Silvia C.S.P. Martinson
Hoje estão brancos. Brancos e soltos ao vento, tão lindos, como a neve que cai.
Já foram negros há muito tempo atrás. Seus cabelos são a testemunha das várias experiências vividas.
Agora caminho ao seu lado, pela mão me sujeita. Nós dois de tanto tempo cúmplices, pelas ruas, lentamente andamos. Eu, sempre ao seu lado.
Sou sua e como não ser?
Sim, sou sua fiel companheira.
O tempo urge para nós dois.
A mim me pesa mais ainda. Tenho certeza que em breve partirei.
Ele me acaricia, fala comigo e me afaga e me mima.
Como me sinto feliz nestas horas de convívio mais próximo.
Caminhando lado a lado, ele vai pelas ruas me orientando.
Somos velhos e quando ninguém nos vê conta-me em voz baixa o que se passou, o que se passa em seu coração.
Conta-me de suas alegrias, de tristezas e de esperanças naufragadas.
E lhe sinto, ainda, a alma a palpitar quando de seus amores e desejos se põe a narrar.
¡Que maravilhosa intimidade a nossa!
Todo meu corpo vibra ao pressenti-lo.
Como já disse antes, o tempo urge.
Para mim é mais rápido.
Dizem que é sete por cada ano do homem. Não sei.
Tenho que providenciar a despedida.
Não quero magoá-lo nem fazê-lo sofrer.
Não merece, haja vista todo carinho que me tem e pelos sacrifícios que fez por mim.
Já sei... Como todos e todas semelhantes a mim fazem eu também o farei quando chegar a hora.
Sem que perceba, quando abrir a porta sairei correndo pelas ruas da cidade em busca do campo, correrei e me esconderei.
E lá ficarei quietinha, escondida, até ela chegar. Como sempre chega a todos nós.
Estou velha. Meu pelo cai. Meus olhos já não enxergam bem. Não consigo mais defendê-lo.
Meu latido já quase não se ouve.
Não sabes ainda?
Eu sou Chiquinha, seu cão.
Estou morrendo.