Autor/aPedro Rivera Jaro

Odiosos abusos

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Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Na cidade mais bonita a oeste de Madri ao sopé da serra de Gredos, na mesma cidade onde nasceram e se criaram meus avós maternos, Pedro e Saturnina, passei uma parte muito importante de minha infância e juventude. Esta cidade não é outra senão Las Rosas de Puerto Real, na qual meus pais fizeram construir um pequeno chalezinho em 1959.

Neste chalezinho passávamos meus irmãos e eu, junto com nossa querida mãe, a maior parte do verão, uma vez que haviam acabado as classes escolares.

Meu pai ficava em Madri trabalhando com seu caminhão durante a semana e no sábado pela tarde chegava à cidade no Ford do primo Luis, porque então em casa não tínhamos, todavia automóvel de passeio, até que em 1969 meus pais compraram um automóvel de marca SEAT, modelo 1500, dois faróis, de cor branca, muito elegante para a época na Espanha.

Passava a noite de sábado e domingo até a última hora da tarde na qual voltavam a Madri para, na segunda-feira, começar a trabalhar numa nova semana. Antes de sair de volta a Madri me deixava assinaladas as tarefas para a semana que eu teria que fazer para quando ele voltasse no sábado seguinte.

Não obstante as tarefas, todavia, tinha muito tempo para desfrutar durante todo o resto do dia. Pela manhã costumava, eu, a acompanhar meu amigo Antonio (Pastillas), quando levava as vacas aos prados onde pastavam.

No caminho com estilingues tentávamos caçar pássaros pelas árvores e amoreiras, coisa que Pastilla conseguia seguidamente e eu raras vezes.

Quando voltávamos à cidade pegávamos os maiôs e subíamos à piscina para dar-nos um banho e nadar um pouco.

Depois nos sentávamos ao redor de uma mesa para quatro e ali aprendíamos com os anciões o brilhante e ao tute.

As 2 do meio dia tinha que estar em casa para comer e depois disto mamãe nos obrigava a dormir uma sesta.

Pela tarde havia trabalhos no jardim da casa. Quando já caia a tarde subíamos de novo à piscina a jogar cartas. Ainda que fossemos, todavia, muito crianças, na pista de baile aprendíamos a dançar com as meninas, abaixo do atento de suas mães e avós que estavam sentadas em um banco que existia ao redor do tronco de uma grande árvore.

Também passou vários verões conosco minha prima Luisinha, depois de que faleceu sua mamãe, minha tia Fernanda.

O pai de minha prima, meu tio Luis, vinha cada domingo em um ônibus de linha e todos nós baixávamos a estrada velha de EL CHORRILLO, ao cruzamento de Cinco Castaños para esperá-lo.

Pela tarde costumava voltar a Madri com o primo Luis  com meu pai no carro do primo, ou senão no ônibus.

Houve um verão em que minha prima Rosita o passou conosco e recordo algumas anedotas que nos ocorriam, porque éramos garotos da cidade e nos assustava por exemplo cruzar-nos com as vacas que baixavam soltas a beber água do poste que havia no Matadouro Municipal e frente a lavanderia pública.

Prontamente aprendemos que aquelas vacas eram mansas e que não ofereciam nenhum perigo para nossa integridade física.

Num verão, podia ser no ano de 1963, veio a viver na cidade uma família da cidade vizinha de Casillas.

A família se compunha do casal e três filhos homens e a todos eles se denominava, os Castanheiros.

O homem era construtor. E de construtor esteve trabalhando construindo uma casa. O filho mais velho ajudava o pai preparando os baldes de massa e chegando-os ao ponto do trabalho de seu pai.

O filho do meio e eu nos fizemos amigos e andávamos muito tempo juntos.

Uma segunda-feira o fui buscar em sua casa, junto a praça da cidade, no beco da casa de tia Beatriz e quando depois de chamar a porta a abriu sua mãe, vi com grande assombro que tinha a cara, a zona por debaixo dos olhos e bochechas completamente machucada.

Quando saiu seu filho e nos afastamos da casa, lhe perguntei o que havia acontecido a sua mãe.

            Ele se entristeceu e me contou que seu pai, que habitualmente parecia um bom homem, porém, nos fins de semana bebia e se embebedava. E uma vez que estava bêbado golpeava sua esposa. Disse-me que o fazia seguidamente e que no dia seguinte com a embriaguez já passada lhe pedia perdão de joelhos, prometendo que nunca mais voltaria a fazê-lo.

            Eu, desde aquele dia, tomei uma raiva tremenda ao pai de meu amigo por seu malvado comportamento com sua esposa e mãe de seus filhos. Nunca mais troquei uma palavra com ele pensando no sofrimento daquela boa mulher.

            Lembrou-me, esta história a um taxista, alcoólico, que era o pai de Torres um companheiro de meu Colégio de São Pedro, que batia em sua mulher, a mamãe de Torres. Aquela senhora ia ao quartel de Guarda Civil com a cara cheia de machucados e contusões para por uma queixa e o guarda de plantão lhe dizia que essas eram coisas de casamento que haviam de ser resolvidas em casa e que não podia escrever a denuncia.

            Estavámos nos primeiros sessenta. As pessoas de minha geração, igualmente mulheres e homens, lutamos para alcançar a maior idade, para que aquela situação tão injusta mudasse inescapavelmente mediante as mudanças pertinentes nas leis.

            Quero aproveitar para citar igualmente aqui as mudanças ocorridas no que se refere aos grupos integrados no coletivo LGTBI, que durante muitíssimos anos sofreram perseguições e discriminações, tudo motivado pelo incrível delito de suas preferencias sexuais.

Dois presentes de Natal

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Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Escutei uma preciosa história. E é tão preciosa que está prenhe de amor e sacrifício.
Poucas vezes me toca uma história estrangeira tão dentro de meu coração e comove tanto ao meu eu interior.

Escutei-a em uma emissora de rádio e imediatamente senti a necessidade de contar a todos.

Protagonizam-na duas pessoas que se amam. Uma mulher jovem, Cristina e um homem igualmente jovem, Manuel. Ambos vivem casados e suas disponibilidades econômicas são bem escassas.

Têm o costume, aprendido de seus antepassados, de presentear ao seu consorte no Natal, porém levam algum tempo sem obter renda, ou conseguindo renda muito reduzida, por uma grande crise econômica sobrevinda em seu país.

Cristina se deu conta de que não dispõe de poupança para comprar um presente para seu Manuel. Dá um repasso em sua casa e se dá conta de que não tem nada de valor que pudesse vender ou empenhar. A seguir limpando-se frente ao espelho repara em sua preciosa, longa e ondulada cabeleira que cai desde sua cabeça até mais abaixo de sua cintura.

Sem duvidar, um momento sai à rua e se dirige a uma loja onde vendem e confeccionam, com cabelos naturais, perucas. Em tal loja lhe oferecem em dinheiro o que necessita para poder comprar o presente que deseja obsequiar a Manuel e que consiste em uma grossa corrente de prata para o relógio de bolso, que presenteou a Manuel seu pai, quando ainda vivia, e ao qual Manuel lhe tem grande estima e do qual tem necessidade.
Ali mesmo lhe cortam o cabelo.

Aproxima-se de uma joalheria compra a corrente e pede que a envolvam para presente.

Quando Manuel chegou à casa naquele entardecer e entrou nela se surpreendeu ao encontrar a Cristina com o cabelo cortado, porém somente fez uma observação: “te hás cortado o cabelo.”

Sentaram-se à mesa para jantar e Manuel entregou a ela um pacote envolto em papel de presente, ao tempo em que ela entregava o seu.

Cristina abriu seu presente e viu que consistia em um broche grande de Carey para sujeitar sua bonita e inexistente cabeleira. Ao mesmo tempo Manuel havia aberto seu presente e viu a preciosa corrente de prata e a guardou no bolso.

Cristina lhe disse que não a guardasse e sim a pusesse em seu relógio e a pendurasse nos botões de seu casaco. Manuel com um sorriso respondeu a sua amada que havia vendido o relógio para poder comprar-lhe o presente.

¿Pode haver maior sacrifício por amor que renunciar as mais apreciadas posses para tentar fazer feliz a pessoa amada?

O assassinato do médico de Cespedosa de Tormes

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Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

A vila de Cespedosa deTormes está situada sobre a antiquíssima fronteira de Castilha e de Leon, entre as províncias de Avila e Salamanca, na zona conhecida como Alto Tormes, em referência ao dito afluente do Doro.

A maioria de seus moradores são gente humilde que se dedica ao cultivo da terra e à criação de seus animais.

No dia 10 de julho de 1912, Don Leopoldo Soler, médico titular de Cespedosa, viúvo e pai de uma menina de tão somente quatro anos de idade, apareceu no lugar onde se encontram as ruas de Pablo Prieto e a praça Doutor Ramon Martin Frutos, dessangrado pelo corte que sofria nas veias e artérias do pescoço. Ali o deixaram sentado, qualquer que queria que executasse seu assassinato.

Don Leopoldo procedia de uma boa família da capital de Salamanca. Foi um estudante brilhante e se destacou também em todas as atividades sociais. Reuniões, comícios, algazarras contavam com sua assinalada presença.

Casou-se com Basilia Cáceres, filha de um renomado e bem considerado advogado e posteriormente em 1906 obteve o lugar de médico em Cereceda, de onde em pouco tempo passou a Cespedosa de Tormes.
Muito rapidamente se converteu em um personagem relevante no povoado, junto ao prefeito, ao sacerdote, ao juiz, ao farmacêutico e aos professores. Caiu na graça do povoado, ao menos no princípio, porém em pouco tempo isso mudou porque a se saber, segundo o rumor que corria no povoado, quando visitava suas pacientes femininas, parece abusava delas e para maior delito quando via o noivo ou o marido, não se recatava em dizer: “tu jogando a partida, entretanto eu, na cama com tua mulher.”

Os varões do povoado começaram a variar sua opinião do doutor, já que sua estendida fama de Don Juan, foi motivo de despeito e ciúmes entre os homens.

A atitude do médico se agravou ao falecer sua jovem esposa Basilia, por trás de uma curta enfermidade que a levou para a tumba.
Três meses depois de enviuvar, uma menina encontrou seu corpo degolado e sem vida, sentado na rua Pablo Prieto.
Avisou ao irmão do médico, que residia na mesma casa de seu irmão e este avisou a Guarda Civil.

Um repórter do diário El Adelanto de Salamanca a quem chamavam El Timbalero, José Sanchez, com experiência em outros crimes anteriores, tentou obter informação, porém se encontrou com um muro de silêncio, como já havia ocorrido antes ao juiz instrutor Don José de la Concha.

Aparentemente o doutor era um homem muito querido e respeitado. Lamentavam muito sua morte, porém ninguém colaborava no esclarecimento do crime.

O juiz optou por deter nove homens e duas mulheres. Todos eles entraram nos calabouços com a intenção de dissuadir-lhes de romper seu silêncio. Depois dos interrogatórios por parte da Guarda Civil ficaram três suspeitos principais presos.

O primeiro deles Ciriaco Hernández, apelidado O Brucho, era o matador do povoado que por seu ofício sacrificava ovelhas, cabras e porcos, cada dia de a matança com sua hábil mão manejando as facas e conhecia a perfeição veias e artérias, assim como sua localização para uma morte rápida e segura. Tudo isto unido a uma má relação com o médico, motivada pelos comentários que corriam pelo povoado e que falavam de que a mulher do O Brucho, Gaspara, mantinha com o médico uma relação a escondidas do marido, porém é sabido que estas coisas nos povoados são conhecidas e comentadas, o que constitui motivo de ridículo e fofoca às costas do suposto cornudo.

Como diz um conhecido dito castelhano: “ Não sinto que me ponham as guampas, senão a risadinha que lhes entra quando passo.”

O Brucho havia exigido esclarecimentos chamando a acareação a Gaspara e a Don Leopoldo parece, no entanto, que não se convenceu com as explicações recebidas.

O segundo suspeito, Pablo Vallejo, Pablines, em lugar de sua esposa se tratava de sua filha, porém neste caso parece que o médico tinha a intenção de casar-se com ela ao ficar viúvo.

O terceiro suspeito era Santiago Hernández, Chaguete, como costumavam em Salamanca a chamar aos Santiagos.

Uma testemunha o localizou na última noite com vida do médico em uma taberna do povoado dizendo a dois vizinhos que havia de matar o médico.

Ainda que os interrogatórios fossem aplicados com muita dureza, os detidos negaram sua implicação uma e outra vez. Ao final foram postos em liberdade. Todo o assunto acabou sendo considerado um crime coletivo, como ocorreu na famosa obra de Fuenteovejuna, onde mataram ao Comendador todos a uma.

Durante muitos anos os médicos procuravam permanecer o menor tempo possível naquele povoado, até que foi sendo esquecida a virulência do crime e da memória coletiva.
Nunca se chegou saber pela Justiça a realidade do ocorrido, porém sim, existem comentários de alguns naturais de Cespedosa de Tormes, que falavam de que alguma família do povoado seguiu guardando um importante segredo durante várias gerações, porque um de seus membros havia abandonado o povoado na mesma noite do crime no lombo de sua mula e nunca revelou seu destino real, ainda que parece viajou até Tucuman na Argentina e ali permaneceu até a hora de sua morte, amparado no silêncio do povoado, que considerava justo o que aconteceu aquele senhorzinho que não se privava de satisfazer seu capricho à custa da honra dos demais habitantes.

Hoje em dia as condições e direitos são muito diferentes, porém então as mulheres estavam mais desprotegidas e igualmente seus familiares, quando se tratava pessoas humildes.

Protecção contra pombos

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Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Há cerca de vinte anos, aproximadamente em 2002, devido à minha situação laboral, ou melhor, devido à minha incapacidade de encontrar emprego como Economista, provavelmente por ter 52 anos e apenas três mestrados, aceitei dedicar-me ao trabalho de venda porta a porta. A venda por porta fria significava tocar à campainha das empresas e das casas particulares e oferecer os produtos da carteira.

Nessa altura, oferecia redes invisíveis e varas de 40 centímetros de comprimento com uma dupla fila de fios eretos. Ambos os produtos destinavam-se a evitar que os pombos se empoleirassem e fizessem ninhos nos edifícios que se pretendiam proteger contra os excrementos dos pombos e os danos causados nas fachadas e telhados pela acidez dos excrementos desses animais.

Um dia, quando estava de visita na rua Toledo, em Madrid, entrei numa igreja e comecei a falar com a sacristã, que me disse que eu devia explicar isto a Don Jesús, que era o pároco da igreja. Disse-me que esperasse, porque ia ver se Dom Jesus me podia receber para eu lhe explicar pessoalmente.

Dez minutos depois, regressou acompanhada pelo padre, que ouviu com muita amabilidade todo o meu repertório comercial para convencer-lhe a tirar os pobres pombos da igreja.

Depois de ter escutado todas as minhas explicações, Don Jesús, com um sorriso de comiseração, perguntou-me: "Sabe em que igreja estamos? E sem me dar tempo para responder, acrescentou: "Esta é a igreja da Virgem das Pombas".

Pensei imediatamente que tinha metido os pés pelas mãos, mas até esse dia não sabia que esta igreja tinha duas entradas, uma na rua Toledo, que era onde eu estava, e outra que eu conhecia, que se situa na rua de La Paloma, na esquina da rua Isabel Tintero.

O bom padre não podia admitir, no seu íntimo, eliminar os pombos que davam nome à igreja, por mais benefícios que pudesse obter para melhorar o seu aspecto exterior.
Mais uma vez vi que a vida nos dá lições quando menos esperamos.

Um marido infiel

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Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Minha amiga Alicia é Diretora Executiva de uma importante empresa multinacional do setor têxtil. Dentro de suas obrigações laborais tinha que planificar a implantação e desenvolvimento da rede comercial em outros países estrangeiros. Para isto tinha que viajar a estes países durante prazos de tempo que se prolongavam até três meses. E durante esses meses ela queria que sua mãe se encarregasse de vir cuidar do genro em suas ausências.

Seu marido, o genro da senhora, não tinha uma relação amistosa com a sogra e seu pretexto é de que não daria tanto trabalho, porque já era uma senhora bastante idosa, convenceu a esposa de que mais proveitoso seria contratar uma empregada interna para seu serviço e manutenção da casa.

Um par de semanas depois da saída de Alicia sua mãe se apresentou na casa do casal para comer. Quando a conheceu observou que era uma senhorita jovem, muito bonita e não lhe pareceu muito acertada a escolha.
Quando terminada a comida a sogra deu por terminada a visita e se foi a sua casa.

A criada recolheu os pratos, cobertas e demais utensílios de cozinha e os pôs na lavadora de louças.

No dia seguinte se pôs a coloca-los em suas estantes correspondentes e observou que faltava uma concha de prata com a qual havia servido a sopa no dia anterior.

Ao dia seguinte a buscou pela casa sem a encontrar e comunicou a falta ao dono da residência, que lhe recomendou que voltasse a procurar no outro dia, porque seguramente apareceria em qualquer lugar debaixo de algum móvel o assim.

No próximo dia a esteve buscando novamente e com o mesmo resultado.

Voltou a dizer ao dono e este pensou em perguntar a sua sogra se o havia visto. O fez e ela lhe respondeu que a havia deixado no quarto da criada debaixo do travesseiro.
E em ato seguinte perguntou a seu genro: Onde havia dormido todas estas noites a criada?

Meu tio Mete

M

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson
Narrado por Emeterio Rivera

Minha família paterna é oriunda de um povoado de Toledo chamado Gerindote.

Meu avô Apolonio quando muito jovem foi levado pelo exército espanhol à guerra de Mellila no Marrocos.

Em outro momento os contarei este episódio da vida de meu avô, porém agora quero falar-lhes de meu tio Emeterio, que era o terceiro por ordem de nascimento dos cinco que tiveram meu avô Apolonio e minha avó Isabel.

Lucia, Luis, Emeterio, Felix meu pai e Victor cujo verdadeiro nome era Julian, porém chamado Victor por ser este o nome de seu padrinho.

A seguinte narração está escrita por um dos netos de meu tio Emeterio, sobre um bloco manuscrito por ele. Seu neto lhe chamava Tello,  o avô Tello.

É uma estória de um homem sensível que me foi dada, a mim, seu sobrinho Pedro.

Neste momento me embarga a emoção pela recordação de um dos meus muito queridos tios. 

Que Deus te tenha em sua gloria tio querido.

Ainda recordo quando, com um lápis me desenhava um pato sobre uma folha de papel quadriculado de um pequeno bloco.

Agora, o faço eu mesmo para minha bisneta Makenna, minha americanazinha querida de 5 anos  que vive nos Estados Unidos.

Quero que vocês saibam que em minhas histórias, não faço distinção entre esquerda e direita, porque entre outras razões, acredito firmemente que pessoas boas podem ser encontradas em todas as crenças políticas, assim como pessoas más.

Temos que nos colocar no início dos anos quarenta, conhecidos como os anos da fome na Espanha. Após uma sangrenta guerra civil, na qual os espanhóis foram colocados contra os espanhóis, a Espanha foi devastada, seus campos tornaram-se improdutivos, a nata de seu povo havia morrido, sido mutilada ou forçada a fugir para fora da Espanha, por medo de represálias por parte dos vencedores contra os vencidos. Toda a Espanha se tornou um imenso campo de prisioneiros, no qual cada prisioneiro era investigado sem pressa sobre seus antecedentes e com todas as informações que as pessoas que o conheciam podiam fornecer. Mais tarde as democracias europeias, uma vez terminada a Segunda Guerra Mundial com a derrota dos nacional-socialista alemães e dos fascistas italianos, decretaram o isolamento da Espanha, motivadas pelo fato de que o lado vencedor do exército espanhol deveria estar alinhado com os vencidos na Europa. O maná que o Plano Marshall trouxe para a Europa não deixou um único dólar na Espanha, portanto o dano foi feito, não aos nossos governantes, mas ao povo espanhol, cujas classes mais pobres sofreram o flagelo da fome e doenças como a tuberculose, com milhares de mortes entre seus habitantes.
Meu tio Emeterio, a quem sua família inteira chamou de Mete e que, quando ele se tornou avô, um de seus netos chamava-o de Tello enquanto era um menino, era o terceiro de cinco irmãos que ficaram sem mãe em 1928. Minha avó Isabel, nascida em um pequeno vilarejo de Toledo perto de Torrijos, chamado Gerindote, de onde seu marido Apolonio e seus cinco filhos também eram originários .

Ela contava que se mudou para viver em um bairro muito humilde no sul de Madri, com seu marido e filhos, onde morreu no início dos anos trinta. Meu avô Apolonio nunca quis se casar novamente e permaneceu viúvo até sua morte, trabalhando com a família Ferrando, proprietários de terras no sul de Madri (Pradolongo, San Fermín, Ciudad de los Ángeles, Orcasitas, etc.), e de um Parador de Ganados, onde os fazendeiros que traziam os animais para o matadouro de Madri e os colocavam na noite anterior à sua chegada para abate.

Meu tio Mete obsequiou-me com uma história que ele viveu quando tinha 19 ou 20 anos de idade e trabalhou em uma oficina de reparação de carruagens, de propriedade do Sr. Diego Hurtado, escrita à mão por ele, e datilografada por um de seus netos. Este relato é a maior parte do traje que eu confeccionei, cortando aqui e acrescentando ali, e que diz o seguinte:
O trabalho de conserto de carroças foi muito difícil, muito diferente do de um carpinteiro ou marceneiro. Neste ofício, foi utilizada madeira de carvalho para os raios e para os fusos das rodas, choupo preto para os cubos, também para as rodas, as vigas e toda a estrutura da carruagem. As cinzas também foram utilizadas para as pernas. O ferro também foi usado extensivamente na fabricação de um carrinho, na fabricação dos pneus e aros dos cubos das rodas, barras laterais e placas de reforço. Todo este ferro teve que ser preparado e forjado na forja à mão, usando martelos e tornos. Na forja eles tinham um fole para acender o carvão e para fazer furos no ferro, eles tinham uma furadeira com um volante que tinha que ser movido manualmente, porque naquela época eles não tinham outro meio mais conveniente de fazê-los.

A oficina estava localizada no sul de Madri, no bairro de Las Carolinas, perto da antiga estrada da Andaluzia, agora chamada Calle de Antonio López, em cuja estrada uma linha ferroviária atravessava, com uma passagem de nível com barreiras, onde os veículos que viajavam ao longo dela, quando um trem se aproximava abaixava as barreiras, paravam até terminar de passar e depois retomavam sua viagem.

Numa tarde muito fria de dezembro, quando estavam trabalhando na oficina, chegou um homem com uma carroça puxada por uma mula. Era uma carroça muito bonita, do tipo valenciano, com seu toldo e cortinas, bem pintados, e com uma arca no fundo, onde os motoristas da carroça carregavam seus pertences pessoais, além da carga de mercadorias que estavam transportando.

Este senhor entrou na oficina dizendo que tinha sido atingido na lateral da carroça que havia se quebrado, então ele precisava consertá-la. O mestre da oficina lhe disse para deixá-la por mais um dia, pois naquela época não havia espaço interno para trazer a carroça para dentro, e estava muito frio lá fora para poder trabalhar. Mas o homem insistiu tanto que finalmente convenceu o mestre, que disse a Emeterio para ir lá fora e consertá-lo. Emeterio o fez, pegando as ferramentas e saindo para a rua, onde o vento norte soprava e estava gelado.

O proprietário da carroça ficou dentro da oficina e começou a conversar com o mestre ao lado da forja. Enquanto meu tio Mete reparava a carroça, a certa altura ele ficou curioso para ver o que estava dentro da arca e levantou a tampa de madeira que a fechava. Entre outras coisas, havia muitos pequenos fardos de paus com cerca de 10 centímetros de comprimento e um saco de pano com dois pães redondos dentro, cada um com cerca de 35 centímetros de diâmetro. Os olhos de Emeterio foram atraídos por aqueles dois pães, pois já havia muito tempo que ele não via um pão assim. Além dos pães, junto a eles, havia duas salsichas, cada uma medindo cerca de 50 centímetros quando esticadas. Havia também uma panela de barro novinha em folha cheia de fatias de coelho com chouriço em óleo.

Embora estivesse com muita fome, Emeterio colocou a tampa de volta no baú e a deixou exatamente como a havia encontrado no início. Para lhes dar uma ideia de como meu tio Mete estava com fome naquela época, lhes direi que todas as tardes, quando saíam da oficina, ele e seu parceiro Diego, que tinha a mesma idade que ele, e filho do Mestre, iam ao Mercado Central de Frutas e Vegetais em Legazpi, que ficava perto da oficina, lá descarregavam laranjas dos caminhões e para este trabalho lhes davam e cada um deles um bom saco de laranjas e algumas beterrabas que, uma vez fatiadas e assadas, pareciam tão saborosas e enganavam a fome maldita pela qual estavam passando.

Emeterio prosseguiu com seu trabalho, preparou duas placas de ferro e entrou na oficina para fazer alguns furos nelas. Naquele momento, o dono da carroça estava sendo engraçado, dizendo ao Mestre algo que o fazia rir alto, referindo-se aos feixes de palitos de dentes que ele havia armazenado na arca da carroça. Ele disse que alguns dias antes, quando estava chegando ao longo da estrada, viu uma acácia deitada no chão, que havia sido arrastada pelo vento. Ele parou junto a ela e carregou dois braços cheios de galhos da árvore na carroça e fez fardos de quatro paus cada um, sentado na carroça enquanto a mula o levava para o próximo vilarejo na província de Toledo. Quando entrou na aldeia, com os fardos já feitos, colocados em uma cesta, começou a proclamar: "Bastões de ouro para curar a diarreia das crianças" (naqueles dias muitas crianças morriam de diarreia). As mães da aldeia compraram todos os cachos que ele tinha na cesta, a dois reais por cacho. O Mestre e seu filho Diego não riram da venda dos pedaços de ouro, porque o nome da aldeia onde o vigarista os havia vendido era Gerindote, onde meu pai, meu tio Mete e todos os membros de minha família paterna haviam nascido. Meu tio Emeterio percebeu que o vigarista ganhava a vida enganando pessoas humildes e isso lhe causava um profundo desejo de vingança, pelo mal que estava fazendo ao brincar com a dor de outras pessoas. Ele saiu da oficina para terminar de consertar o carro e chamou Diego com a desculpa de que precisava dele e mostrou-lhe o conteúdo da arca, que quando o viu disse a Emeterio: "vamos tirar um pedaço de pão dele", porque se os olhos do meu tio Mete estavam indo, as mãos de Diego já estavam vindo. Meu tio lhe disse que tudo era por sua própria conta. Entrarei na oficina e se você ver que ele vai sair, bata duas vezes com o martelo na grande bigorna duas vezes para me avisar. Eu cuidarei do resto, meu tio lhe disse.

Na rua, naquela tarde fria, ninguém passava por ali. Em frente à oficina havia um terreno onde eles iam construir um galpão e tinham descarregado uma carga de blocos para fazê-lo. Meu tio subiu na pilha de blocos e retirou três deles para um lado, colocou o saco com o pão, as salsichas e o guisado no buraco que ficou, e colocou os blocos de volta em cima para cobrir tudo.

Então ele entrou na oficina e disse a seu mestre que a carroça estava consertada. O Mestre e o motorista da carroça foram para a rua e, após pagar pelos reparos, o dono da mesma convidou o Mestre para tomar uma bebida em um bar perto da estrada, onde ambos entraram no veículo.

Depois de um tempo o Maestro voltou à oficina e cerca de uma hora depois o motorista da carroça voltou à oficina e nos disse que eles haviam levado parte da comida que ele carregava. Emeterio perguntou-lhe onde ele havia deixado a carroça quando entraram no bar, porque se a tivessem deixado do lado de fora, a teriam tirado dele, e disse ainda que: como os veículos pararam na passagem de nível, havia muitos ladrões por perto para roubar deles. O mestre reforçou esta explicação e o proprietário do carro teve que sair resignado à sua perda.

No final do dia de trabalho, o mestre foi para casa e depois Diego e Emeterio, que ficaram para limpar a oficina, saíram à procura de seu tesouro escondido.

Eles o levaram para a oficina, onde o esconderam no que acharam ser o lugar mais seguro, mas não sem antes recolher uma ração para cada um deles. Depois foram para Legazpi, mas não para trabalhar no mercado e sim entraram em um cinema que existia lá, ao lado da entrada do Metrô. Uma vez dentro do cinema, ambos começaram a comer avidamente. Naquele dia eles estavam assistindo o filme La Salvaora, de Lola Flores e Manolo Caracol, mas as pessoas ao seu redor estavam mais interessadas no que estavam comendo do que em assistir ao filme. Durante 5 dias eles estavam comendo do conteúdo do baú da carroça. Em um dos dias eles convidaram um menino de mais ou menos de sua idade com um pedaço de pão e um pedaço de linguiça, porque os olhos do pobre não paravam de vaguear atrás da comida e a eles lhes deu um pouco de compaixão.

Durante aqueles cinco dias, quando minha tia Lucía, sua irmã mais velha que estava encarregada de criar e cuidar de todos os irmãos, lhe serviu o mingau que comiam todas as noites para o jantar, porque não tinham nada melhor, Emeterio não estava com fome. Isso era bom para os outros irmãos, que eram mais capazes de satisfazer seu apetite, mas ela estava preocupada com a falta de apetite de Emeterio, que não ousava explicar a ela por que estava tão relutante.

Meu tio Mete lamentava ter jogado fora aquela nova panela de barro e a deixou no pátio da casa da família, o que muito estranhou a minha tia Lucía que se fartou de perguntar a todos os seus irmãos de onde tinha vindo a panela. Foi um esforço inutil porque ninguém sabia, exceto o tio Mete, que não abriu a boca e fingiu não saber de nada.

Depois de um ano, Diego e Emeterio, ao acabar-se a comida voltaram ao mercado todas as tardes para descarregar caminhões e contaram ao Mestre o que havia acontecido, mas ele não gostou. Depois de um tempo ele os desculpou, percebendo que a maldade do motorista da carroça mais do que merecia o comportamento dos dois meninos, posto que não hesitasse em abusar do desespero das mães de Gerindote em tempos tão difíceis como aqueles.

Crecemos con a rádio

C

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Nos anos cinquenta minha mãe comprou um receptor de rádio da marca Telefunken.

Aquele aparelho era caríssimo para a época, quinhentas pesetas. Era um aparelho de válvulas muito bonito e potente receptor, que recebia emissoras de muitas cidades de toda Europa. Uma de essas emissoras me ficou gravada pela raridade do nome que não era outro senão HILVERSUN. Aquele receptor o comprou minha mãe em uma loja que se chamava El Ojo Mágico na rua Toledo 45 de Madri, onde trabalhava como dependente Elena Palomino, irmã de Paco, o marido da prima Carmen e que era lindíssima, ao menos me parecia. Elena se casou anos depois com um farmacêutico um tanto mais velho que ela e que tinha a farmácia na Rua Mayor, muito perto da praça de mesmo nome de Madri.

Meu pai encomendou a Saturnino, meu vizinho que era carpinteiro de ofício, um suporte quadrado de madeira envernizada e o fixou na parede da cozinha de nossa casa, justamente em cima da mesa, na qual comíamos os seis membros da família, à altura de 1,80 metros. Sobre este suporte se manteve o aparelho de rádio anos e anos. Eu passava muitíssimo tempo escutando e aprendendo de tudo que emitiam pela querida rádio. Recordo que meu pai na hora da comida nos exigia silencio, porque lhe gostava escutar o PARTE.

O PARTE eram as notícias do que vemos na televisão e que chamamos Telediário. Isto provinha de Parte da Guerra que emitia a Radio Nacional nos tempos da Guerra Civil Espanhola.

Todos temos na memória a última parte da guerra do dia um de abril de 1939, porém, creio, será preferível não voltar a recordá-lo. Foram tempos muito duros para os vencedores e mais duros para os vencidos. Eu nasci em 1950 e minhas recordações não incluem aqueles primeiros anos do pós guerra, graças a Deus, porém sim os conheci através de terceiras pessoas que viveram aqueles tristes anos. Embora não gostassem de recordar as privações, as perseguições, os encarceramentos, sempre captava conversações, retalhos do que haviam vivido.

Crescemos com o Rádio, porém o rádio nos transportava a outros mundos muito mais bonitos. Minha mãe escutava as séries irradiadas de Guillermo Sautier Casaseca por exemplo. Recordo Ama Rosa. El Derecho de Nacer. Também recordo da série Dos Hombres Buenos.

Porém como menino que era, o que mais desfrutei foram os contos que contavam cada dia, como por exemplo La Tabla de Multiplicar, Galgos o Podencos, que nos preparavam para a vida de adultos com suas correspondentes moralidades. Aqueles dois coelhos que entretidos em discutir se os cachorros que os perseguiam eram galgos ou eram cães de caça se esqueceram de continuar fugindo e caíram em seus dentes.

Este conto me ensinou que não podemos distrair-nos do que é importante para discutir o acessório.

Outros contos que não esqueço são: La ratita Sabia, La Gallina Marcelina,(que era uma galinha com muita tradição, visto que era de sua avó o Ovo de Colombo), Garbancito, El Gallo Kiriko (a quem ninguém queria limpar o bico para ir ao casamento de seu tio Perico) e El Enano Saltarin.

Todas as manhãs, às 10 horas começava um programa chamado Conozca a Sus Vecinos, aonde aqueles que tivessem preocupações artísticas iam cantar nos microfones da rádio para chegarem a ser conhecidos pelo grande público. Os patrocinadores dos programas anunciam seus produtos através de suas canções comerciais, que meninos aprendíamos e cantávamos em voz alta. Cola Cao ( eu sou aquele negrinho), Okal Almacenes Ruiz (se me queres ver feliz é preciso que me leves aos Armazéns Ruiz, de Hortaleza 19) e Muebles Cabezón.

Nos fins de semana os locutores Bobby Deglané e José Luis Pecker nos convidavam a Cabalgata Fin de Semana e domingo de tarde Carrusel, com seu seguimento de futebol, permitia a meu querido pai comprovar os resultados das partidas e checar os resultados dos pools com a ilusão de acertar os quatorze e fazer-se milionário da noite para o dia. Matilde Vilariño, Pedro Pablo Ayuso, Juana Ginzo, se convertiam em divertidos personagens como: Matilde, Perico e Periquin. As cinco da tarde, La Portera y sus Vecinos, faziam rir a audiência com suas graciosas ocorrências e igualmente sucedia ao meio-dia com La Saga de Los Porretas.

Grandes profissionais que ganhavam os Premios Ondas e Antena de Oro, dirigiam programas de grandes audiências, como por exemplo , Joaquin Prats e Alberto Oliveiras com Ustedes Son Formidables. Havia programas que aparentemente eram para as tardes das damas, porém eram seguidos por inumeráveis varões, como era o caso do Consultorio de Elena Francis, que seguia na antena oitenta.

Recordo de programas solidários tais como a Operación Clavel o qual dirigia o grande Boby Deglané e que recolhia ajudas para os afetados pela inundações de 1961, sofridas pelos sevilhanos.

Mais tarde houve outro programa quando das inundações de Vallés na Catalunha.
Outro grandíssimo profissional do radio, Joaquin Peláez dirigiu a Operación Plus Ultra que selecionava autênticos heróis infantis para que espalhassem seu magnifico exemplo entre os demais meninos.

Humoristas como Gila e Pepe Iglesias El Zorro me fizeram rir sem parar com suas noites hilariantes.

Não acabaria nunca de contar minhas recordações do rádio, tendo em conta que até 1964 não chegou o primeiro televisor a minha casa e assumiu os cuidados da atenção familiar, porém não quero terminar este fio sem mostrar meu agradecimento ao que se chama Peticiones del Oyente, aonde a pedido de familiares e amigos nos chegava <a felicitação de aniversário, mediante as canções em moda, interpretadas pelos cantores mais famosos do momento. Juanito Valderrama cantava El Emigrante, dedicada a aquele filho que estava trabalhando na Alemanha, ou Su Primera Comunión se se tratava do mês de maio e da celebração das comunhões, que então eram grandes celebrações. Antonio Molina nos cantava Soy minero, Angelillo nos levava por seu Camino Verde e tantos outros músicos que com suas composições alegravam nossas vidas.

Quero expressar meu agradecimento a todos os profissionais do radio que com seu esforço, como continuam fazendo-o hoje em dia, nos ajudaram a superar aquela Espanha que tutava contra a desigualdade que nos diferenciava do resto da Europa.

Houve anos em que a gente pensava que a televisão acabaria destruindo o radio, porém o correr do tempo demonstrou que o radio, por sua própria constituição, por seu imediatismo, supera em muitos aspectos a televisão.

Tudo que aprendi de menino escutando aquela Telefunken de válvulas me serviu ao largo de minha vida, de igual modo que me serviram, os ensinamentos de meus pais e de meus mestres.

Durante as noites de meus muitos anos trabalhando como taxista noturno, meu querido radio esteve me acompanhando e há conseguido que as horas transcorressem com presteza

Hoje aos meus 73 anos sigo, escutando cada manhã, o radio e nos fins de semana escuto a Pepa y su No es um día Cualquiera, fazendo-me sentir como se estivesse entre grandes amigos.

Espero não haver vos entediado com minhas recordações. Desejo-vos, a vós outros, que sua vida transcorra com a maior placidez.

Amor paternofilial

A

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson
Fotografía: Makkena, bisnieta del autor. Album familiar de Pedro Rivera Jaro

Eu posso compreender muitas coisas porque tenha lógica e porque sucedem comumente a muitas pessoas. Por exemplo: a ruptura de casais que antes sentiram grande amor entre eles, porém as circunstancias da vida o esgotaram.

O que não entendo e não poderei entender nunca, é que se esqueçam dos filhos que foram fruto desse amor, que é justamente o caso ocorrido nos anos trinta com meu primo Joselin e logo se há repetido, fazem 6 anos com minha bisneta Makenna.

Os obstetras advertiram a minha tia Santa, irmã mais velha de minha mãe, e a meu tio José, seu esposo, no parto de Joselin, que não tivesse mais gravidez porque lhes custaria a vida da mãe e do bebê.

Dois anos depois se cumpriu a predição do médico e minha tia Santa perdeu sua vida assim como a vida do bebê em seu seguinte parto

Em pouco tempo o tio José desapareceu da vida de seu filho Joselin ao emparelhar-se com outra mulher, com a qual teve dois filhos. Ao primeiro deles voltou a pôr o nome José, algo muito criticado pela nossa família, cujos membros (meu avô Pedro, meus tios, minhas tias y minha mãe) se ocuparam de criar com todo carinho a meu primo.

Quis o destino que aquele segundo filho que teve por nome José, falecesse esmagado contra uma parede por um caminhão quando o próprio pai o estava estacionando. Houve algum membro de nossa família que manifestou que se tratava de um castigo de Deus, porém eu sempre havia pensado que Deus não podia participar em um ato de castigo a um mau pai, que terminasse com o falecimento de um menino inocente.

Aquele mau pai voltou a fazer parte da vida de Joselin quando este se casou na idade de vinte e tantos anos.

Minha mãe lhe jogou na cara o esquecimento em que ele havia mantido a seu filho primogênito e o bom senhor deu por desculpa que, seu filho quando o via pela rua lhe apedrejava. Cada um que opine o que prefere.
Graças a Deus o menino teve o carinho e os mimos de toda a família e principalmente de minha mãe e de meu avô Pedro e não sentiu a terrível falta de seus pais.

Muitos anos depois voltei a viver um caso similar nos Estados Unidos na pessoa de3 minha querida bisneta Makenna, que cumprirá 7 anos no próximo mês de Janeiro de 2024.

Ela é filha mais velha de Nicole minha neta mis velha a qual enamorada de Devan, um companheiro de seu colégio, e seu primeiro noivo, formou um casal com ele sendo muito jovens, e com 18 anos trouxe a menina a este mundo.

Como em dois anos depois do nascimento da menina, seu pai Devan se enamorou de outra mulher que já tinha três meninos de outras relações anteriores, saiu da casa matrimonial e começou a viver com ela e seus 3 filhos.
Na atualidade tem 2 meninos mais, fruto desta nova relação de Devan.

Até aqui tudo normal com o arranjo e os costumes da sociedade em que vivem. O que já não acho normal é que Devan se tenha esquecido de que Makenna está no mundo.
Nunca vem vê-la, nunca lhe presenteia, nunca em um aniversário, nenhum São Klaus, nenhum fim de semana...
Que tristeza! Que pena!

Afortunadamente é uma preciosa menina que vive com sua avó Diana, minha filha e com seu esposo Jessie e que a todos queremos muitíssimo e que é espertíssima e cheia de vitalidade.

Não lhe faltam jogos, não lhe faltam presentes, não lhe falta carinho e nem sequer lhe falta amor de seu Daddy, que é como Makenna chama a seu autêntico papai Jessie, que sente por ela a mesma paixão que a menina sente por ele.

Quem perde neste caso é Devan, seu pai genético, que nunca saberá a preciosa menina que Deus lhe presenteou e que há esquecido.
Os filhos não pedem para vir ao mundo, somos os adultos que os trazemos e somente os miseráveis esquecem que eles também foram crianças e que necessitaram do carinho de meus mais velhos para amadurecer sem carências afetivas nem materiais.

Perigos da infancia

P

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson
Fotografía: Album familiar del autor Pedro Rivera Jaro

Não encontro explicação da maneira pela qual os meninos de minha geração (nascidos em 1950) havermos conseguido sobreviver ao ambiente em que nos criamos. Aos meninos de agora os mantemos em algodões para que estejam a salvo de qualquer perigo.

Nós outros jogávamos na rua todo o tempo que nos deixavam livres nossas obrigações, que para a maioria dos meninos eram unicamente o colégio e os deveres postos pelos professores. Em meu caso particular eu tinha deveres que me punham meu pai e minha mãe como eram: cuidar das galinhas, dos coelhos e das pombas, ou fazer os mandados de compras de alimentos para a casa. Também tinha que ir a fonte pública para colher água potável para cozinhar, esfregar e lavar.

Em troca a água de regar o pátio, o galinheiro e o jardim a tirava de um poço que havia escavado meu avô Pedro e que se encontrava em um lugar do pátio junto a pilha de roupas a lavar antes de chegar a casa a primeira lavadora Hoover-Hogel. Por último, todas as noites quando meu pai voltava do trabalho com seu caminhão, eu tinha que lavar os vidros da cabine, os faróis e os pilotos. Também limpava e lustrava os cromodados da frente do caminhão Studebaker. Aos sábados pela manhã tinha que varrer os pátios e a garagem.

Porém, não obstante todo o anterior, tínhamos tempo também para jogar. Desde quando recordo, jogávamos futebol em umas terras que existam bem perto da fonte pública sem cansar-nos nunca enquanto tivesse luz do dia. Jogamos primeiro com bolas feitas de trapos velhos atados. Logo juntamos dinheiro entre todos e compramos uma bolinha de borracha. Por último formamos uma equipe de meninos e aportávamos uma quota de uma peseta cada semana até que pudemos comprar uma bola; por fim uma bola.

Também jogávamos ao esconderijo, ao resgate, a dola, a pasimisi, ao bote bolero, ao para peão e outros muitos jogos sobre as ruas de terra, sem asfaltar, de nosso bairro.

A primeira vez que baixei ao rio Manzanares com meu amigo Tomasin para tentar colher rãs e peixes, sem conseguir, ao voltar para casa com os sapatos, pés e meias manchados de barro e lodo, meu pai me descobriu junto ao cubo de água que havia tirado do poço para lavar-me. E depois de dar-me umas palmadas, me castigou e proibiu terminantemente de baixar ao rio.

Como podeis compreender, ele o fazia para proteger-me evitar que pudesse afundar nos pântanos das margens do rio Manzanares e me afogar nelas. Eu naquela tinha como cinco anos.

Por suposto que, ainda ao risco de receber castigo, a mim encantava baixar ao rio com meus amigos, todos mais velhos que eu, a caçar lagartixas, lagartos e cobras que se criavam por ali, entre aqueles aterros de escombros. Também nas encostas daquelas pequenas montanhas fazíamos o que denominávamos escorredores e com madeira compensada ou caixas, lançávamos punhados de areia e deslizávamos sentados até o fundo da encosta.

Se ao chegar à casa manchado de terra estava nela minha mãe que embora me admoestasse não me batia. Porém se estava meu pai era diferente, porque com aquela mão cheia de calos de trabalhar, carregando o caminhão, que era uma pedra por sua dureza, me dava na bunda. Dizia que na bunda não se rompia nada. Porém o certo é que me doía muito.

Transcorreram uns quantos anos e quando eu contava com uns doze os jogos se foram sendo mais arriscados. Nós juntávamos três ou quatro amigos e com lanternas entravámos pela desembocadura dos coletores do sistema de esgoto do subsolo das ruas de Madri. Recordo de um de meus amigos que, desconheço porque, o chamávamos de Tragamuelles (engolidor de primaveras) e era um jovem que sempre tinha um sorriso na cara. Os coletores eram cofres com uma pequena calçada ao lado da direita e um pouco mais abaixo havia uma condução por onde corriam as águas das ruas até chegar ao rio.

Estes cofres mediam quilômetros e os recorríamos até chegar a Ponte dos Três Olhos a vários quilômetros de nosso bairro San Fermin, ao sul de Madri

De vez em quando víamos ratas enormes que bem corriam pela calçada ou bem nadavam na corrente. Para nós era uma aventura e descobríamos saídas com tampas de ferro pela zona de Legazpi. Essas coisas nunca foram do conhecimento de meus pais, que estou seguro não me haveriam permitido.

Uns quantos anos depois, três crianças entraram e foram surpreendidos por uma tormenta que produziu um forte aguaceiro com sua correspondente avenida de água que inundando a grande velocidade e violência os coletores arrastou os corpos daqueles meninos a muitos quilômetros mais abaixo da saída . E faleceram afogados

Isto mesmo nos poderia haver passado a meus amigos e a mim. E a família só se enteraria quando já não haveria remédio.
Outro dia, para não fazer-me pesado os contarei mais aventuras de minha infância.

Memórias de um taxista

M

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Uma filha do famoso locutor de rádio e apresentador de televisão, Jesus Quintero, conhecido como o LOUCO DA COLINA, que justamente hoje faz um ano de seu falecimento, escreveu um livro narrando muitas das importantes entrevistas que realizou seu papai a personagens como Felipe Gonzáles Márques, Presidente do Governo espanhol, Dolores Ibarruri , La Pasionaria, membro muito importante do Partido Comunista da Espanha, desde os tempos da Segunda República Espanhola e outros muitos que seria prolixo enumerar aqui.

Também recordo nos programas televisivos do Los Ratones Coloraos, personagens conhecidíssimos e popularíssimos como eram Juan El Risitas, Antonio El Perro ou El Cuñao, ou José El Penumbra.

Eu tive o prazer de conhecê-lo em meus tempos de taxista, porque o levei em meu taxi desde o Aeroporto Adolfo Suárez de Madri-Barajas até a Estação de Ave de Atocha. Ele ia vestido com elegante traje muito peculiar de cor marrom claro, e coberto com um gorro de igual cor, com dupla viseira traseira e dianteira, que me lembrou aos trajes que usam os monteiros ingleses nas caçadas de raposa. O acompanhava uma senhora que eu interpretei seria sua secretária, de meia idade e elegantemente vestida, que não abriu seus lábios durante todo o trajeto.

O que me chamou a atenção foi o interesse que mostrou Jesús para conhecer a situação do Grêmio de Taxis, do qual manifestou ser cliente habitual durante os anos em que trabalhando na rádio em Madri terminava a as altas horas da noite.

Lhe comentei a situação provocada pela irrupção no mercado de taxi pelas VTCS (veículos de aluguel com condutor) que teve e segue tendo os efeitos de uma inundação, dada a falta de todo tipo de regulação de horários, dias de pagamento e outras normas que, sim, regulavam milimetricamente a atividade de taxis.

Uma vez chegados à estação de Atocha, Jesús me pagou a corrida e me deu uma grande gorjeta e um amplo sorriso ao que agradeci amplamente. Ha ambas, o sorriso e a generosa gorjeta.   

Em poucos dias recolhi com meu taxi a Santiago Segura, o criador de Torrente, que naqueles dias estava apresentando a obra Los Productores, original de Mel Brooks junto com José Mota na Gran Via.

Ele ia acompanhado de uma senhorita e me solicitou que os levasse ao aeroporto, onde queria tomar um avião com destino a Barcelona.

No radio do taxi eu levava posto um CD e ecoava My Way de Frank Sinatra, lhes manifestei minha disposição de trocar ou apagar a música no caso de não desejarem a escutar. Santiago me demonstrou ser um homem simpaticíssimo e não falsamente como se há dado com outros casos de famosos que, aparentando serem muito simpáticos hão demonstrado tudo ao contrário. Santiago me disse que lhe encantava Sinatra e começou a cantar My Way.

Lhe comentei que uns dias antes havia levado a Jesús Quintero, e o agradável, simpático e generoso que me pareceu, e por suposto a gorjeta que me havia dado.

Quando chegamos e me pagou a corrida encheu suas mãos com todas as moedas que pode reunir e as obsequiou-me dizendo entre risos: “Espero que fales de mim tão bem como hás falado do EL LOCO DE LA COLINA”.

Por suposto que sim Santiago, o farei, porém não só pela gorjeta também, senão por tua enorme simpatia,

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