Silvia C.S.P. Martinson
O dia estava gris. Acinzentado.
No céu as nuvens corriam soltas de cor cinza quase negras, carregadas de água e prontas a despejarem-se nas calçadas.
Não havia trânsito.
Parecia que o tempo e os homens haviam parado, sumido.
Na tarde quase noite as ruas estavam desertas.
Ele caminhava só, lentamente, aspirando o ar húmido do entardecer.
Os pensamentos fluíam em seu cérebro com a lentidão de como fora sua vida e que por incrível se passara tão rapidamente ao que, tampouco, a ele, houvesse percebido.
Lutara muito, trabalhara muito, sonhara muito.
E dos sonhos? Ah! Dos sonhos seus? Pouco realizara.
Ajudara a tantos. Às suas custas outros cresceram intelectual e financeiramente. Fora professor de idiomas.
A muitos distribuiu o seu saber.
Alguns tantos o aproveitaram.
E nesta tarde gris, caminhando se perguntava: e para mim o que fiz?
Tivera amores. Tivera-os alguns. No entanto, tão fugazes e passageiros, porque aquela que havia querido junto a si conquistara, sim, por algum tempo e agora, definitivamente a perdera.
Descobriu que ela nunca o amara. Somente o admirara por sua capacidade intelectual, porém para si ambicionava mais.
Ele queria conforto, lazer, viagens, coisas que como mero professor não lhe podia oferecer.
Tiveram filhos.
Ela os criara a seu modo e maneira de pensar. Não havia afinidade entre eles somente o interesse financeiro os movia.
Um dia ele finalmente caiu em si e se deu conta de quanto estava perdendo tempo em ser feliz face aos seus preconceitos e uma ética que a ninguém importava, muito menos à sua família.
Entendeu que o mundo, os conceitos de felicidade e responsabilidade mudam também. E que apesar de sua rigidez, acima de tudo, tinha o dever de amar a si mesmo em primeiro lugar.
Constatando tudo isso e do tempo que havia gasto em provar aos outros que era uma pessoa rígida em seus conceitos morais, entrou em profundo sentimento de perda.
Naquele dia saiu a caminhar em profunda introspecção e ao passar na frente de um bar resolveu entrar e tomar um copo de vinho para, quem sabe, aliviar a sua dor.
E assim o fez.
No entanto, os copos se sucederam um após o outro.
Embebedou-se. E semiconsciente saiu a caminhar cambaleante para sua casa. Ali chegando ninguém prestou atenção ao seu estado, somente lhes preocupou o dinheiro que havia gasto no bar.
Mesmo bêbado ele verificou com profunda tristeza a atitude de seus familiares.
No dia seguinte, já em seu estado normal tomou uma decisão. Saiu, foi ao banco, retirou todo o dinheiro da conta que tinha em conjunto com a mulher.
Voltou à casa, escreveu uma carta deixando à família seus bens materiais, pegou seu relógio que havia esquecido sobre a mesa de cabeceira, no armário do quarto tomou de uma mochila e colocou dentro dela algumas roupas necessárias ao que resolvera fazer e mais ainda todos os seus documentos.
Assim fazendo, abriu a porta da casa, saiu e fechou-a com algum estrondo.
Caminhando chegou a uma estrada onde outros caminhantes ali já se encontravam a andar, solitários como ele.
Resolveu enfim ser livre e dirigir-se ao lugar com que sempre sonhara conhecer, uma cidade aonde as pessoas costumavam ir para meditar e buscar em si mesmas a harmonia, a felicidade.
Seguiu aliviado e exultante.
A carga que carregara a tantos anos sobre os ombros definitivamente se esvaia em cada kilometro conquistado ao caminho.
Enfim era feliz.
Na casa ninguém lhe sentiu ou notou a ausência.