CategoríaVerso

A passsageira

A

Cecilia Cardoso

O trem do tempo para na estação
e dele, desce uma passageira
com expressão feliz na face bonita.
Da multidão ouve-se uma pergunta:
- Então, fez boa viagem?
- Sim! Trago flores na bagagem,
folhas verdes, árvores floridas,
cantigas de pássaros,
o bater de asas de um beija-flor.
Trago a beleza das rosas em botão,
a pureza dos lírios,
o colorido das violetas,
e dos cravos vermelhos o amor,
do jasmim, a delicadeza.
Trago a brisa, o perfume de um jardim,
a festa da natureza.
Sou a primavera!
E como um sonho de criança,
Trago comigo a esperança.

O trem do tempo apita,
avisa que segue a viagem.
Na estação um passageiro sobe meio curvado,
com o andar envelhecido
e o semblante cansado,
carregando outro tipo de bagagem:
Leva um ar gelado,
o frio do dia, o branco da neve,
O som da ventania.
De dentro do trem ele acena um adeus
Ou talvez um “até breve!”.
É o inverno que se despede!

Num caminhar saltitante,
cercada de pássaros,
gorjeio nos ninhos,
perfumes e cores
a primavera segue seu caminho
por entre folhas verdes,
coloridos e flores!

Meus cabelos longos

M

Katia Chiapini

 

Os meus cabelos longos soltos ao vento
Já enfeitiçaram o meu jovem eleito
Agora, não crescem, eu até tento
Diminuíram de volume: não há jeito

Quando eu era jovem, o namorado
Não queria ver meus cabelos cortados
Nem os queria presos, nem atados
Queria vê-los, ora secos, ora molhados

Tive longas tranças qual Rapunzel
Usei coque artesanal, tal dama antiga
Ora bem escuro ou em tom de mel
Ter o cabelo longo, aquece e abriga

O amado tentava e me despenteava
Para fazer um arte ou travessura
Mas se o meu cabelo acariciava
Fazia-o com suavidade, com ternura

Dalila tirou a força de Sansão
Quando deixou curto o seu cabelo
Jesus Cristo o tinha em profusão
E a realeza o exibia com desvelo

E nos jogos amorosos, o "moleque"
Queria sentir meus cabelos em sua mão
E eu dengosa os espalhava em leque
Sobre o corpo do amado, em explosão

Vó preta

V

Iaralice Lemos Ramos

Olhas que quem veio me ver!
Vovó preta,
Vem se achegando

Puxa o banco, senta
Conta um conto
Daqueles
Que conta da nossa gente
Que conta do nosso povo.

Conta vó preta, conta
Daqueles que vieram na frente
Da escolha dos senhores
Pelas canelas e dentes.
conta
Do nosso povo
Da música referência.
Conta mais uma vez pra eles não equecerem
da ident- idade que foi dada por perdida, porém jamais esquecida no trajeto
Do dorer,

Canta vó preta
Agora canta
A cantoria que habita
Na tua sabedoria
Do batuque no tambor
Que conta da trajetórias
Que causou tamanha dor

Vem, vem , sempre, vovó!
Benzer a tua gente
Contra a resiliência,
Reforço na resistência
E a na fé nos orixas.

E quando partires deixa
o teu unguento rezado
Batismo da tua raça
Pra adiante o teu legado levar.

Além da vida

A

 Marinés Bonacina

 
Avançam os caminhos,
no alvorecer de um novo dia.
Transmutam-se estações...
No curto espaço, da plenitude física.
Existência, uma viagem na busca da evolução,
completar o ciclo de um tempo, sempre igual.
Nas imagens abstratas, labirintos de emoções,
silhueta, sombras ou penumbras,
transpassa a imensidão, a matéria, a essência
e um semblante que, das passagens,
segues, onde reina amor.
Luz que se propaga,
criou traços genéticos.
Caminhos!
Muito Além da Vida.

Vento norte!

V

Edson Olimpio Silva de Oliveira

A chaleira canta, o mate espuma, e o Vento Norte se chega de mansinho — pra contarmos, em verso e alma, os mistérios que só os antigos sabiam decifrar. Pealamos emoções sentidas e extravasadas. Tropeamos os fundamentos do amor, nem sempre compreendido. Minha avó Adiles e minha amada mãe Dora sofriam um embotamento da alegria ao sentir esse vento aquecido em alguma fornalha ancestral – o Vento Norte. Ao contrário do frio Minuano, esse sopra dos afogados do Pantanal, das queimadas sem fim, dos animais que queimam nas torrentes de fogo. ‘Dona Diles’ ao para o cemitério orar e pintar, florir e arrumar os túmulos da família. ‘Dona Dora’ orava com Santa Terezinha ao seu lado. Cresci assim na espiritualidade da família.

"O Vento Norte... gaudério mal- assombrado,
Chega assoviando saudade no pasto cansado.
É vento quente que traz lembrança e agonia,
Que enxuga o pranto duma alma em romaria..."

Lembro da avó, de lenço guardado no colo,
Com olho marejado e rezo manso de consolo.
Na rua do cemitério, flor de papel e saudade,
Onde o tempo é um rosário da eternidade.

O Norte vem como língua de sogra bufando,
Levanta o pó, assanha o campo e sai rondando.
Tem gente que sente nas juntas, no coração,
Outros veem vulto e sombra em contramão.

Cachorro se esconde, gado estranha a querência,
E o vivente se cala no lombo da consciência.
Médico, peão ou curador de almas penadas,
Todos sentem que o Norte varre as madrugadas.

Tem algo de praga, tem algo de ancestral,
Como sopro que assanha o espírito e o mal.
Diz o povo que é vento de doença e gemido,
Que traz no bafo um passado mal resolvido.

Já vi gente dizer: “É só vento, sem sentido!”
Mas quem já perdeu um filho, sente o ouvido.
E esse vento malino cutuca lá no fundo,
Faz o céu mais baixo, e o silêncio mais profundo.

Mas eu digo, gaudério, não tema esse assobio,
O Norte vem sim, mas também leva o vazio.
É nas brisas mais brabas que se forja o pensador,
E o vento que assusta também traz ensinador.

Verso do Mate:
“Quem teme vento que sopra, que escute sua razão...
Pois até brisa maldita pode ser benção do galpão.”

 

Substrato

S

Elroucian Motta

Sou substrato, sou dúvida,
Sou um soneto de Neruda.

Sou quase tudo, quase engano, Quasímodo e shakespeariano.

E no vale da alma
Em que a noite se esquece
Do dia que se pôs

Sigo meu caminho
À luz do que não se conhece,
À sombra do que se foi.

 

Percurso

P

Maria da Glória de Jesus Oliveira

Não voltarei
porque a estrada é longa.
Tropecei em muitas pedras
para chegar aqui.
Acumulei cicatrizes
e lágrimas derramei.
Os amigos,
que me deram apoio,
perderam-se
nos confins das estradas;
Dos familiares, os que não subiram
estão espalhados na existência.
Não fiquei sozinha,
não e não,
porque sou repleta de mim.
Hoje, encontro-me no pico
da montanha dos sonhos.
O difícil acesso
foi revestido de quimera.
Nada perdi e muito conquistei.
Não voltaria se, de prêmio,
recebesse a permissão.
Aqui estou, aqui sou,
aqui ficarei para cumprir
a minha preciosa missão.

PAIXÃO

P

Elisabeth Cappelletti

És suave como um barco à vela
Como o frescor de uma aquarela
Como um dia de primavera
A florescer as ruelas
Da cidade e da favela
Mas há perigo:
No teu sorriso que hipnotiza
Qual guizo
Qual enigma da Monalisa
No teu corpo que aprisiona
Qual ataque de jiboia
No teu olhar que de carona
Brilha mais que rara joia
Na sonoridade da tua voz
Que refresca qual chuva de verão
Qual a mais bela canção.
Anseio pelo fascínio
Deste teu bote certeiro
Mas receio
Este viver cativeiro.

Atemporal

A

Conceição Hyppolito

(Foi-se num tempo em que sucumbe o homem e suas histórias)

Há uma arma engatilhada
Sempre em busca de um alvo
Há um grito de dor sufocado e triste
Um ato de heroísmo e ou uma história covarde
Quem está certo ou errado nesta engrenagem?
Em algum lugar sempre tem uma festa
Ou uma guerra
Uma mortandade insana
Uma controvérsia;
- O primeiro grito e o último suspiro
O desejo de ir constante e
O silêncio eterno...
Em algum lugar, uma mesa farta
Ou uma fome crônica
Uma força bruta
Uma razão latente
E uma história inventada
Para uma geração descontente...
A natureza, o sol ou a chuva que cai
Faz crescer a vida
E também destrói quando muito intensa...
¿Como buscar respostas a todo ciclo que se forma
Ou encontrar a palavra-chave que encerra o poema?

A escuridão

A

Maria José Silveira

No vazio da noite,ela ainda acredita que tudo vai ficar bem
Mas não sabe que todos estão
Fugindo da verdade
E acreditando nas sólidas mentiras
Das fantasias de uma noite escura
Onde a tempestade era a única verdade
Nada será como antes,apenas os sábios
Sobreviverão a tempestade das angústias
De um tempo esquecido na escuridão!!

Síguenos