Autor/aPedro Rivera Jaro

O estilingue do "pastilhas"

O

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

    Lá pelo mês de julho de 1960, quando haviam acabado os estudos e recebidas as notas, meus pais preparavam todo o necessário para nos mover ao belíssimo povoado de Las Rozas de Puerto Real, o povoado de meus avós maternos Pedro e Saturnina, onde meus pais , um ano antes, haviam comprado um pequeno lote de 300 metros quadrados de terreno e haviam construído um pequeno chalé. Em principio tínhamos que transportar móveis e roupas de nossa casa em Madri, que carregávamos no caminhão de meu pai até a nova casa do povoado, no sopé da Sierra de Gredos.

Na cabina do caminhão subiam mamãe com os dois pequenos, Félix e Javi, acompanhando a papai que o conduzia. Meu tio Luis junto com minha prima Luisita, minha irmã Maribel e eu, viajávamos sentados na caixa, sobre uma almofada e sem levantarnos, para que a Guarda Civil da estrada não nos multasse.

Meu pai normalmente aproveitava a festividade de 18 de julho em que se permitia levar pessoas nas caixas de caminhão, porque se faziam excursões ao rio Alberche. Guadarrama e ao Pantano de San Juan, para passar o aniversário do levantamento dos Generais contra a II República, para nos levar ao povoado.

À exceção de meu pai e de meu tio Luis, que regressavam a Madri para trabalhar, todos os demais ficavam em Las Rozas de Puerto Real até o começo das classes no colégio, na primeira dezena de setembro. Ou seja, que durante quase dois meses desfrutávamos de nossa estadia e atividades de verão.

Uma das atividades que eu praticava habitualmente era a prática da caça. Naquela época, à cultura e costumes populares diferiam, em boa medida, das que hoje se consideram normais. Por exemplo: se considerava normal que os meninos caçassem passarinhos pelas vinhas, oliveiras e montes, para que uma vez desplumados e destripados fossem cozidos e servissem de comida.

Meu amigo Antonio, que todos chamávamos Pastillas, tinha um estilingue daqueles que fazíamos com uma forquilha de madeira de oliveira, dois elásticos vindos de rodas velhas de bicicletas, um sapato de couro velho para guardar a porcelana que era o projétil.

Antonio aonde colocava o olho punha a porcelana. Eu ao contrário atirava com uma escopeta de ar comprimido de 4,5mm de calibre e marca Norica, que disparava um tiro de cada vez.

Observávamos aonde pernoitava os bandos de pássaros, vigiando-os ao final da tarde e aonde os localizávamos, nos acercávamos pela noite com uma lanterna de pilhas. Focávamos a lanterna sobre as ramas baixas aonde dormiam as aves e em um tempo já tínhamos umas quantas em nosso poder.

Uma noite saltamos a vala de um vinhedo cerca da igreja do povoado e nas ramas de uma figueira, próxima da torre do campanário, que foi ha séculos, torre Albarrana, localizamos com a lanterna um galo branco dormindo com suas penas muito brancas. Meu querido Pastillas não me deu tempo pra dizer-lhe que não atirasse. Em um instante havia atirado e acertado o galo que caiu ao solo cacarejando com grande estrondo e alvoroço.

Justo, neste momento, estavam saindo umas senhoras da igreja e ao escutar os cacarejos, começaram a dar gritos, motivo pelo qual meu amigo e eu saímos correndo pelas videiras escapando pelo campo a toda, abandonando o galo no lugar onde havia caido, que supus se recuperaria da pedrada.

Outra tarde, observávamos muitos pássaros sobre um curral de ovelhas que tinha o pai de meu amigo Angelillo em um beco que subia ao Barrio de Las Eras desde a Fuente Morisca, junto a casa de Nicomedes.
Naquela noite fomos até ali e entramos no beco. Debaixo das figueiras estivemos um tempo caçando entre as ovelhas.

Quando consideramos que devíamos ir e pulamos a rede de imediato começamos a notar umas picadas nas pernas, por isso nos iluminamos com a lanterna e descobrimos que nossas pernas estavam negras de pulgas e por isso fomos correndo até uma fonte pública perto em cujas pias estivemos nos lavando, totalmente nus, até conseguir desvencilhar-nos daqueles chatos animaizinhos.

Paz nos teus olhos

P

Pedro Rivera Jaro

Traducido al portugués por Silvia C.S.P. Martinson

És a paz na tua beleza
És um farol na minha tempestade
Tu que acalmas as minhas loucuras
Com tua paciência tão pura
Cheiras-me a menta
Que tem a hortelã-pimenta
E a minha agitação transformas
Com a PAZ EM TEU OLHAR
Numa jangada de óleo
Porque eu comecei a notar
Agora que voltaste para mim
Zumbido o das tuas abelhas
Entrando pelos meus ouvidos
Noto o perfume que na tua presença
Todo que a meu ser envolve, e colhendo
Um cacho de uvas doces
Mordendo-as uma a uma
Insisto em comer devagar
Roendo-as, rebentando-as, desacelerando
Absorvendo a sua doçura líquida
Devidamente espremendo
As sementes separando-as com cuidado

Dar un passeio

D

Pedro Rivera Jaro

Traducido al portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Antes do início da guerra civil espanhola em julho de 1936, meu pai, Félix, tinha 13 anos de idade. Quando eu era criança ele me contava em segredo, porque naquela época todas as coisas relacionadas à República eram proibidas, como, à noite, as vans chegavam aos campos de trigo e cevada perto do Barrio de la Perla e Colonia Ferrando, no sul de Madri, que, naquela época, pertenciam à cidade de Villaverde, onde viviam, carregando as pessoas que iam executar, com um ou vários disparos. O que eles chamavam de "dar-lhes a carona".

Meu pai e seus amigos que moravam por perto, observavam tudo em silêncio, deitados no chão, escondidos para que não pudessem ser descobertos. Então, pela manhã, minha mãe, que tinha a mesma idade que meu pai e que vivia no vizinho Bairro de San José, ao lado da Colônia Popular Madrileña, que antes se chamava Colônia de Alfonso XIII, e que hoje é a Colônia de San Fermín, caminhava ao longo das calçadas dos campos à procura dos corpos daqueles que haviam sido baleados e que haviam ouvido à noite.


- Olhe, aqui está um, e ali vejo outro.
- Olha, eles puseram um punhado de espigas de milho em sua boca, como se ele fosse comê-las.

Foi outra humilhação, comparando uma pessoa a uma mula ou a um burro, por comer a mesma comida.

Em outra noite, quase anoitecendo, em uma terra onde os detritos estavam sendo descarregados e transformados em pilhas sucessivas, eles se esconderam quando notaram a aproximação de uma van. As pessoas na van pararam o veículo e cinco pessoas saíram da mesma. Três dessas pessoas estavam carregando pistolas em seus respectivos coldres. Haviam outros dois, um estava vestido de macacão escuro, e como o quinto estava desarmado. O homem de macacão escuro não parava de gritar, uma e outra vez:
- Só quero que me diga por que vai me matar?
Depois de perguntar várias vezes, um dos homens com uma arma lhe respondeu:
- Você se lembra da dança que fez em sua garagem no dia de San Isidro, e quando eu quis entrar, você não me deixou? O de macacão respondeu:
- Sim, eu me lembro.
E aquele que tinha a arma respondeu em voz alta:
- Bem, é por isso que vamos matá-lo agora.

Então aquele com o macacão escuro lhe deu um forte empurrão com as mãos e o jogou para trás e imediatamente começou a correr através das pilhas de terra e para longe dali, na direção do lugar onde meu pai e seus amigos estavam escondidos.

Os homens com as armas começaram a atirar na tentativa de abater o homem em fuga, sem sucesso, mas meu pai me disse que eles viram os flashes de cada tiro na escuridão da noite em avanço, e que eles ouviram as balas assobiando sobre suas cabeças e aterrorizados eles colaram seus corpos à terra e permaneceram imóveis.

Depois de um tempo, aqueles homens tinham saído na van e o silêncio caiu. Meu pai e seus amigos se levantaram, ainda assustados e partiram para casa. Pensei muitas vezes sobre a injustiça que eles queriam cometer contra aquele homem que conseguiu escapar. Também pensei que quando a guerra terminasse, aquele homem, se ainda estivesse vivo, buscaria vingança sobre aquele que o quisera matar?

ANtes da guerra – Meu AVÔ Pedro

A

Pedro Rivera Jaro

Traducido al portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Meu avô Pedro, antes do início da Guerra Civil, tinha acabado de pagar o terceiro caminhão que havia comprado. Ele sofreu o inconveniente de uma falsa acusação de ser um fascista, até provar que não tinha nada a ver com política.  Ele era um homem que nunca soube ler ou escrever, mas que no entanto conhecia os papéis de cada um dos veículos pela cor e o padrão das letras escritas neles.
 
Minha mãe e meu primo Joselín, quando lhes perguntei, quando eu era criança, qual era a marca dos caminhões que o avô Pedro possuía, me diziam que um Chevrolet e um  Ford eram americanos e um Pierce, francês. 
 
Quando a guerra irrompeu, a República requisitou os três caminhões de meu avô, sem se preocuparem como minha família sobreviveria sem as ferramentas com as quais eles ganhavam a vida. 
 
O marido de minha tia Felisa, meu tio Juanito, conseguiu se alistar como motorista de um dos caminhões a fim de controlar para onde o levavam e que vida ele trazia com ele. Esse caminhão, o Chevrolet, foi o único que no final da guerra foi recuperado de um ferro-velho, em ruínas, e como meu tio Juanito sabia de mecânica, ajudado por meu primo Joselín, reconstruíram o caminhão, buscando peças de outros caminhões amontoados nos ferros-velhos, e assim puderam começar a ganhar a vida novamente, após três anos infelizes de morte, destruição e ruína para o povo espanhol, que como sempre acontece, sem culpa das decisões dos políticos, são os que pagam o preço da ruína.
 
Com o surgimento dos militares contra a Segunda República Espanhola, a região ao sul de Madri, que naqueles anos pertencia a Villaverde, onde a família de minha mãe vivia na Colonia Popular Madrileña, que havia sido a Colonia de Alfonso XIII durante a Monarquia e agora se chama Bairro de San Fermín, e a família de meu pai vivia na Colonia Ferrando, formou-se uma frente de guerra e seus habitantes foram evacuados para a rua  Serrano, perto de Goya e outras ruas no centro de Madri.
 
Uma velha vizinha de minha família, Sra. Emilia Arias, esposa do tio Rivera e mãe de Polo, Eugenio, María, Guille, Pepa, Pedro, Emilita e outra garota cujo nome não me lembro, que era muito bonita e casada com Helios, muito bom jogador de futebol, me disse que meu tio Perico corria ao redor dos telhados quebrando as telhas, porque disse que preferia quebrá-las ele mesmo do que tê-las quebradas por bombas.
 
Por volta de 1962 mais ou menos, quando eu era um menino de 12 anos, estava brincando com meus amigos, e de repente foi feito um buraco no chão na Rua Fitero, que acabou se tornando uma velha trincheira da época da guerra, cheia de cartuchos de fuzil. Outro dia nos pomares um pouco mais abaixo, perto do rio, uma concha apareceu um obus quando as videiras estavam sendo cavadas, a dupla da Guarda Civil e alguns especialistas em explosivos vieram imediatamente detoná-la para evitar ferimentos pessoais.
 
Meu primo Joselín me disse que logo após o fim da guerra, quando ele tinha cerca de 10 anos de idade, eles pegavam todo tipo de projéteis que estavam deitados nas trincheiras, faziam uma pilha deles, e tiravam a pólvora de algumas balas, faziam um rastro e, abrigando-se, acendiam-na. De repente, todos os projéteis explodiam e fariam um tremendo rugido. Era assim que aquelas crianças, dos anos da fome, se divertiram.
 
Outro dia eles encontraram enterrada uma arca contendo os objetos de culto da igreja de nosso bairro, o cálice, a patena, etc., que havia sido enterrada antes da guerra, e imediatamente informaram aos guardas que vieram e a levaram para o pároco.
 
Um dia, meus amigos e eu estávamos cavando um buraco para brincar como se fosse uma garagem, com aqueles pequenos carros de madeira e papelão que tínhamos dos Reis Magos e minha mãe veio correndo e repreendeu-nos, porque exatamente onde estávamos brincando, havia uma bateria de artilharia e ela tinha medo que um projétil pudesse estar enterrado ali.
 
Eu conhecia o filho de Dona Lola, que estava sem um olho e um braço devido a uma explosão inesperada enquanto ele e seus amigos brincavam.
 
Quando os habitantes de Madri do Sul (Villaverde) foram evacuados, foram levados para o bairro de Salamanca, onde os proprietários de muitas das casas haviam fugido por medo de represálias de grupos de republicanos descontrolados, cujas ações violentas ocorriam todos os dias contra propriedades e pessoas acusadas de serem de direita, fossem ou não realmente de direita. As casas eram espaçosas e distribuíam para cada núcleo familiar um número de quartos de acordo com o número de pessoas no núcleo familiar, e a cozinha e os banheiros eram para o uso comum de todos aqueles que viviam em cada casa.
 
As casas estavam com os os móveis dos proprietários e me lembro de meu pai me dizer como meu avô Apolonio guardou todos os móveis da casa que haviam sido adjudicados à família em um quarto, e os trancou com um cadeado, que nunca foi aberto, até que o proprietário retornasse no final da guerra, mas contarei a vocês sobre isso mais tarde.
 
Durante a guerra, as pessoas que não tinham como combater o frio no inverno faziam lascas de seus móveis e os queimavam. Muitas árvores foram derrubadas naquela época porque havia necessidades essenciais a serem atendidas, como cozinhar ou aquecer as casas, e eles não tiveram outra escolha senão fazer isso dessa maneira.
 
Por acaso, minha família paterna e minha família materna estavam alojadas em casas a poucas portas de distância na mesma rua, a rua de Serrano. Isto foi o que minha mãe e meu pai me disseram, cada um do seu lado e ambos coincidindo. 
 
Os meninos que tinham idade suficiente para entrar nas fileiras foram enviados para lutar com o exército da República desde o primeiro momento, e aqueles que ainda eram muito jovens foram incorporados mais tarde, nas quintas que eram chamadas de Biberón e Chupete. Meu tio Perico, irmão de minha mãe, e meu tio Emeterio, irmão de meu pai que foi levado para as Montanhas Universais para lutar, se juntaram a eles. 
 
Meu tio Perico, que havia começado a tourear antes da guerra e que havia lutado duas touradas com o nome de Pedro Jaro El Arenerito, porque  trabalhava com o caminhão do meu avô, tirando areia do rio Manzanares e levando-a para os canteiros de obras, terminou sua carreira nas praças de touros e, de acordo com o que ouvi, ele era motorista do General Miaja. Claro que também ouvi dizer que ele estava lutando em Gandesa, mas não tenho certeza sobre isto ou sobre o General, porque eles não queriam falar sobre estas coisas, especialmente porque passaram por grande sofrimento após o fim da guerra, quando falsas acusações acusavam meu avô Pedro, ao irmão mais velho de minha mãe meu tio Lorenzo e ao meu tio Perico, de pertencer ao Socorro Rojo.
 
Minha mãe me disse que Lorenzo ficou doente do estômago por causa das pancadas que recebeu durante os interrogatórios, e que ele tinha fortes hemoragias, sangrando muito.
 
Quanto ao meu tio Perico, minha mãe também disse que durante muito tempo suas costas estavam cheias das marcas das chicotadas que ele recebeu durante os interrogatórios, quando lhe disseram para confessar onde ele havia escondido os Vermelhos, e ele respondeu: "Você pode me bater até a morte, mas eu não posso lhe dizer algo que eu não sei".   Minha mãe também me disse que suas costas eram como as do protagonista do filme "JUSTIÇA CORSA", um filme de 1941 dirigido por Gregory Ratoff e estrelado por Douglas Fairbanks, Ruth Warrick e Akim Tamiroff, baseado na peça escrita por Alexandre Dumas, Os Irmãos Corsos. Eles foram salvos graças à intervenção de um comissário de polícia, cujo nome não vou mencionar aqui, que era amigo de meu tio Lorenzo e conseguiu, com seu apoio pessoal, que e os deixassem em paz. Entretanto, meu tio Perico, após três anos de guerra, teve que cumprir mais seis anos de serviço militar. Naquela época, era obrigatório.
           
Quero escrever uma canção que costumava ouvir meu tio Perico cantar, quando ele não percebia que eu podia ouvi-lo, e dizia assim: Se você quer escrever // você sabe meu paradeiro // Se você quer escrever // você sabe meu paradeiro // Na frente Gandesa // na linha de frente de fogo // na frente Gandesa // na linha de frente de fogo.
 
Durante os dois primeiros anos da guerra, Madri suportou os bombardeios da força aérea nacional.
 
Meu pai costumava me dizer que quando as sirenes de advertência soavam eles tinham que correr para a estação do metrô de Goya, e se refugiavam nos túneis até que o bombardeio parasse e pudessem voltar para suas casas. Meu pai também me disse que quando meu tio Luis estave de licença da frente e voltou para casa para passar com sua família, soou o alarme para avisá-los que o LAS PAVAS estavam chegando, pois assim chamavam os bombardeiros que lançavam as bombas de 500 quilos.
 
Meu tio Luis, por mais que minha tia Lucía lhe puxasse o braço para levá-lo a correr para o abrigo do metrô, recusou-se a sair da cama. Finalmente, minha tia conseguiu fazê-lo e eles foram se abrigar no túnel. Quando o bombardeio passou e voltaram para casa na cama onde meu tio Luis estava dormindo, havia um pedaço de estilhaço que tinha entrado pela janela do quarto.
 
No final do outono de 1938, restavam apenas alguns meses antes do fim da chamada Guerra Civil Espanhola. A comida era escassa em Madri e até mesmo o pão, que era escuro, feito de centeio ao invés de trigo, era racionado. Este pão racionado era reservado para a criança, meu primo Joselín que devia ter uns 9 anos de idade, para comer.
 
Minha avó Saturnina tinha acabado de morrer e minha mãe e meu primo viviam com meu avô Pedro e tinham muita dificuldade para comer. Isto, junto com os bombardeios e a falta de aquecimento, encorajou meu avô Pedro a seguir os conselhos de minha tia Visitación - que era a esposa de meu tio Lorenzo, que era natural de La Alberca, na província de Murcia - para ir morar em seu vilarejo próximo à capital de murciana, à casa de sua família, ao meu avô com minha mãe e a criança, porque não bombardearam ali os aviões com bombas e os pomares de Murcia já estavam em plena produção de laranjas, que, como agora, eram um alimento maravilhoso.
 
Eles seguiram seu conselho e foram para Murcia, onde minha querida mãe me disse como aquela terra era bela, que meu avô comprava laranjas a meio saco, nos mesmos pomares, e que  saciaram sua fome até o fim da guerra no dia 1º de abril. 
 
Minha mãe sempre se lembrou com carinho de Murcia, de seus pomares e de suas laranjeiras.
Lembro que minha mãe gostava tanto de comer uma laranja quanto as crianças gostam de chupar um pirulito, e ela o fez até sua morte, em 2017, aos 94 anos de idade.
 
No final do conflito fratricida, meu avô tinha acabado de vir a Madri para cuidar de seus negócios e telefonou para minha mãe e meu primo voltarem a Madri de trem. Eles pegaram um trem de mercadorias meio vencidas, que levou quase dois dias para chegar a Madri, e no caminho você pode imaginar de que eles se alimentavam... De fato: laranjas à vontade.
 
Agora o período do pós-guerra os esperava, cujos primeiros anos foram aterrorizantes para o povo humilde da Espanha.
 
Para começar, quando voltaram para suas casas no sul de Madri, em Villaverde, suas casas estavam destruídas pelo efeito das  bombas, já que esses bairros haviam constituído uma frente de guerra. A Colônia Popular Madrilenha também foi destruída.
 
Primeiro eles tiveram que começar a reconstruir as casas onde poderiam se refugiar. É curioso como os seres humanos buscam os caminhos mais escondidos para resolver suas necessidades. 
 
Quando as pessoas foram evacuadas, em algumas casas com jardins havia gaiolas com coelhos, coelhos que não podiam levar para as acomodações que iam receber, então soltaram os animais e os deixaram ir em liberdade. Quando voltaram após três anos, esses coelhos deixaram seus descendentes entre as ruínas das casas da colônia que passou a ser chamada de San Fermín. 
 
Joselín me contou que o pai de um amigo meu, cujo sobrenome era Rico, se tornou um hábil caçador e todos os dias apanhava coelhos para seu sustento, usando as armadilhas que ele colocava nas passagens entre as ruínas.
 
Teremos que falar sobre tudo o que conhecemos como estropiar, que nada mais era que a necessidade de sobrevivência de um povo inteiro, diante da fome que assolava o território espanhol, e assim veremos provas de engenhosidade.
 
É por isso que meu pai costumava dizer que: um homem faminto estuda mais de cem advogados.

Estuda mais um esfoemado que cem advogados

E

Pedro Rivera Jaro

Traducido al portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Em algum escrito anterior já os contava que Espanha foi isolada pelas democracias européias vencedoras da II Guerra Mundial, por estar embaixo do mandado do General Francisco Franco Bahamonde, e considerado facista porque esteve apoiado por Hitler e Mussolini durante a duração da Guerra Civil espanhola contra a Segunda República.

Até que em 1959 o presidente norte americano Ike Eisenhower, fechou com o General os acordos de instalação de bases “conjuntas” em Rota, Torrejón de Ardoz e Zaragoza.

Em realidade, o suposto castigo a Franco a quem castigava de verdade era o povo espanhol que carecia do mais necessário para sobreviver. Enfermidades como a tuberculose e a pólio se iscavam sobre adultos e crianças por carecer de medicamentos como a penicilina e os tratamentos necessários.

Do Plano Marshall que semeou a Europa de dólares ao acabar a Segunda Grande Guerra, a Espanha não chegou nenhum, um só.

Foi à época dos cartões de racionamento e de estropeado de alimentos em que se tentava enganar a Fiscalização de Consumo, introduzindo de disfarçados, escondidos entre as roupas e outros lugares mais inverossímeis, nas cidades aonde a diferença das zonas rurais não se produziam ditos alimentos e escasseavam em grande medida, originando uma gravíssima situação de fome entre seus habitantes.

Ervas silvestres que se criavam a beira dos rios como a beldroega, os cardilhos ou as azedas se recolhiam e se comiam para enganar a fome que padeciam.

Os pobres gatos eram capturados e acabavam sendo as proteínas que faziam falta a tantas pessoas.

Contava-me uma senhora que durante a guerra civil ela era a mulher do tenente Garcia do exército Republicano, porém quando acabou passou a ser a mulher do homem gato, dada a atividade de caça de gatos a que se dedicava seu esposo.

Ainda que a muitos possa parecer incrível havia pessoas que se dedicavam a caçar em valas de rio, ratas de água que seguiam o mesmo caminho dos gatos que anteriormente citava. Além disto, se dedicavam a capturar com armadilhas todo tipo de passarinhos.

Hoje que não carecemos de comida podem espantar-nos todos estes fatos, porém então a fome calava as vozes e as consciências.
Naqueles terríveis anos ocorreram coisas que demonstram a criatividade das pessoas para superar situações problemáticas, umas por necessidade e outras por ambição.

Recordo a um rico industrial, hoje já falecido, que me contava como introduziam dentro de sacos de esterco bolsas de lona cheias de pão para passar nos controles de Consumo, como se fossem esterco para adubo de hortas e jardins e, uma vez superado o Controle se tiravam os pães e se vendiam para consumo humano.

E quanto ao transporte: não entravam caminhões de importação na Espanha e fábricas para fazê-los, não tínhamos, até que começaram a entrar Leyland, cuja marca posteriormente cedeu a patente para fabricar os Pegaso e assim mesmo Eduardo Barreiros começou também em GISA, Galicia Industrial S.A, a fabricar os primeiros caminhões Barreiros.

Recordo, sendo eu, muito criança, que meu pai visitava os ferros-velhos quando partia algum rolamento ou outras peças das transmissões, rolamentos, etc. As vezes tinham que cortar peças diferentes e depois soldar os pedaços aproveitáveis de cada uma, para compor uma que poderia ser utilizada para fazer funcionar o caminhão. Eram autênticos mecânicos-artesãos com cujos esforços conseguiram que a Espanha não parasse, por falta de elementos para mantê-la andando. A toda àquela geração devemos agradecimento, pois graças a seu esforço nós avançamos, seus descendentes.

Hoje em dia se há um golpe na chapa metálica se troca a peça danificada por outra nova, porém recordo aqueles trabalhadores de chapas que a base de martelos e tass removeram amassados, para depois aplicar gesso, lixa e pintura até deixar a chapa como nova. Igualmente as tampas de rodas estavam racionadas e recordo uma sala de minha casa que em um de seus cantos meu pai guardava as rodas usadas empilhadas umas sobre outras e delas obtinha pedaços interiores semicirculares, como de meio metro de longitude, que utilizava como reforço interior para evitar explosões da parte mais gasta daquelas rodas usadas. Todos os dias tinha que desmontar e montar rodas que se perfuravam com demasiada frequência.

A palavra de honra

A

Pedro Rivera Jaro

Traducido al portugués por Silvia C.S.P. Martinson

A palavra de um homem tem que valer tanto como uma escritura pública firmada ante um notário.

Assim me ensinou meu pai que por sua vez o aprendeu com meu avô. Não suportava que um homem desse sua palavra e depois não a cumprisse. E isto era aplicável e valia para todas as atividades da vida, ou fosse um negócio ou bem um encontro com os amigos.

Eu recordo, sendo um menino, ao final da década dos cinquenta, que meu pai havia adquirido um segundo caminhão Basculante, marca Chevrolet, para trabalhar na construção e havendo chegado à conclusão de que, por vários motivos, não lhe resultava interessante, decidiu pô-lo a venda.

Um industrial amigo dele se ofereceu para comprá-lo. Falaram ambos e de palavra cerraram o trato em 95.000 pesetas e deixaram para documentar a venda e escriturar na próxima semana.

Uma hora mais tarde, meu pai foi a barbearia de Miguel El Peluca para que o barbeassem (então estavam começando a popularizar-se os primeiros barbeadores elétricos, porém a barbearia era um lugar de atividade social e centro de contato público).

Ali na barbearia outro transportador conhecido de meu pai, que havia se inteirado de que vendia o Chevrolet, lhe fez uma oferta de 125.000 pesetas ao que meu pai lhe respondeu que sentia muito, porém que já havia empenhado sua palavra.

Era uma diferença importante de dinheiro, 30.000 pesetas, que era, mais ou menos, o que custava um piso na zona sul de Madri naqueles anos, porém a palavra para meu pai valia muito mais. Essa quantidade era aproximadamente o que ganhava um trabalhador em dois anos de trabalho.

Muitos anos mais tarde, quando eu era estudante de Ciências Econômicas e Empresariais, tinha um assunto que, era Banca e Bolsa. Nela fazíamos práticas na Bolsa de Madri e durante as mesmas aprendemos que os Agentes de Cambio e Bolsa em suas operações de compra e venda de títulos no mercado de ações, quando operavam nos distintos Círculos, comprando e vendendo, davam sua palavra aceitando uma operação, que logo se refletia por escrito, porém em princípio “Pego ou Vendo” nas distintas cotizações que iam circulando pelos Círculos eram respeitadas sempre. A palavra dada pelos agentes se respeitava 100 por 100, porque se algum deles houvera voltado atrás, do trato aceitado, seria afastado da atividade.

Porém, atualmente, observamos como pessoas que deveriam ser o paradigma da honradez e da honorabilidade, pelos altos cargos públicos que desempenham, mudam de opinião sem a menor indigestão, demonstrando com seus atos, tudo ao contrário do que haviam prometido muito pouco tempo antes.
Este comportamento deveria ser causa suficiente para que, de tais cargos públicos fossem banidos de tais postos, conseguidos a base de mentir aos que os puseram, votando-lhes.

A besta assassina (Viva a morte)

A

Pedro Rivera Jaro

Traducido al portugués por Silvia C.S.P. Martinson

 O Pardo é uma vila nos arredores de Madri, aonde os reis da Espanha, dada a riqueza cinegética, construíram um palácio, onde gostavam de passar suas jornadas de caça. Ali pastavam veados, javalis, coelhos e perdizes em abundância. Ao seu final corria o rio Manzanares, aonde se podiam pescar barbos e outros peixes de água doce como as bogas por exemplo. Tinham aldeias de azinheiras que produziam enormes quantidades de bolotas que serviam sobretudo para alimentar os animais selvagens citados. Se foram construindo ali vários quartéis para a proteção do Palacio Real e das pessoas pertencentes a realeza e a corte dos nobres.

Ao acabar a guerra civil, no ano de 1939, o General Franco, chamado Generalíssimo dos exércitos, passou a habitar o palácio por estar este suficientemente protegido ante possíveis e eventuais ataques, ao mesmo tempo que se fortaleciam as guarnições militares que ali existiam.

O rio Manzanares possuía grandes depósitos de areia limpa que se utilizava e segue se utilizando a construção de edifícios. Em princípios dos anos cinquenta, meu pai, Felix Rivera González, com um pequeno caminhão , transportava areia a varias construções, como por exemplo, recordo, das colônias

Experimentais de San Vicente Paul, próximas a Glorieta Elíptica ou de Fernández Ladreda, que é conhecida por ambos os nomes. Naquela época a Espanha vivia em autarquia absoluta, provocada pelo isolamento a que foi submetida pelas denominadas democracias europeias, como França e Grã Bretanha , até que no ano de 1959 o presidente dos Estados Unidos da America, Eisenhower, visitou nosso país e deu sinal para que começassem a abrirem-se as portas da Espanha aos avanços existentes na Europa, incluindo ao medicamentos como a penicilina para curar infecções. Para castigar ao General Franco faziam padecer todo tipo de penúrias e escassez ao povo espanhol. Como sempre o povo simples pagava todas as faturas do que não havia consumido.

Isto se explica porque então não existiam máquinas escavadoras para carregar os caminhões com areia, cascalho com tijolos, etc. Tudo era feito à força do suor dos trabalhadores, como meu pai e seu ajudante Vicente Rosel, o Chato.

Tinham que tirar primeiro a areia do leito do rio com enxadas grandes com cabo longo que puxavam a areia até beira do rio.

Depois de tirar a areia até a beira do rio, com pás se carregava até a caixa do caminhão até que estivesse cheia.para conduzir o mesmo carregado até as obras em construção. Isto era feito uma e outra vez enquanto durava o dia, com outro agravante, pois tinham as rodas racionadas e necessariamente há viam de trabalhar com rodas velhas e remendadas que necessitavam serem reparadas constantemente porque rebentavam com frequência, máxime que tenhamos em conta que as estradas eram estreitas e cheias de buracos, inclusive as vezes no havia asfalto, nem pavimento, senão eram simples caminhos de terra e cascalho no melhor dos casos.

Pessoas como meu pai e toda sua geração trabalharam até o esgotamento para levantar aquela Espanha de miséria e escassez. Nunca poderemos agradecer bastante àquelas pessoas por seu esforço e dedicação na busca de conseguir tocar adiante a minha geração e as seguintes.

Pois bem, em um daqueles dias em que meu pai havia carregado o caminhão e se dirigia por aquele estreito caminho até a estrada geral, escutou uma buzina que soava insistentemente e pelo espelho retrovisor pode ver um automóvel que chamavam Haiga pedindo passagem. Meu pai imediatamente buscou onde poder estacionar e permitir a passagem, porém não encontrava aonde até que passadas uma centena de metros aí pode encontrar onde estacionar.

O luxuoso automóvel se adiantou e parou a frente, baixou um senhor de uniforme muito furioso que sacando de uma pistola da cartucheira começou a proferir insultos e ameaças contra meu pai, que totalmente assustado e aterrorizado solo conseguia pedir desculpas e dizer que não havia podido estacionar antes.

Aquele senhor que ameaçava com descerrar tiros na cabeça de meu pai, tinha um braço cortado e lhe faltava um olho. Tratava-se nem mais nem menos que o fundador da Legião Millán Astray. Eu sempre admirei e admiro os valentes legionários por seus heroicos comportamentos em combate. Ao conhecer esta historia, anos depois de haver sucedido, pelos lábios de meu progenitor senti uma profunda pena e um furioso rancor por aquele senhor, que naqueles momentos poderia ter-me deixado órfão de pai sem um maior motivo que um estalido de soberba.

Depois de muitos anos entendi o significado do grito de Don Miguel Unamuno: VIVA A VIDA, em contraposição daquele outro proclamado por Millán Astray: VIVA A MORTE

Odiosos abusos

O

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Na cidade mais bonita a oeste de Madri ao sopé da serra de Gredos, na mesma cidade onde nasceram e se criaram meus avós maternos, Pedro e Saturnina, passei uma parte muito importante de minha infância e juventude. Esta cidade não é outra senão Las Rosas de Puerto Real, na qual meus pais fizeram construir um pequeno chalezinho em 1959.

Neste chalezinho passávamos meus irmãos e eu, junto com nossa querida mãe, a maior parte do verão, uma vez que haviam acabado as classes escolares.

Meu pai ficava em Madri trabalhando com seu caminhão durante a semana e no sábado pela tarde chegava à cidade no Ford do primo Luis, porque então em casa não tínhamos, todavia automóvel de passeio, até que em 1969 meus pais compraram um automóvel de marca SEAT, modelo 1500, dois faróis, de cor branca, muito elegante para a época na Espanha.

Passava a noite de sábado e domingo até a última hora da tarde na qual voltavam a Madri para, na segunda-feira, começar a trabalhar numa nova semana. Antes de sair de volta a Madri me deixava assinaladas as tarefas para a semana que eu teria que fazer para quando ele voltasse no sábado seguinte.

Não obstante as tarefas, todavia, tinha muito tempo para desfrutar durante todo o resto do dia. Pela manhã costumava, eu, a acompanhar meu amigo Antonio (Pastillas), quando levava as vacas aos prados onde pastavam.

No caminho com estilingues tentávamos caçar pássaros pelas árvores e amoreiras, coisa que Pastilla conseguia seguidamente e eu raras vezes.

Quando voltávamos à cidade pegávamos os maiôs e subíamos à piscina para dar-nos um banho e nadar um pouco.

Depois nos sentávamos ao redor de uma mesa para quatro e ali aprendíamos com os anciões o brilhante e ao tute.

As 2 do meio dia tinha que estar em casa para comer e depois disto mamãe nos obrigava a dormir uma sesta.

Pela tarde havia trabalhos no jardim da casa. Quando já caia a tarde subíamos de novo à piscina a jogar cartas. Ainda que fossemos, todavia, muito crianças, na pista de baile aprendíamos a dançar com as meninas, abaixo do atento de suas mães e avós que estavam sentadas em um banco que existia ao redor do tronco de uma grande árvore.

Também passou vários verões conosco minha prima Luisinha, depois de que faleceu sua mamãe, minha tia Fernanda.

O pai de minha prima, meu tio Luis, vinha cada domingo em um ônibus de linha e todos nós baixávamos a estrada velha de EL CHORRILLO, ao cruzamento de Cinco Castaños para esperá-lo.

Pela tarde costumava voltar a Madri com o primo Luis  com meu pai no carro do primo, ou senão no ônibus.

Houve um verão em que minha prima Rosita o passou conosco e recordo algumas anedotas que nos ocorriam, porque éramos garotos da cidade e nos assustava por exemplo cruzar-nos com as vacas que baixavam soltas a beber água do poste que havia no Matadouro Municipal e frente a lavanderia pública.

Prontamente aprendemos que aquelas vacas eram mansas e que não ofereciam nenhum perigo para nossa integridade física.

Num verão, podia ser no ano de 1963, veio a viver na cidade uma família da cidade vizinha de Casillas.

A família se compunha do casal e três filhos homens e a todos eles se denominava, os Castanheiros.

O homem era construtor. E de construtor esteve trabalhando construindo uma casa. O filho mais velho ajudava o pai preparando os baldes de massa e chegando-os ao ponto do trabalho de seu pai.

O filho do meio e eu nos fizemos amigos e andávamos muito tempo juntos.

Uma segunda-feira o fui buscar em sua casa, junto a praça da cidade, no beco da casa de tia Beatriz e quando depois de chamar a porta a abriu sua mãe, vi com grande assombro que tinha a cara, a zona por debaixo dos olhos e bochechas completamente machucada.

Quando saiu seu filho e nos afastamos da casa, lhe perguntei o que havia acontecido a sua mãe.

            Ele se entristeceu e me contou que seu pai, que habitualmente parecia um bom homem, porém, nos fins de semana bebia e se embebedava. E uma vez que estava bêbado golpeava sua esposa. Disse-me que o fazia seguidamente e que no dia seguinte com a embriaguez já passada lhe pedia perdão de joelhos, prometendo que nunca mais voltaria a fazê-lo.

            Eu, desde aquele dia, tomei uma raiva tremenda ao pai de meu amigo por seu malvado comportamento com sua esposa e mãe de seus filhos. Nunca mais troquei uma palavra com ele pensando no sofrimento daquela boa mulher.

            Lembrou-me, esta história a um taxista, alcoólico, que era o pai de Torres um companheiro de meu Colégio de São Pedro, que batia em sua mulher, a mamãe de Torres. Aquela senhora ia ao quartel de Guarda Civil com a cara cheia de machucados e contusões para por uma queixa e o guarda de plantão lhe dizia que essas eram coisas de casamento que haviam de ser resolvidas em casa e que não podia escrever a denuncia.

            Estavámos nos primeiros sessenta. As pessoas de minha geração, igualmente mulheres e homens, lutamos para alcançar a maior idade, para que aquela situação tão injusta mudasse inescapavelmente mediante as mudanças pertinentes nas leis.

            Quero aproveitar para citar igualmente aqui as mudanças ocorridas no que se refere aos grupos integrados no coletivo LGTBI, que durante muitíssimos anos sofreram perseguições e discriminações, tudo motivado pelo incrível delito de suas preferencias sexuais.

Dois presentes de Natal

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Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Escutei uma preciosa história. E é tão preciosa que está prenhe de amor e sacrifício.
Poucas vezes me toca uma história estrangeira tão dentro de meu coração e comove tanto ao meu eu interior.

Escutei-a em uma emissora de rádio e imediatamente senti a necessidade de contar a todos.

Protagonizam-na duas pessoas que se amam. Uma mulher jovem, Cristina e um homem igualmente jovem, Manuel. Ambos vivem casados e suas disponibilidades econômicas são bem escassas.

Têm o costume, aprendido de seus antepassados, de presentear ao seu consorte no Natal, porém levam algum tempo sem obter renda, ou conseguindo renda muito reduzida, por uma grande crise econômica sobrevinda em seu país.

Cristina se deu conta de que não dispõe de poupança para comprar um presente para seu Manuel. Dá um repasso em sua casa e se dá conta de que não tem nada de valor que pudesse vender ou empenhar. A seguir limpando-se frente ao espelho repara em sua preciosa, longa e ondulada cabeleira que cai desde sua cabeça até mais abaixo de sua cintura.

Sem duvidar, um momento sai à rua e se dirige a uma loja onde vendem e confeccionam, com cabelos naturais, perucas. Em tal loja lhe oferecem em dinheiro o que necessita para poder comprar o presente que deseja obsequiar a Manuel e que consiste em uma grossa corrente de prata para o relógio de bolso, que presenteou a Manuel seu pai, quando ainda vivia, e ao qual Manuel lhe tem grande estima e do qual tem necessidade.
Ali mesmo lhe cortam o cabelo.

Aproxima-se de uma joalheria compra a corrente e pede que a envolvam para presente.

Quando Manuel chegou à casa naquele entardecer e entrou nela se surpreendeu ao encontrar a Cristina com o cabelo cortado, porém somente fez uma observação: “te hás cortado o cabelo.”

Sentaram-se à mesa para jantar e Manuel entregou a ela um pacote envolto em papel de presente, ao tempo em que ela entregava o seu.

Cristina abriu seu presente e viu que consistia em um broche grande de Carey para sujeitar sua bonita e inexistente cabeleira. Ao mesmo tempo Manuel havia aberto seu presente e viu a preciosa corrente de prata e a guardou no bolso.

Cristina lhe disse que não a guardasse e sim a pusesse em seu relógio e a pendurasse nos botões de seu casaco. Manuel com um sorriso respondeu a sua amada que havia vendido o relógio para poder comprar-lhe o presente.

¿Pode haver maior sacrifício por amor que renunciar as mais apreciadas posses para tentar fazer feliz a pessoa amada?

O assassinato do médico de Cespedosa de Tormes

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Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

A vila de Cespedosa deTormes está situada sobre a antiquíssima fronteira de Castilha e de Leon, entre as províncias de Avila e Salamanca, na zona conhecida como Alto Tormes, em referência ao dito afluente do Doro.

A maioria de seus moradores são gente humilde que se dedica ao cultivo da terra e à criação de seus animais.

No dia 10 de julho de 1912, Don Leopoldo Soler, médico titular de Cespedosa, viúvo e pai de uma menina de tão somente quatro anos de idade, apareceu no lugar onde se encontram as ruas de Pablo Prieto e a praça Doutor Ramon Martin Frutos, dessangrado pelo corte que sofria nas veias e artérias do pescoço. Ali o deixaram sentado, qualquer que queria que executasse seu assassinato.

Don Leopoldo procedia de uma boa família da capital de Salamanca. Foi um estudante brilhante e se destacou também em todas as atividades sociais. Reuniões, comícios, algazarras contavam com sua assinalada presença.

Casou-se com Basilia Cáceres, filha de um renomado e bem considerado advogado e posteriormente em 1906 obteve o lugar de médico em Cereceda, de onde em pouco tempo passou a Cespedosa de Tormes.
Muito rapidamente se converteu em um personagem relevante no povoado, junto ao prefeito, ao sacerdote, ao juiz, ao farmacêutico e aos professores. Caiu na graça do povoado, ao menos no princípio, porém em pouco tempo isso mudou porque a se saber, segundo o rumor que corria no povoado, quando visitava suas pacientes femininas, parece abusava delas e para maior delito quando via o noivo ou o marido, não se recatava em dizer: “tu jogando a partida, entretanto eu, na cama com tua mulher.”

Os varões do povoado começaram a variar sua opinião do doutor, já que sua estendida fama de Don Juan, foi motivo de despeito e ciúmes entre os homens.

A atitude do médico se agravou ao falecer sua jovem esposa Basilia, por trás de uma curta enfermidade que a levou para a tumba.
Três meses depois de enviuvar, uma menina encontrou seu corpo degolado e sem vida, sentado na rua Pablo Prieto.
Avisou ao irmão do médico, que residia na mesma casa de seu irmão e este avisou a Guarda Civil.

Um repórter do diário El Adelanto de Salamanca a quem chamavam El Timbalero, José Sanchez, com experiência em outros crimes anteriores, tentou obter informação, porém se encontrou com um muro de silêncio, como já havia ocorrido antes ao juiz instrutor Don José de la Concha.

Aparentemente o doutor era um homem muito querido e respeitado. Lamentavam muito sua morte, porém ninguém colaborava no esclarecimento do crime.

O juiz optou por deter nove homens e duas mulheres. Todos eles entraram nos calabouços com a intenção de dissuadir-lhes de romper seu silêncio. Depois dos interrogatórios por parte da Guarda Civil ficaram três suspeitos principais presos.

O primeiro deles Ciriaco Hernández, apelidado O Brucho, era o matador do povoado que por seu ofício sacrificava ovelhas, cabras e porcos, cada dia de a matança com sua hábil mão manejando as facas e conhecia a perfeição veias e artérias, assim como sua localização para uma morte rápida e segura. Tudo isto unido a uma má relação com o médico, motivada pelos comentários que corriam pelo povoado e que falavam de que a mulher do O Brucho, Gaspara, mantinha com o médico uma relação a escondidas do marido, porém é sabido que estas coisas nos povoados são conhecidas e comentadas, o que constitui motivo de ridículo e fofoca às costas do suposto cornudo.

Como diz um conhecido dito castelhano: “ Não sinto que me ponham as guampas, senão a risadinha que lhes entra quando passo.”

O Brucho havia exigido esclarecimentos chamando a acareação a Gaspara e a Don Leopoldo parece, no entanto, que não se convenceu com as explicações recebidas.

O segundo suspeito, Pablo Vallejo, Pablines, em lugar de sua esposa se tratava de sua filha, porém neste caso parece que o médico tinha a intenção de casar-se com ela ao ficar viúvo.

O terceiro suspeito era Santiago Hernández, Chaguete, como costumavam em Salamanca a chamar aos Santiagos.

Uma testemunha o localizou na última noite com vida do médico em uma taberna do povoado dizendo a dois vizinhos que havia de matar o médico.

Ainda que os interrogatórios fossem aplicados com muita dureza, os detidos negaram sua implicação uma e outra vez. Ao final foram postos em liberdade. Todo o assunto acabou sendo considerado um crime coletivo, como ocorreu na famosa obra de Fuenteovejuna, onde mataram ao Comendador todos a uma.

Durante muitos anos os médicos procuravam permanecer o menor tempo possível naquele povoado, até que foi sendo esquecida a virulência do crime e da memória coletiva.
Nunca se chegou saber pela Justiça a realidade do ocorrido, porém sim, existem comentários de alguns naturais de Cespedosa de Tormes, que falavam de que alguma família do povoado seguiu guardando um importante segredo durante várias gerações, porque um de seus membros havia abandonado o povoado na mesma noite do crime no lombo de sua mula e nunca revelou seu destino real, ainda que parece viajou até Tucuman na Argentina e ali permaneceu até a hora de sua morte, amparado no silêncio do povoado, que considerava justo o que aconteceu aquele senhorzinho que não se privava de satisfazer seu capricho à custa da honra dos demais habitantes.

Hoje em dia as condições e direitos são muito diferentes, porém então as mulheres estavam mais desprotegidas e igualmente seus familiares, quando se tratava pessoas humildes.

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