Pacha

P

Silvia C.S.P. Martinson

 
Meu tio, casado com a irmã de meu pai, era francês de nascimento, porém de família e formação alemã. Era muito culto e rico, às custas de sua inteligência e muito trabalho.
Viveu em muitos países antes e depois da 2ª guerra mundial. Casou com minha tia, irmã mais velha de meu pai e eram os únicos filhos de meus avós que nasceram no Brasil. Houveram outros mais velhos ainda, fruto do primeiro casamento de meu avô e que nasceram na Europa.
 
Vou dar a este tio, para que não seja identificado, um nome fictício, bem como a minha tia e seus dois filhos. Portanto, a partir de agora ele chamar-se-á Martin, sua mulher Ana e sus filhos André e Rosa.
 
Por certo que, com a personalidade forte e dominante de um professor, que também foi ademais de sua formação alemã, estes nomes certamente não lhe agradariam. Em sua casa, como na de meus avós, o idioma falado era somente o alemão. Meu pai escrevia e falava com perfeição este idioma, haja vista que estudara em um colégio tradicional onde além de uma excelente formação cultural, o idioma falado era o alemão.
 
Eu conheci esta escola em uma cidade que visitei e a mesma destinava-se a uma classe de pessoas mais abonadas.
 
Bem, prosseguindo com nossa história, tio Martin conduzia seus negócios e sua família com muita rigidez.
 
Tinham uma bela casa e muitíssimo conforto e modernidade para a época. Aos filhos não lhe faltava nada, inclusive belos e caros brinquedos.
 
A música era uma das prioridades da família, inclusive da minha. Os filhos estudaram e tocavam piano com maestria e a mãe era exímia em um instrumento que hoje quase poucas pessoas o conhecem, a cítara.
 
Bem continuando, voltemos a falar de Martin.
A ele encantava caçar e para tanto tinha em sua casa dois cachorros de raça, perdigueiros, os quais eram seus fiéis companheiros.
Um deles, de pelos brancos com pintas de cor marrom chamava-se Pacha. Era um cachorro muito bonito e dócil com as crianças pequenas, todavia, quando no campo, só obedecia cegamente a seu dono, fielmente cumpria com tudo a que aquele, em tom de mando, lhe ordenava. E assim se passava em todas as caçadas de tio Martin.
 
Porém um dia, tudo foi diferente. Vou lhes contar o que se passou.
 
Tio Martin com sua espingarda estava a caçar lebres no campo. Era um mato meio alto, cheio de arbustos a que não se permitia visualizar bem os entornos.
 
Porém com a precisão que lhe era peculiar, visualizou a lebre a correr entre os arbustos um pouco longe de onde se encontrava. Mirou a cabeça do animal e atirou com um único tiro de sua potente espingarda. O animal caiu entre as plantas. A seguir Martin ordenou a Pacha que fosse buscar a caça como estava este acostumado e treinado para fazer.
 
Pacha seguiu o rastro do bicho e quando chegou perto dele estancou e não o pegou na boca como sempre fazia para trazê-lo a seu dono.
 
Martin, espantado e ao mesmo tempo aborrecido, ordenou em voz alta que Pacha trouxesse a ele a caça. , Por fim o cachorro lhe obedeceu e lentamente voltou com a lebre entre os dentes.
 
Ao chegar perto de tio Martin caiu a seus pés com a caça e três picadas de cobras em seu focinho. A lebre ao ser morta havia caído sobre um ninho de jararacas e Pacha ao vê-las em princípio recuou, todavia, como era obediente e fiel a seu dono obedeceu a ordem de recolher o animal caçado. Pacha estava aos pés de Martin terrivelmente ferido e à morte.
 
Naquela época as cobras grassavam nos campos e era normal as pessoas serem picadas e morrerem por seus venenos.
 
Martin sempre que ia caçar levava entre seus pertences soro antiofídico o que já existia na época.
 
Tio Martin ao ver seu cachorro preferido naquele estado começou a chorar copiosamente. Amava aquele animal.
Mesmo desesperado aplicou o soro no cachorro, colocou-o em seu carro e voltou à cidade a toda velocidade que lhe permitiam as primitivas estradas de terra de então.
 
Pacha com os cuidados de um veterinário se salvou, não morreu, porém ficou cego até o fim de seus dias e quando pressentia a presença de seu dono, quando este chegava do trabalho à sua casa, o esperava deitado no portal abanando o rabo, ganindo e dos olhos cegos lhe caiam lágrimas.
 
E assim se passou até o final de seus dias.
 
Martin nunca mais foi caçar.

Sobre el autor/a

Silvia Cristina Preissler Martinson

Nasceu em Porto Alegre, é advogada e reside atualmente no El Campello (Alicante, Espanha). Já publicou suas poesias em coletâneas: VOZES DO PARTENON LITERÁRIO lV (Editora Revolução Cultural Porto Alegre, 2012), publicação oficial da Sociedade Partenon Literário, associação a que pertence, em ESCRITOS IV, publicação oficial da Academia de Letras de Porto Alegre em parceria com o Clube Literário Jardim Ipiranga (coletânea) que reúne diversos autores; Escritos IV ( Edicões Caravela Porto Alegre, 2011); Escritos 5 (Editora IPSDP, 2013) y en español Versos en el Aire (Editora Diversidad Literaria, 2022)
Participou de concursos nacionais de contos, bem como do GRUPO DE ARTISTAS E ESCRITORES DO GUARUJA — SP, onde teve seus poemas publicados na coletânea ARAUTOS DO ATLANTICO em encontros Culturais do Guarujá.

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