Silvia C.S.P. Martinson
Ele caminhava lentamente pela estrada deixando na areia, marcadas, as suas pisadas.
Nada o atingia e tampouco lhe importava as opiniões dos raros passantes que, de esguelha, lhe observavam. Ia absorto em seus pensamentos, envolto em suas lembranças. Recordava os dias e anos passados quando então dia a dia lutava para sobreviver e elevar-se acima do caos que se formara.
Suas roupas velhas e surradas eram somente o que lhe sobrara de material. O resto... Pouco, agora, lhe chamava a atenção.
Não se esquecera dos anos, dos meses e das datas. Agora era Natal e ele sozinho somente caminhava.
As lembranças assomaram à sua mente e fizeram com que retornasse a tempos já tão idos.
Lembrou-se de quando era criança e da árvore de Natal que seu pai cuidadosamente escolhia e comprava todos os anos para que ele e seu filho, juntos, cada dia, nela colocassem o enfeites até que na noite natalina punham a última bola colorida. Quando o presépio já estava montado, a estrela dourada então era fixada ao alto, na ponta do pinheiro.
No presépio além do estábulo de palha onde ficava o menino Jesus na manjedoura, cercado por sua família e alguns animais domésticos, os campos circundantes eram povoados de bichos variados, de pastores e dos reis magos que, lentamente, se aproximavam cada dia mais daquele local a fim de prestar homenagens ao recém nascido. Estas figuras feitas de gesso e coloridas eram diariamente movimentadas por este homem enquanto menino. Havia ali também um pedaço de espelho que servia para se parecer a um lago onde patos nadavam tranquilamente.
Recordou ainda da noite de Natal onde previamente a mãe havia preparado a ceia. Ceia esta que era consumida e apreciada por um tempo bastante longo até chegar às 12 horas da noite, quando o então relógio antigo da sala batia as doze badaladas.
Na época ele supostamente não entendia porque seu pai ou a sua mãe se ausentavam da mesa por alguns instantes, inexplicavelmente.
Terminada a ceia todos se aproximavam à sala contígua para junto a árvore prestar, através de uma oração, agradecimento ao menino Jesus por sua vinda ao mundo para ensinar e exemplificar aos homens o poder da oração, da bondade, do amor e do perdão.
Feita a oração ele então notava que a árvores estava cercada de presentes que luziam em seus pacotes de papel colorido. Era uma hora de extrema felicidade constatar que as coisas, algumas, com que havia sonhado o ano inteiro, estavam ali depositadas e seriam suas de agora em diante.
Este homem enquanto caminhava solitário por aquela estrada poeirenta recordou-se porque ali se encontrava em um estado tão deprimente. Seu país e o mundo estavam em guerras contínuas.
Os homens haviam se esquecido do que significava o amor e o perdão. Haviam mortos e casas abandonadas pelos caminhos.
Lembrou-se de que sua casa fora destruída pelas bombas e a sua família, mulher e filhos haviam sido mortos pelos soldados inimigos.
Quanta dor, quanta desolação. Ele então ao dar-se conta de tudo isto uma grande dor lhe apunhalou a alma.
E ali, naquele momento, sentou-se ao chão, na terra poeirenta, colocou as mãos no rosto e enfim, em sua absoluta e total solidão, naquele mundo tão cruel e insano, copiosamente, simplesmente chorou.