Álvaro de Almeida Leão
Morlim, Oswaldo e Zecão diariamente se encontram para um carteado amigo no bar de seu Cardoso. Por lá ficam até as 23 horas. Como sempre acontece, Morlim é o primeiro a chegar e também o que mais vibra com as vitórias alcançadas. Seguidamente ganha. Ao perder fica fulo da vida.
Passado algum tempo, seu Cardoso recebe um telefonema:
- Alô, bar do Cardoso, às ordens.
- Oi, aqui é o Oswaldo. Quero falar com o Morlim, ele se encontra?
- Sim aguarde um momentinho. Morlim, telefone, é o Oswaldo.
- Alô, Oswaldo. Estão atrasados, já estou aqui há um tempão.
- Faleceu um amigo comum, meu e do Zecão. Estamos no velório e infelizmente hoje não podemos ir até aí para nossa diversão.
- Bah, amigo Oswaldo. Tô ralado e mal pago. Acostumado com o nosso jogo, nem sei o que fazer para passar esse resto de tempo.
- O mesmo está acontecendo aqui conosco. Estamos nos sentindo fora da casinha. Sabe como é, vício é vício, não é mesmo, Morlim?
- Claro, Oswaldo, eu que o diga. Estou sentindo comichões por todo o corpo. Já tomei um monte de cafezinhos. Enfim, fazer o quê? É da vida.
-- Era isso, Morlim. Até amanhã. Certo?
- Mais do que certo. Um abraço no Zecão.
- Será dado.
Morlim volta pra mesa em que se encontra, totalmente desnorteado. A falta que o estimado e amado joguinho está fazendo não tem no mapa. Daí para uma crise de nervos foi uma questão de minutos. Em dado momento, não se contém e apela para a bondade do Cardoso.
- Cardoso amigo, preciso que me faças um grande favor.
- Pois não, Morlim, se estiver no meu alcance, com muito prazer.
- Não queres jogar comigo? O movimento do bar está calminho.
- Não, obrigado, Morlim, não sou de jogo, nem conheço bem as cartas.
- Então, Cardoso, proponho: nós dois nos posicionamos aí atrás do balcão e jogamos quem consegue dar uma cuspida mais distante. Feito?
- Desculpe, mas não quero.
- Que achas, amanhã chove ou não chove? Escolhe. Ficarei com o contrário do que disseres. Combinado? Jogamos dessa feita?
- Não me leve a mal. Mas jogo é algo que não me atrai.
- Cardoso, me alcança um pedaço daquele queijo ali naquela prateleira do meio.
- Perdão, Morlim, o que há ali não é queijo, é sabão.
- É queijo.
- É sabão.
- E daí... agora sai um joguinho?
- Tudo bem. Me venceste pelo cansaço. Tá jogado.
- Joião. Beleza pura. Até que enfim. Eu digo que é queijo e tu dizes que é sabão. Podes descer a mercadoria para vermos quem ganhou o jogo.
Cardoso vai até a prateleira em que se encontram os produtos de limpeza e traz a barra de sabão que o Morlim apontara como sendo queijo.
- Eis aí, proclama o vencedor.
Morlim, de posse de um naco do sabão, leva até a boca e, não se dando por vencido, -perder não é com ele – diz com a maior cara de pau:
- Ganhei o jogo. Ganhei. Ganhei. É queijo com gosto de sabão.
...Perder não é com o Morlim. Não é mesmo!...