pensei por que elas aconteceram?
 
Então me recordei, também, que àquela época, eventualmente ficávamos doentes.
Havia doenças sérias para as quais já existiam algumas vacinas, tal como para a paralisia infantil, difteria e outras.
 
Todavia em minha infância não sei dizer se por falta de vacinas ou recursos financeiros, tivemos tanto algumas graves, como as normais que poderíamos dizer, caseiras.
 
Para as caseiras há diversos remédios que minha mãe conhecia e aplicava com rigor, por exemplo: quando estávamos com dor de garganta eram feitos gargarejos que consistiam ser de água carregada de sal e vinagre para gargarejar e limpar da infecção as amigdalas.
 
Para a febre ela usava nos colocar na cama bem tapadas com cobertas e dar-nos um chá quente com mel e limão e mais um comprimido de aspirina para baixar a temperatura, o que fazia suássemos muito, encharcando roupas, lençóis e cobertas.
Penso que surtia efeito, porque a febre cedia e no outro dia já estávamos em franca recuperação.
 
Porém o que eu mais detestava e que ela seguidamente nos aplicava para limpeza dos intestinos era o tão famoso Azeite de Ricino, que exercia a função de laxante, permitindo que expulsássemos de nossos organismos elementos indesejáveis.
 
Lembrando bem agora, do que eu tinha verdadeiro asco e que me era administrado seguidamente, por ser magra e não gostar de comer, era o chamado Óleo de Fígado de Bacalhau. Deste eu corria por todo o pátio escondendo-me para não o tomar. E quando conseguiam me pegar e sujeitar, além de ter que engoli-lo, levava umas boas palmadas na bunda para aprender a não ser desobediente.
 
Quanto sacrifício de minha mãe para nos tornar gente!
Meu pai trabalhava fora o dia todo e só retornava a noite para casa.
E hoje penso que óleo de Fígado de Bacalhau foi eficiente...
Sigo forte e saudável, física e mentalmente, até hoje, apesar dos anos transcorridos.
Minha mãe tinha razão.

Os frutos da figueira

O

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

 Quando eu tinha aproximadamente 12 anos, mais ou menos, em 1962, tive uma conversa com minha tia Cruz, que era a irmã mais nova de meu avô Pedro, na maravilhosa vila de Las Rozas del Puerto Real.

Era um dia em que tínhamos selado seu burro com sua cabeçada, sua sela de peito duplo, uma de cada lado e sua circunferência, e tínhamos descido até seu pomar, no que chamamos de Arroyo del Valle, muito perto da fronteira de uma aldeia vizinha, Cadalso de los Vidrios. Ela tinha um belo pomarzinho com algumas figueiras que produziam frutas deliciosas, que ela chamou de Pescoço Dama.

Ela tinha plantas como: morangos, feijão, tomate, batata, algumas videiras e algumas outras árvores frutíferas, como ameixeiras, pessegueiros, cerejeiras ácidas e assim por diante. Ao entrar por uma pequena porta na parede de pedra encaixadas sem cimento entre elas, que rodeava todo o pomar, do lado esquerdo havia três figueiras grandes, a cerca de cinco metros de distância, na frente do lado direito havia um poço de água muito limpa e fresca, com vários metros de profundidade, com a qual regávamos o pomar, tirando a água com uma haste que balançava para cima e para baixo, havia um caldeirão de chapa galvanizada amarrado ao final da haste e na parte de trás desta era amarrado outro balde cheio de pedras que atuava como contrapeso quando o caldeirão cheio de água era levantado, que esvaziado onde começava a calha carregava a água para baixo, seguindo sua própria inclinação para os sulcos da horta.

Acho que foi em um dia no final de agosto quando estávamos colhendo figos.

As figueiras têm galhos flexíveis que permitem aproximá-los do solo para que os figos possam ser colhidos e encherem os cestos de vime aonde eram guardados. Ela fez para mim uma ferramenta a partir de um ramo de árvore que chamou de rabisco, que, nada mais era do que uma espécie de gancho cortado logo acima, onde o ramo mais grosso encontrava um de seus rebentos. Com este gancho enganchávamos os galhos da figueira e os puxávamos para baixo para alcançar os figos, que tinham que ser cortados sem arrancar o mamilo, que tinha que permanecer com o figo.

Minha tia e eu estávamos fazendo isso quando perguntei a ela por que a figueira deu um primeiro fruto maior, que era chamado de "breve" quando alguns meses depois os outros figos amadureciam, enquanto que as outras árvores frutíferas que eu conhecia produziam apenas um fruto.

Ela riu com a alegria de poder me ensinar coisas que eu não sabia e me contou uma história que sua avó materna lhe havia contado:
- Nos anos em que Jesus Cristo e seus Apóstolos estavam pregando a Doutrina Sagrada nas margens do Jordão e estando cansados e sedentos, em um dia muito quente, havia esgotado seu suprimento de água potável, restando apenas uma cabaça cheia de vinho doce que São Pedro carregava, meio escondida, e da qual este último bebia meio secretamente.

Jesus olhou para ele e lhe perguntou: O que você está bebendo, Simão? (pois esse era seu nome antes de Jesus o chamar de Pedro)

- É vinho Senhor, você gostaria de prová-lo?

São Pedro lhe entregou a cabaça do vinho doce, e o Senhor, sedento como estava, e com o doce sabor daquele pequeno vinho, bebeu-o com grande prazer até esvaziá-lo. Depois de um tempo Jesus caiu em uma grande sonolência e deitou-se para dormir na sombra próxima.

São Pedro temia que Jesus tivesse ficado bêbado e adormecido como resultou. E pensou que ele iria punir, com seu poder milagroso, aquele líquido que o havia deixado sonolento e, em consequência, começou a pensar de que maneira ele amaldiçoaria aquela bebida que tanto amava e os vinhedos que produziam as uvas a partir das quais ela era obtida.

Quando Jesus acordou, perguntou a São Pedro de onde vinha o líquido que ele chamava de vinho, ao que ele respondeu que era obtido do fruto de uma árvore chamada figueira. Então Jesus surpreendentemente lhe disse com grande solenidade: "Feliz aquela árvore, que dá dois frutos por ano". E desde aquele dia a figueira nos deu os “breves” (figos) como o primeiro fruto e os demais figos como o segundo fruto.

Não sé quer a lenda seja verdadeira ou não, o que não podemos negar é que ela é muito bonita. Nunca a esqueci, e agora me dá grande satisfação contá-la a todos vocês, ao mesmo tempo em que me lembro daquela velha mulher que eu tanto amava, minha tia Cruz.

Meu lugar sonhado

M

SIlvia C.S.P. Martinson 

Estranho pensei: “MEU LUGAR SONHADO” é este o título que me foi proposto. Nunca havia imaginado em toda minha vida projetar para mim um final em algum lugar definido.
 
Depois de tudo o que vivi, trabalhei, estudei, formei minha família, morei em diversos lugares e viajei, me parece estranho ficar definitivamente em um lugar.
 
A vida transcorreu tão rapidamente e transcorre que não me dei conta que de certa forma envelhecemos.
 
Somente agora com a proposta interessante de escrever um texto sobre “Mi Lugar Soñado” é que parei para pensar qual seria este lugar para mim.
 
Na infância tive a felicidade de ter uma família constituída por pai, mãe e irmã, que naturalmente preencheram as minhas necessidades materiais e acima de tudo, através do carinho e atenção de meus pais recebi os ensinamentos sobre moralidade, amizade, religiosidade e respeito ao ser humano. Enfim um lar. 
 
O que eu gostava em criança era quando meus pais saiam de férias para a praia, íamos em uma camioneta Ford cujos bancos de trás eram de madeira e à frente meu pai conduzia e minha mãe e ele iam cantando músicas o tempo todo. Aos meus pais  encantava-lhes cantar. Nosso mundo era mágico então.
 
Já mais velha casei e constituí família, exercendo neste novo lar a função de mãe, esposa e companheira nas decisões que a vida nos obrigava a tomar. Nem sempre as mais acertadas, porém as que nos pareceram à época as mais adequadas e corretas à situação que se apresentava.
 
Assim que naqueles anos, naqueles momentos e lugares onde vivi eles me instigaram a supor que eram: “Mi Lugar Soñado”.
 
O tempo passa, a filha cresce, casa-se e segue seu caminho. A morte também nos bate à porta por sua exigência natural e carrega consigo nossos entes queridos, ao que tivemos inevitavelmente que aceitar.
 
Então o lar se desmorona, restando o vazio com o qual convivemos e as lembranças que nos atordoam às vezes, recordando-nos de momentos felizes, dos êxitos alcançados daquilo que foi “Mi Lugar Soñado”.
 
Agora, neste momento, em que vivo longe de meu país, porém feliz, vou passar a imaginar o que gostaria de ter finalmente como um lugar que poderia chamar de “Mi Lugar Soñado”.
 
Vivi tanto em várias cidades pequenas e grandes que neste exato instante, se não for viajar do que gosto muito, minha mente se transporta a uma montanha.
 
Uma montanha verdejante, cheia de bosques e corredeiras de água límpida, onde eu me banharia todos os dias de calor e onde sob a sombra das árvores ficaria a compor meus versos e a sonhar.
 
Desta montanha, não muito alta, eu poderia divisar, sob o céu muito azul, os vales e as pequenas casas lá existentes.
 
Quase ao topo deste cerro eu teria lá minha casinha de pedras naturais, pintada de branco, muito simples, com uma sala conjugada à cozinha onde prepararia a comida, o chá ou café para receber os amigos. Um quarto para hóspedes, outro para mim, dois banheiros, uma lareira de lenha na sala para aquecer nos dias frios. Janelas adornadas com cortinas brancas e gerânios  e ainda coloridos no exterior.
 
Um jardim com rosas e outras flores adornariam a entrada da casa que não teria cercas para limitar a entrada. Na porta a esperando-me com uma taça de vinho branco, quando chego pela tarde ou à noite, o homem de quem gosto e que me seduz todos os días. 
Um galinheiro de onde colheria os ovos
Um pomar com muitas árvores frutíferas.
Uma horta onde cultivaria hortaliças diversas.
 
Os animais silvestres correriam soltos pelo entorno, sem medo de serem capturados.
Ao final do terreno faria construir um jazigo simples que seria usado após a minha morte e nele estaria escrito em uma placa o seguinte:
 
"Aqui jaz uma mulher que viveu intensamente e morreu feliz dizendo:
 
Eis aqui onde vivi até agora MEU LUGAR SONHADO”.

O rastro dos sessenta

O

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Desde o primeiro dia em que o meu pai me levou a conhecer El Rastro, quando eu tinha cerca de 10 anos, senti-me atraído por este Grande Mercado Callejero a tal ponto que, a partir dali, juntava-me com os meus amigos ou às vezes, com o meu primo Polo e íamos até ali para, curiosos, percorrer todas aquelas ruas onde se podia encontrar qualquer coisa que buscassem, um cinto de couro, um relógio, um disco de música, uma bicicleta, uma camiseta, um par de calças, qualquer ferramenta para um mecânico, um pedreiro, um carpinteiro, um eletricista ou qualquer outro ofício.

Então como agora, havia lojas estabelecidas e muitas outras que se estendiam em bancas de lona com estrutura metálica, montadas ao longo das calçadas na Ribera de Curtidores, Mira el Río, Plaza de Cascorro, Ronda de Toledo, Plaza de Vara del Rey, Carlos Arniches, Plaza del Campillo del Mundo Nuevo, etc.

Lembro-me de um domingo em que acompanhei a minha mãe até ali e compramos duas bicicletas usadas de segunda mão, uma de menina, sem barra superior entre o selim e o guidão, de cor rosa que era para a minha irmã Maribel e outra mais pequena de cor azul para os meus dois irmãos mais pequenos, por metade do que teria custado uma só se houvera sido nova.

Entre os dois, as levamos no ônibus da Colónia Agrícola, que nos levou até à esquina dos Talleres Recuero, no cruzamento da estrada de Carabanchel Alto com a de Villaverde Alto. A partir dali, as baixamos rodando, sobre suas rodas, até a rua de San Fortunato, onde ficava a nossa casa.

A minha querida mãe foi desfrutando ao longo do caminho, pensando em quanto gozariam meus irmãos, como assim o foi desde o momento em que lhes puseram os olhos nelas.

A minha mãe foi difícil discutir com meu pai, porque o dinheiro naquela época era sempre escasso, porém ao final meu pai teve que reconhecer que havia feito uma boa compra, acima de ver desfrutar aos meus três irmãos aprendendo a montar em bicicleta no enorme pátio da nossa casa, ajudados por mim, a fim de evitar que caissem ao chão.

Entre todas as ruas de El Rastro, havia uma que tinha uma atração especial para mim. Chamávamos-lhe Rua dos Pássaros, embora o seu verdadeiro nome fosse Fray Ceferino González.

Nessa rua vendia-se tudo o que era necessário para criar todo o tipo de aves, tais como galinhas, pombos, pintassilgos, canários, misturados, papagaios, araras e jacintos. Gaiolas, ração, redes de captura, molas de folha ou costelas, liga para apanhar pássaros vivos. Cães, gatos, coelhos, furões para caçar em tocas, capuzes para colocar nas bocas das tocas e evitar que fugissem, etc.

Uma vez comprei uma pomba e juntei-a a outras que tínhamos num pombal em casa. A pomba fugiu e quando voltei a vê-la estava na mesma banca onde a tinha comprado na semana anterior.

Esta rua estava cheia de gente todos os domingos, tanto que era quase impossível caminhar por ela.

Na sociedade espanhola daquela época eram bem vistos muitos costumes, que hoje em dia são impensáveis e que a lei persegue.

Hoje caminhei por essa rua e já não há nenhuma tenda de animais. Em contrapartida, há vários bares, uma pizzaria, um Hostel, um Centro Comunitário para idosos LGTBI, um lugar de pilates com um treinador pessoal, um lugar de prática de Yoga, uma Escola de Circo e um Estúdio de Arquitetura.

Nada a ver com a minha adolescência e reflexo da variação da nossa sociedade.

Na esquina com a Ribera de Curtidores, existe hoje uma loja de roupa, calçados e de esportes de sky mountain, muito boa por certo, mas no mesmo local existia uma das melhores tendas de música, onde adolescentes buscávamos e encontrávamos os discos mais modernos do momento, de 45, ou Longplays, os cartazes dos conjuntos mais conhecidos: Rolling Stones, The Beatles, Los Platters, Los Mustangs, The Shadows, Paul Anka, Nat King Cole, Frank Sinatra, etc... Aquela tenda era o máximo em modernidade musical.

E recordei de tudo isto dando um passeio, caminhando muito devagarzinho, acima e abaixo de minha recordada rua de LOS PÁJAROS.

Chorão

C

Silvia C.S.P. Martinson 

Quando trabalhava como advogada na cidade em que vivia, observei muitos fatos interessantes que ocorreram nos corredores do Forum .
 
Um deles me marcou fortemente por sua peculiaridade.
 
As pessoas que ali se encontravam principalmente os funcionários dos cartórios, acostumados a ver o sofrimento alheio, seja por ausência de um atendimento judiciário justo ou por dramas familiares muito comuns a nós seres humanos, ficaram estarrecidos ao que assistiram.
 
Bem vamos aos fatos propriamente ditos a fim de que não nos estendamos demais e causemos com isto tédio ao leitor. Aconteceu assim:
 
Todos os dias pela tarde, quando se realizavam as audiências e os juízes estavam assoberbados de trabalho, consequentemente os funcionários também a prepararem os expedientes normais a cada caso a ser analisado pelo magistrado designado à questão, se passou o seguinte no corredor em que as partes esperavam a sua vez de serem ouvidas.
 
Havia um senhor – que não me recordo o nome o que também não vem ao caso – que se sentava em um banco a chorar lamentando-se em alto e bom som.
 
Inquirido sobre o que se passava narrou, entre soluços, que a mulher lhe batera e expulsara àquela hora de casa.
 
Todos ali presentes se apiedaram dele.
Acontece que este fato passou a tornar-se cotidiano no recinto do Forum ocasionando então a chamar mais a atenção dos juízes e funcionários.
 
Um dia o juiz apiedado lhe chamou a seu gabinete e lhe perguntou o motivo pelo qual continuava isto a acontecer e porque ele não dava queixa à policia ou à Promotoria Pública do que estava acontecendo, a fim de que fossem tomadas as devidas providencias judiciais.
 
Entre choro e soluços pungentes ele declarou ao juiz que amava a mulher e que à noite na cama sempre se reconciliavam e ainda que no Forum, ele encontrava o ambiente propício a desabafar a sua dor, haja vista que na rua chamaria muita atenção.
 
O juiz ficou boquiaberto com tal atitude inusitada e ao que profundamente aborrecido pela ousadia e também por ter perdido seu precioso tempo de trabalho, o expulsou de seu gabinete dizendo-lhe que resolvesse seus problemas em sua casa e não voltasse a pisar no corredor do poder judiciário com iniquidades.
 
Tempos depois se soube a verdade, como sempre esta tarda porém sempre aparece.
A mulher lhe batia porque ele não queria ir trabalhar apesar de ter saúde.
 
E acima de tudo ficava com o dinheiro da casa, que ela ganhava fazendo faxinas, e ia gastá-lo nas casas de apostas e jogos de cartas e em corridas de cavalos.
 
E aí, então, nos perguntamos: Onde estava realmente a justiça ou injustiça neste caso?

 

Justiça catala

J

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Por volta de 1920, meu avô Pedro comprou um terreno na parte sul de Madri, que naqueles anos pertencia ao vilarejo  de Villaverde Alto e que, em meados do século XX, passou a fazer parte de Madri, no distrito de Arganzuela-Villaverde, onde ele queria onstruir sua casa e a casa de seus filhos adultos, que já eram casados. A primeira pessoa a construir uma casa ali foi um homem chamado Aurelio, apelidado de El Loco, aludindo ao estado que uma pessoa deve ter tido na cabeça para ousar ir morar ali, naquelas áreas lamacentas no meio dos campos de cereais. Um bairro de rua chamado Barrio de Los Locos foi formado ali, onde vários parentes de meu avô se estabeleceram, por exemplo: tia Marcelina, sua irmã mais velha com seu marido e suas filhas.

A Prefeitura de Madri nomeou a rua Barrio de San José, e este nome foi mantido até os anos 60, quando foi mudado para rua de San Fortunato, o nome que ainda hoje leva.

Minha mãe Victoria nasceu na casa do meu avô Pedro em 1923 e eu nasci em 1950. Mais tarde, em 1952, minha irmã Maribel nasceu, em 1955 meu irmão Felix e o mais novo dos quatro, Javi, veio ao mundo em 1958.

Com o passar do anos, todos esses campos de trabalho se tornaram povoados de edifícios.

 Na década de 1920 foi construída a Colônia Alfonso XIII que com o advento da Segunda República ficou conhecida como a Colônia Popular Madrilenha, e a partir de 1939 foi reconstruída sobre os restos causados pelos bombardeios da Gerra Civil ( ou melhor, da Guerra Incivil), porque toda a vizinhança era uma frente de guerra. Esta colônia construída sobre as ruínas se chamou Colonia de San Fermin, e todas suas ruas têm nomes que nos lembram Navarra, a Avenida de lós Fueros, as ruas Zalacain, Oteiza, Lofosa, Navascués, Amaya, e de fato as festividades de 7 de julho, o dia de San Firmin, trouxe à celebração de festivais ao nosso bairro.

Em 1959 o Assentamento San Firmin foi construído em continuação da referida Colônia, sob os auspícios da Obra Sindical del Hogar, do Ministério da Habitação. E do lado oposto, ou seja, a área norte, que era a mais próxima do bairro das Carolinas, San Mario, a Colônia de Andalucia, as Torres de Carabelos, etc. foram construídas. Os prédios margeados ao leste pelo Caminho de Perales, uma antiga estrada de terra, ao longo da qual os rebanhos de gado chegavam ao Matadouro Municipal de Madri, em Legazpi, para serem abatidos.

Lembro que em algumas ocasiões, quando eu era criança, se um touro feroz escapava os vizinhos avisavam imediatamente as pessoas para ficarem dentro de casa até que o perigo tivesse passado.       

A casa de meu avô Pedro, em 1972 e parte de 73, foi  demolida e dois blocos de apartamentos foram construídos em seu lugar. Meus pais, meus irmãos e eu morávamos em uma dessas novas casas, na 2ª D do número 24 da rua San Fortunato.

Em dezembro de 1973, meu pai morreu subitamente, como resultado de um derrame cerebral, aos 50 anos de idade. Minha mãe tinha a mesma idade que meu pai, ficou viúva e muito abalada.

O único consolo de minha mãe era o orgulho de ter a nós,  seus quatro filhos. E todos os dias quando saíamos para nossos respectivos empregos, ela ficava no terraço da casa, nos observando até que desaparecêssemos de sua vista.

Um dia minha mãe estava observando minha irmã Maribel em seu Seat 600 branco, descendo a rua em direção ao Camino Perales, que até então havia se tornado uma rua perfeitamente asfaltada. Quando ela estava a poucos metros da rua, um caminhão de entrega de bebidas (cervejas, refrigerantes, etc.) surgiu na entrada da San Fortunato, cuja largura impedia que qualquer outro veículo seguisse na direção oposta, forçando minha irmã a fazer marcha à ré, enquanto ele buzinava alto, para que o caminhão pudesse chegar para descarregar na loja de bebidas, que ficava cerca de 50 metros mais adiante. O entregador poderia ter facilitado a saída do Seat 600, que ficava a dois metros da saída para a outra rua, mas em gesto altivo e arrogante ele forçou minha irmã a fazer marcha à ré na rua.

Mas para sua desgraça, minha mãe que tinha observado as manobras de seu observatório no terraço, desceu as escadas correndo e correu pelo meio da rua, obrigando minha irmã a parar e continuou correndo até chegar onde o motorista do caminhão estava descarregando caixas de refrigerantes. Ele era um homem de cerca de 35 anos, com uma aparência física forte. Minha mãe ficou diante dele e o esbofeteou duas vezes com força e sonoramente alto, nas duas bochechas, ao mesmo tempo gritando: “VOCÊ É UMA PESSOA ABUSADA E CANALHA”. Agora você entra no caminhão e volta, assim como fez com minha filha  que sairá pela rua antes que voltes a entrar.

O repartidor atônito, meio surpreendido, meio assustado, subiu na cabine do seu caminhão e deu marcha a ré. Em seguida minha irmã saiu da rua com seu utilitário, enquanto minha mãe largando chispas pelos olhos regressou à casa presa de descarga de adrenalina e furiosa pelo abuso daquele homem.

Minha mãe que era uma pessoa extraordinariamente carinhosa e   boa teve naquela ocasião uma irada reação contra o que considerou um insuportável abuso contra uma jovenzinha condutora, ademais por ser sua filha.

Tudo o que anteriormente os contei, hoje é em homenagem a minha querida mãe no quinto aniversário  de seu falecimento, quando contava 94 anos de idade.

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