Quando acordei e ao tomar os remédios pela manhã, meia hora antes do café, como o médico me havia prescrito, voltaram-me, não sei por que à memória, lembranças de minha infância.
Lembranças de quando éramos pequenas em minha casa, a qual tinha um grande pátio cheio de árvores frutíferas e flores que minha mãe amava plantar para embelezar seus recantos. Passávamos ali os dias brincando e fazendo todo tipo de peraltices.
Meu pai construiu sobre um cinamomo velho uma espécie de refúgio para nós. Ali subíamos por um a escada que nos levava até o enclave de galhos grossos, onde havia bancos para sentarmo-nos e uma mesinha improvisada.
Neste recanto da árvore brincávamos de casinha, ou seja, ali improvisávamos comidas em latinhas que levávamos para cima.
Essas comidas eram feitas de terra molhada, folhas de árvores e enfeitadas com flores do jardim.
Em nossa imaginação de crianças as bonecas iriam comer toda este manjar para depois dormirem em suas caminhas improvisadas.
Era um mundo de sonho...
Outras vezes fazíamos brincadeiras perigosas, amarrávamos cordas nos galhos e os desciámos por elas até o solo, imaginando que, como o personagem Tarzan, estávamos na selva.
Para nós aquele pátio de quase 100 metros e cheio de árvores frutíferas era como se fosse uma mata densa e cheia de possibilidades a aventurar-se naquele paraíso tão nosso.
De outra feita imaginávamos que estávamos em um circo e para tal amarrávamos uma corda de uma árvore à outra, bem atada, e por sobre ela caminhávamos assim, como havíamos visto em um espetáculo circense.
As quedas não foram poucas e até hoje restam cicatrizes e dores, marcas das traquinices feitas.
Minha mãe e meu pai trabalhavam muito para nos manter e educar dignamente, não com riqueza, porque não éramos ricos, porém com acesso principalmente à cultura, à educação, que naquela época era muito boa e ministrada nas escolas públicas bem conceituadas, onde se faziam testes rigorosos para poder frequentá-las.
Bem, em realidade, estas lembranças vieram pela manhã enquanto tomava meus remédios matinais e pensei por que elas aconteceram?
Então me recordei, também, que àquela época, eventualmente ficávamos doentes.
Havia doenças sérias para as quais já existiam algumas vacinas, tal como para a paralisia infantil, difteria e outras.
Todavia em minha infância não sei dizer se por falta de vacinas ou recursos financeiros, tivemos tanto algumas graves, como as normais que poderíamos dizer, caseiras.
Para as caseiras há diversos remédios que minha mãe conhecia e aplicava com rigor, por exemplo: quando estávamos com dor de garganta eram feitos gargarejos que consistiam ser de água carregada de sal e vinagre para gargarejar e limpar da infecção as amigdalas.
Para a febre ela usava nos colocar na cama bem tapadas com cobertas e dar-nos um chá quente com mel e limão e mais um comprimido de aspirina para baixar a temperatura, o que fazia suássemos muito, encharcando roupas, lençóis e cobertas.
Penso que surtia efeito, porque a febre cedia e no outro dia já estávamos em franca recuperação.
Porém o que eu mais detestava e que ela seguidamente nos aplicava para limpeza dos intestinos era o tão famoso Azeite de Ricino, que exercia a função de laxante, permitindo que expulsássemos de nossos organismos elementos indesejáveis.
Lembrando bem agora, do que eu tinha verdadeiro asco e que me era administrado seguidamente, por ser magra e não gostar de comer, era o chamado Óleo de Fígado de Bacalhau. Deste eu corria por todo o pátio escondendo-me para não o tomar. E quando conseguiam me pegar e sujeitar, além de ter que engoli-lo, levava umas boas palmadas na bunda para aprender a não ser desobediente.
Quanto sacrifício de minha mãe para nos tornar gente!
Meu pai trabalhava fora o dia todo e só retornava a noite para casa.
E hoje penso que óleo de Fígado de Bacalhau foi eficiente...
Sigo forte e saudável, física e mentalmente, até hoje, apesar dos anos transcorridos.
Minha mãe tinha razão.