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Se eu soubesse ler

S

Álvaro de Almeida Leão

O Aguinaldo, agricultor, solteiro, 23 anos, excelente formação moral, sem saber ler nem escrever, vindo do interior para tentar melhores condições de vida no litoral, conseguiu emprego na cidade grande, por mais modesta que esta fosse, pois era muito valente e em contrapartida, educado, correto e inteligente. Soube, por intermédio de outros também em maus lençóis, que, se soubesse ler e escrever, teria a porta aberta na maioria do prestígio encaminha para empresas pessoas e até de funcionar.

Aguinaldo não pensou duas vezes: frente a frente com o responsável da Organização Não Governamental, solicita-lhe ajuda. Casualmente, no outro dia haveria uma festa nas dependências da Organização, onde o mesmo necessitaria de mais pessoas para arrumação do salão de eventos. Aguinaldo se prontifica para o serviço, mesmo que de graça, pois deseja pedir mais, aceita o convite e imediatamente começa a colocar a mão na massa. Em menos tempo que o esperado, Aguinaldo está à servir mesa de um dos convidados que havia sido solicitado a estava impecavelmente concluído. O seu jeito atencioso, polido, com o serviço do moço, e a simpatia de seu sorriso alegre, atraiu a atenção dele, que a mão a ser de agricultor, que dificilmente conseguiria emprego na cidade, estava ali implorando, implorando a equipe de auxiliares de serviços gerais, procurando, justamente, a mesma, o emprego.

Obsequioso, educado, comunicativo, Aguinaldo é bem quisto por todos. Há, porém, uma restrição à sua continuidade no emprego: legalmente, o registro de alguns telefones, e a escrita, a que sempre lhe falta, o registro de alguns detalhes, e o Aguinaldo não consegue anotá-los, por ser analfabeto.

O coordenador, zela por algum tempo a resolução de dispensá-lo do cargo, do funcionário que mais serve, e que mais resistir às pressões. Muito a contragosto, dá a triste notícia ao Aguinaldo, propondo-lhe o desligamento como emprego oportunamente.

Aguinaldo fica muito pesaroso. Não vislumbra outro emprego à vista, e a saída daquele lugar, quanto lhe doía, e a que fez jus. Despede-se e sai nervoso.

No final da festa, a equipe de pessoas de cafezinho esperam. Procura na imediações um local onde possa satisfazer sua necessidade momentânea de acalmar-se.

Não encontra. Por toda a vizinhança observa que, num rápido comércio, existe uma grande procura e boa venda de cafezinhos. Esse fato faz com que lhe surgisse a ideia de montar um pequeno negócio. Pensou, pensou, e trata de parecer-lhe um futuro promissor.

Mas, para que possa pôr em que pudesse iniciar suas atividades. Conhecido de todos, facilmente o encontra, com alguns amigos, um dos poucos que lhe restou. Com o colega, alugam uma máquina de fazer café, com boas condições, um balcão, dois bancos de madeiras, duas mesas, três bancos pequenos, uma geladeira, dois pequenos balões, açucareiros, guardanapos e demais acessórios de que necessitaria. E aí, parte para o seu novo desafio, pensando para o início de seu pequeno negócio.

Aguinaldo arruma o seu balcão com a freguesia assídua. Expande-se a ponto de poder abrir em outros bairros novas sucursais.

Revista sistematicamente seus lucros. Começa a adquirir os ingredientes que lhe abriram novas ideias. Enriquece o seu cardápio: pães doces e salgados, bolos, sanduíches, tortas salgadas e doces, cucas especiais, salgadinhos e outros. Depois, vem a inovação: o famoso Pão com capricho que fazia gostas!

A sua dedicação ao trabalho que diariamente encontra tempo suficiente para percorrer, com satisfação, seus balcões e suas sucursais. Começa a se expandir para shopping centers, verificando seu perfeito funcionamento.

Em vez de aplicar todo o capital, prefere a compra de um pequeno hotel para se expandir seu negócio para ser maior. O Cafezinho do Aguinaldo já é famoso até fora do Estado.

Agradecido pelo fato de tudo ter mudado em sua vida, na semana seguinte, viaja à cidade, a pedido do negócio de cafezinho. Aguinaldo decide fundar uma indústria de pães e bolos. O nome da sua indústria: Padaria e Confeitaria do Café do Aguinaldo.

Aguinaldo determina a que se candidate a um emprestimo, e a fim de obter o capital necessário para a próxima fase comercial de expansão, por um banco estatal. Aguinaldo acata a ideia e dirige-se ao banco.

É recebido de braços abertos pelo gerente: – Qual o valor do empréstimo pretendido? – Venho solicitar um empréstimo. Estou em intenções de comprar a rede de hotéis.

– Mas que prazer, Aguinaldo. Não sabia. Honra a sua visita a nossa empresa. Temos muito prazer em servi-lo. O seu nome já é uma grata surpresa. Vamos assinar o contrato do quanto solicitar. Seu crédito conosco é ilimitado.

Dito isso, o gerente lhe alcança um contrato de abertura de crédito para que ele possa dar sua assinatura. Aguinaldo, nesse instante, sente-se muito envergonhado e humildemente responde:

– Sou infelizmente não posso assinar. Por enquanto, ainda sou analfabeto.

Nesse instante, o gerente havia anelado o imagine o que o senhor seria se soubesse ler.

Ele era o empregado de sala, perfeitamente útil, aos auxiliares de serviços gerais, numa Organização Não Governamental.

Suspiros

S

Silvia C.S.P. Martinson

Ela vestiu-se toda de branco. O vestido cobria-lhe todo o corpo, não deixando nenhum pedacinho descoberto. Ele era, naquele dia, translúcido, brilhante e de uma luminescência raramente vista antes.

O corpo dela era redondo, estava em sua plenitude de beleza e apresentava em seus picos e relevos formas sedutoras, porém um tanto ensombradas.

Ela queria seduzi-lo de qualquer maneira. Não pretendia, de modo nenhum, perdê-lo de vista ou que ele, nem que fosse por breves minutos ou horas, deixasse de admirá-la e a fizesse feliz por desejá-la tanto.

Estavam os dois próximos ao mar, todavia, os separava uma grande distância. Praticamente insuperável. Todos o sabiam, menos eles, apaixonados que eram um pelo outro.

Mantinham sempre a esperança de que um dia, talvez, em um futuro próximo, pudessem enfim abraçar-se e beijar-se intensamente. E nesta espera, ela aguardou toda a noite para que, por fim, pela manhã, eles se encontrassem.

Aos poucos, o céu foi inundando-se de claridade. No mar, os pássaros, em bandos, já buscavam seu alimento, pousando nas águas onde os peixinhos nadavam livremente. Os barcos zarpavam do porto rumo ao oceano profundo, onde com suas redes recolheriam os cardumes de que necessitavam para a sobrevivência dos humanos.

E eis que, naquele momento, ele aparece no horizonte, trazendo em seu caminho uma explosão de cores que inundou as restantes sombras da noite de muita luz e beleza. Cores que iam do amarelo brilhante ao vermelho púrpura.

Ele a procurou para uma vez mais abraçá-la e beijá-la com intensidade. Ela, feliz, o recebeu, neste dia, por mais tempo que o normal.

Ela queria permanecer onde estava, o desejava intensamente, todavia, sua luz e beleza foram-se apagando pouco a pouco, enquanto ele se tornava mais forte, mais ardente, mais desejoso de com ela definitivamente ficar.

A Terra, mãe cruel, invejosa da beleza dos dois, interpôs-se em seus caminhos, fazendo com que ambos, novamente, não pudessem mais se ver naquele dia.

No entanto, no coração dos dois a esperança continua a existir. A Lua branca e resplandecente espera poder, em um dia qualquer, abraçar e acariciar o seu eleito, o tão exuberante e sempre apaixonado Sol.

E ele, o Sol, em sua caminhada eterna, continua à procura de um lugar onde possa se esconder para, poder, enfim, chorar.

Vigilância e Controle

V

Terezinha Helenelli Lucero de Carli

 

João Pedro é um jovem cheio de sonhos, sempre quis se formar em Ciência da Computação. Ele desenvolvia jogos para grandes empresas e também trabalhava para o governo. João Pedro adorava tecnologia e não saía de casa sem antes conferir no aplicativo o horário em que o ônibus passaria em sua parada. Isso facilitava a vida dele e das pessoas que usavam o transporte coletivo. Existiam também aplicativos onde era possível também realizar o pagamento de contas, adquirir passagens, fazer reservas e executar outras tarefas do dia a dia de forma prática e eficiente.

Ele vivia em um mundo online e, às vezes, quando saía com os amigos, ele comentava sobre o trabalho e que tinha se dado conta de que tudo estava digitalizado. Um de seus amigos, o Victor, disse que realmente a tecnologia estava avançando em todos os setores. Tinha o lado bom e o ruim. Ele também sentia um desconforto. Até mesmo andar na rua ou ficar na frente de casa, sem ser vigiado, era uma liberdade que ele não tinha.

João Pedro disse que o governo controlava a população em todos os sentidos — não apenas em sua cidade ou em seu país, mas no mundo inteiro. Toda a população mundial era monitorada onde houvesse tecnologia. Com a introdução de sensores inteligentes, é possível monitorar quase tudo. O controle urbano contribui para uma cidade mais eficiente e sustentável. Isso inclui o tráfego, a poluição e a ocupação de espaços públicos. A tecnologia também otimiza o funcionamento de elevadores em prédios comerciais e residenciais, por exemplo.

Para João Pedro, no entanto, toda essa tecnologia era preocupante, pois os cidadãos não tinham mais privacidade. Ele estava sufocado, não se sentia mais seguro na cidade onde vivia.

Enquanto isso, os idosos enfrentavam dificuldades de comunicação. Muitos não conseguiam utilizar o parquímetro para estacionar e os que conseguiam, levavam minutos. Isso se repetia em vários estabelecimentos. Dona Setembrina, por exemplo, havia perdido o marido, Justino, em um acidente de carro. A tragédia a mergulhou em uma profunda depressão, e ela perdeu o gosto pela vida. Passou muito tempo reclusa em casa, enquanto o mundo evoluía rapidamente.

Certo dia, começou a faltar mantimentos em casa. Então, ela decidiu ir ao supermercado onde costumava fazer compras com o marido. Calçou os sapatos e saiu, a passos lentos e com o rosto cabisbaixo. Ao chegar, viu que o local havia sido todo modificado. Havia uma placa logo na entrada com a mensagem: "Para entrar, sorria." Ela entrou em pânico — desde que perdera Justino, não sabia mais o que era sorrir. Não conseguiu passar pela catraca. Voltou para casa resmungando.

No caminho, João Pedro a encontrou e a cumprimentou:

- Tudo bem com a senhora?

- Nada bem… não consegui fazer minhas compras. Tudo é digitalizado… olha se estou com ânimo para sorrir!

João Pedro era vizinho de dona Setembrina e sabia da sua situação.

- Pode deixar que eu faço as compras para a senhora. É só me dar a lista.

Ela aceitou e ficou agradecida.

João Pedro então se lembrou de um professor que vivia estressado com o trabalho. Um dia, o professor contou que estava atrasado para uma reunião. O sinal de trânsito demorava a abrir. Sem perceber, ele apertava insistentemente o controle remoto do portão da escola achando que poderia abrir o sinal de trânsito. Só quando chegou na escola e usou o controle, viu o que tinha feito. Casos como esse aconteciam todos os dias nesse mundo digitalizado. Alguns se adaptavam à tecnologia, outros nem tanto.

Certo dia, João Pedro enxergou que o mundo estava sendo observado pela vigilância e o controle. Tentou alertar a família e os amigos mais próximos, mas não teve êxito — achavam-no paranoico. Um dia, em seu apartamento, comentou para si mesmo que odiava aquela vida.

De repente, seu celular vibrou:

- Desculpe, João Pedro, em que posso ajudá-lo? Perguntou uma voz robótica.

João Pedro levou um susto:

- Quem é você?

- Sou o assistente virtual do seu celular. Estou aqui para ajudá-lo.

Ele se sentiu desconfortável:

- Não preciso de ajuda, disse.

Nesse momento, a Alexa da sala também se ativou:

- Posso ajudar em algo, João Pedro?

- Não, não preciso de ajuda. Repetiu, agora, mais tenso.

Mesmo assim, a Alexa insistiu:

Você mencionou que odeia essa vida. Posso sugerir algumas opções de ajuda?

João Pedro se sentiu invadido. Ele percebeu que tanto o celular quanto a assistente virtual estavam ouvindo suas conversas, mesmo quando não os estava usando ativamente. Desligou os aparelhos imediatamente. Começou a se questionar se havia outras formas de vigilância em sua vida.

Então, passou a investigar uma empresa que havia enviado uma mensagem oferecendo serviços de segurança e monitoramento de dados. A proposta era ajudá-lo a proteger sua privacidade online. No entanto, ele ficou intrigado: como eles sabiam que ele estava preocupado com sua privacidade?

Ao investigar mais a fundo, descobriu que a empresa trabalhava em parceria com o governo para monitorar as atividades dos cidadãos.

Decidido, João Pedro optou por fugir e recomeçar sua vida em um lugar sem acesso à tecnologia. Ele retirou suas economias do banco, fechou todas as contas, arrumou a mochila, colocou-a no carro e partiu ao encontro de um senhor que disse ter uma casa para alugar.

Ao chegar, explicou brevemente sua situação e disse que não queria ser encontrado por ninguém. O senhor mencionou uma casa abandonada que pertencia a um conhecido no meio do mato. João Pedro aceitou. Caminhou por entre arbustos, sentindo o sol no rosto e o vento nos cabelos. Parou à beira do rio, olhou a água correndo e jogou o celular dentro, vendo-o afundar lentamente. Sentiu um aperto no peito e, ao mesmo tempo, um alívio.

Seguiu em frente até chegar ao casebre. Ele estava deteriorado, mas João Pedro decidiu reconstruí-lo. Pensou em instalar energia solar e começou a se conectar com a natureza.

Ao entardecer, os trabalhadores locais se reuniam em um bar para conversar sobre plantação, colheita e outros assuntos banais. O que levaria um jovem da cidade a morar no meio do mato? Será que ele era um fugitivo da polícia? Ele era diferente dos moradores locais que nasceram e trabalhavam na região.

Aos poucos, ele fez contato com os moradores locais, que no início desconfiaram do jovem da cidade. Com o tempo, ele aprendeu com eles sobre a vida no campo, a agricultura e a criação de animais. Dia após dia, foi se familiarizando com o manejo da terra para a plantação e comprou sementes e mudas de hortaliças para dar início à sua nova empreitada. 

Ainda assim, João Pedro pensava frequentemente, no que havia deixado para trás. Perguntava-se se estava apenas se iludindo. Ele descobriu que não era o único a ter fugido da vigilância.

Ficou surpreso ao saber, pelos moradores, que o controle também estava presente no campo, mapeando a área de cada proprietário. Por enquanto, segundo eles, estavam seguros, mas ninguém sabia por quanto tempo. Tudo era visto por satélites.  Durante o dia, João Pedro trabalhava nas terras que ocupava, e à noite saía para fazer compras; receava estar sendo monitorado. Ele pensou em se conectar com a família através do senhor onde havia deixado seu veículo, mas isso era mais à frente. Ele ficou preocupado quando viu um drone sobrevoando o povoado, mas também se sentiu aliviado, pois estava bem distante de sua moradia. João Pedro sabia muito bem como a privacidade é importante e que os cidadãos devem estar no controle de seus dados. A falta de privacidade pode levar a doenças mentais. Enquanto João Pedro lutava por liberdade, seu amigo Victor - um habilidoso hacker conhecido apenas como “Pool” - vasculhava o submundo digital em busca de seu paradeiro. Agora, era ele quem controlava a cidade.

Numa noite sossegada, João Pedro caminhava sob o céu claro. Parou por um momento, fitou as estrelas e, em pensamento, questionou-se:

- Será que fiz a coisa certa?

 

 

O mestre

O

Silvia C.S.P. Martinson

 

O discípulo tinha imensa saudade dele e o lembrava amiúde em suas caminhadas diárias.

Lembrava-se de quanto os dois conversavam todos os dias e também das histórias que ele, o Mestre, sempre tinha para lhe contar.

Havia também passado a ele, seu discípulo, através de seu exemplo, as diversas maneiras de enfrentar a vida e os obstáculos que esta, todos os dias, lhes punha à frente nas mais diversas formas, a fim de que, sabiamente, conseguissem superar as dificuldades com êxito.

O Mestre, aos poucos, e confiando na discrição de seu aluno, com o tempo e os anos, foi-lhe contando passagens de sua vida, acima de tudo objetivando com isso a aprendizagem do discípulo. Ele sabia que este, nesta vida, seria o último, porque a sua missão já estava quase completada naquele lugar.

O caminho do Mestre havia sido longo e, algumas vezes, difícil.

Nascera em uma família cujo pai viera de progenitores imigrantes fugidos das guerras, e de uma mãe órfã criada pela irmã, que dela somente se aproveitou para que criasse a sua filha e servisse como empregada doméstica em sua casa, proporcionando-lhe pouca educação e escolaridade.

Apesar das dificuldades, os pais do Mestre, ao se casarem e tomarem conhecimento, mais adiante, de que teriam um filho, resolveram, dentro de suas possibilidades, proporcionar-lhe um nível melhor de educação do que tiveram.

Então ele veio ao mundo trazendo em sua bagagem espiritual o conhecimento de que teria dificuldades a serem superadas, ao mesmo tempo em que, em sua vida, deveria acolher outros em seu caminho, a quem, por sua eleição no plano espiritual, havia se comprometido a ajudar a se desenvolverem e a crescerem como seres humanos inteligentes e bondosos.

As experiências sofridas pelo Mestre a fim de que fizesse jus a esta palavra foram muitas vezes difíceis de superar. Todavia, sua força de vontade e confiança em si mesmo fizeram com que fosse vencendo todos os obstáculos propostos.

Por sua vontade, foi trabalhar muito cedo enquanto estava estudando, objetivando com isto aliviar a carga doméstica de seus pais, que já estavam ficando mais velhos.

Teve sucesso neste empreendimento: concluiu seus estudos, apesar de trabalhar o dia todo em uma empresa bancária. O que o fez em colégios que tinham classes noturnas e eram públicos. Voltava cansado para casa, mas feliz por mais um dia de conquistas.

A Universidade cursou-a à noite e dela saiu com reconhecido brilhantismo por seus professores, que o elegeram para representar os seus colegas na formatura oficial.

Ao longo de toda esta trajetória, deixou pelo caminho somente amigos, aos quais, por sua personalidade e maneira de agir, semeou bons exemplos, tais como: confiança, determinação, paciência e compreensão quanto às diferenças de personalidade e educação de cada um.

Casou com uma mulher a quem dedicou afeição, respeito e que lhe proporcionou momentos de alegria com a chegada de filhos, e também estados de tristeza quando ambos partilharam doenças e grandes dificuldades financeiras que ocorreram em suas vidas, inclusive face ao seu desprendimento e caráter benigno em relação às demais pessoas.

Também sabia que ao fim de sua jornada teria, após um longo caminho, a presença de um último discípulo com quem deveria compartilhar seu conhecimento, seu amor e sua dedicação.

Nesta longa caminhada de muitos anos, morreram-lhe os pais, os filhos seguiram seus caminhos, suas vidas, seus compromissos e, por fim, sua mulher, após longa e sofrida doença, o deixou, vindo a falecer também.

O discípulo então surgiu em um dia quando, já bem mais velho, caminhava na praia pela manhã, como o fazia sempre desde que ficara só.

O mar estava calmo e derramava suavemente suas águas na areia, enquanto o sol brilhante surgia no horizonte.

Ele o olhou e o reconheceu imediatamente. Era ele, o seu discípulo.

Ambos se reconheceram.

A amizade firmou-se através dos anos; a afinidade e comunhão de interesses tornou-se, com o tempo, cada vez mais profunda e profícua.

O discípulo, neste instante, ao lembrar-se de tudo isto, recordou o que o Mestre lhe havia ensinado, ao mesmo tempo em que uma lágrima de saudade e reconhecimento lhe escorreu pelo rosto.

O Mestre havia partido, deixou esta vida, semeou a boa semente e voltou ao plano espiritual para, quem sabe, em novas caminhadas, deixar em seu rastro, novamente, mais luz e beleza.

A cozinheira

A

Silvia C.P.S. Martinson

Tudo se passou tão rápido, pensou ela.
O tempo, a vida, os fatos, os bons e os maus momentos.
 
E assim pensando, sentou em um banco de praça que naquela época do ano, primavera, estava esplêndida, de um belo colorido. As árvores carregadas novamente de folhas verdes contrastavam com o colorido das flores diversas que haviam sido, há tanto tempo, plantadas e cuidadas nos vários e muitos canteiros ali existentes.
 
Árvores velhas e velhas roseiras carregadas de flores abertas e em botões além do perfume traziam a quem observasse, como ela, agora, uma imensa paz à alma.
 
O banco em que sentava era antigo também, todavia confeccionado em madeira nobre resistia impávido às mudanças e agruras do tempo. 
 
Pessoas apressadas passavam à sua frente. Mulheres bem vestidas, penteadas e maquiadas seguiam, provavelmente, pensou ela, para seus trabalhos, suas ocupações.
 
Recordou ainda que as mulheres agora gozam de mais liberdade e também têm mais acesso à educação do que em seu tempo.
 
Ela houvera querido estudar e ter uma carreira como professora ou talvez até de médica, porém além de ser pobre seus pais tinham uma educação antiga, onde as mulheres somente eram feitas para ser mães, servir ao lar, criar os filhos e serem submissas ao homem, seu marido.
 
Em famílias mais abertas admitia-se à mulher ser professora ou talvez servir a Deus sendo freiras.
 
Uma leve inveja das mulheres de agora assomou momentaneamente sua mente, seu coração.
 
Aos homens que transitavam ali com passos ligeiros rumo à suas obrigações  fizeram-lhe lembrar de seu pai e de seu marido. Sempre ambos tão apressados.
 
Foram bons homens, honestos e dentro de suas capacidades bons cidadãos. Como chefes de família se conduziram relativamente, a seus olhos, bem. Sustentaram a todos com moderação.
 
Seu marido foi um pai carinhoso com seus filhos, proporcionou-lhes acesso à escola e conseguiu com muito esforço os conduzir até a universidade onde ambos se formaram.
Como marido, como homem, sexualmente falando deixou lacunas. Tinha o hábito de olhar e se possível ter relações sexuais com outras mulheres enquanto ela trabalhava como cozinheira em um restaurante para ajudar com seu labor à economia doméstica. 
 
Naquele momento passaram por ela várias crianças acompanhadas de seus pais e que se dirigiam à escola, o que lhe fez recordar de seus amigos de infância até o ponto em que pode estudar, ou seja, o 5º ano primário com então 12 anos de idade quando foi encaminhada pelos progenitores a um restaurante de amigos deles para ser aprendiz de cozinheira. Ali esteve até a pouco tempo, lembrou, por mais de 40 anos quando então se aposentou.
 
Seus amigos de infância seguiram seus caminhos na vida, uns operários, outros administradores, outros ainda médicos, advogados, engenheiros ou simplesmente negociantes.
 
Sentada ali naquele banco, agora com a idade a se  mostrar em sua pele crestada, suas mãos calejadas, as pernas inchadas por tantos anos trabalhando em pé, sem maiores cuidados médicos, olhou pela última vez os fios de cabelos brancos que caíram e se depositaram sobre suas pernas cobertas pelo vestido negro que usava em memória de seu marido que falecera a alguns anos e achando que se vestindo assim sempre seria respeitada por seu estado de viuvez.
 
O vento primaveril soprou levemente conduzindo os cabelos brancos junto com as folhas caídas das árvores, momento este em que a cabeça dela pendeu para frente e ela adormeceu, naquele banco de praça,  para sempre.

Eu te proponho

E

Antonia Nery Vanti (Vyrena)

Vivermos o agora, eu te proponho.
O futuro é um tempo incerto,
O presente está sempre por perto,
Do passado ja morreu o sonho.

Enquanto houver tempo, te proponho,
Sejamos apaixonados amantes.
O hoje será bem melhor, eu suponho
Do que será amanhã ou do que foi antes.

Sejamos confiantes, eu te proponho,
Enquanto aguardamos o porvir
Vivamos no presente nosso sonho!

Deixemos que morra o passado,
Não pensemos no que há de vir.
Só o presente deve ser abraçado!

Desenlace

D

Silvia C.S.P. Martinson

Eles caminhavam à beira-mar em uma calçada que separava as areias, a água e as pedras do calçamento. Então, de repente, ela lembrou-se do que havia acontecido há tanto tempo.

Lembrou-se da noite em que estava sentada em sua sala de estar e o relógio, que havia sido de seu avô, começou a dar badaladas, 9 no total. O som deste relógio tão antigo era lindo, ela pensou. Todavia, ao mesmo tempo, estranhou: não podiam ser 9 horas da noite porque, na realidade, pela claridade ainda era dia. Talvez fossem realmente 7 horas da noite; era verão e, ao anoitecer, a escuridão costumava chegar bem mais tarde.

Que estranho, pensou ela então... Em dúvida, resolveu ir até o relógio para verificar se o horário das badaladas coincidia com o que marcavam os ponteiros. Realmente coincidia. Os ponteiros marcavam 9 horas e o toque havia acusado precisamente o mesmo horário. Ensimesmada, no entanto, resolveu conferir as horas em seu relógio digital e, com espanto, constatou que eram na realidade 7 horas da noite.

O que se passa, pensou ela então? Como poderia um relógio que sempre havia sido tão preciso adiantar-se em duas horas sem que alguém o houvesse alterado? Conjeturou, pensou em várias hipóteses, no entanto, não conseguiu chegar a nenhuma conclusão, seja razoável ou não.

Vivia sozinha em sua casa na época. Seu marido e sua filha viviam e trabalhavam em outra cidade longínqua. Não tinha parentes próximos, amigas, ou serviçais que pudessem ter acesso à sua casa a ponto de alterarem nela o antigo relógio.

Pensando assim, desligou-se do fato e continuou a ler o livro tão interessante que tinha adquirido há poucos dias. Tratava-se de "O Corvo", cujo autor era o renomado escritor Edgar Allan Poe. A leitura a entreteve por algum tempo, todavia, algo a incomodava, não sabia o quê, mas sentia uma enorme sensação física de desconforto, aliada a uma outra que não lembrava ter tido alguma vez: era angústia, como se algo lhe faltasse, uma ausência de algo que não conseguia identificar.

Seguiu lendo até que, cansada, resolveu dar uma pausa na leitura e ir comer algum lanche para depois dormir. Olhou novamente seu relógio de pulso. Ele marcava exatamente 19:30 horas (ou 19h30min).

Caminhou até a cozinha, preparou seu lanche favorito; não tinha o hábito de comer muito à noite. Sentou-se à mesa da sala de jantar depois de arrumá-la adequadamente para comer. Gostava de ter a mesa bem posta, mesmo que fosse somente para um lanche.

Neste momento, foi surpreendida pelo badalar do relógio da sala, que tocou 9 vezes com a harmonia de sempre, seu som inconfundível, tão bonito e conhecido por ela desde criança. Ela o herdara de seu avô e lhe dedicava extremo cuidado, uma vez que ele (o relógio) já tinha, na época, mais de 150 anos.

Era tradição em sua família, lembrou-se, passar o relógio ao filho ou filha mais velha quando o pai ou a mãe faleciam. Ao ouvir tocar as horas de forma errada, ela assustou-se, e o fato ficou definitivamente gravado em sua memória.

E, agora, enquanto caminhava na praia com seu amigo e companheiro, as recordações lhe voltaram à mente com uma nitidez impressionante.

Lembrou ainda que foi dormir, todavia, não conseguia conciliar o sono; estava inquieta e seu corpo respondia com tremores involuntários ao seu estado de ânimo. Eram exatamente 10 horas da noite, recordou, estava ainda acordada quando o seu telefone tocou insistentemente. Levantou-se e foi atendê-lo. Sua irmã lhe chamava.

Falava com a voz embargada por um choro quase convulsivo que a impedia de pronunciar bem as palavras. Aos poucos, ela foi se acalmando e conseguiu dar a notícia de que a mãe de ambas havia morrido de um infarto do coração precisamente às 9 horas daquela noite. Enquanto falavam, ainda chorando as duas, ela lembrou que o relógio da sala voltou a badalar, marcando 9 horas sem que ninguém nele tocasse.

Ao caminhar na praia com seu companheiro naquele momento, todos os fatos lhe voltaram à memória. Os dois pararam um instante para descansar e desfrutar da paisagem que tão lindamente se distinguia naquela manhã. Ela aproveitou aquele instante para contar a ele tudo o que se passara naquela triste noite e também para perguntar-lhe o que pensava sobre tais acontecimentos.

Ele a olhou intensamente, sorriu simplesmente, enigmaticamente e...

Não disse nada.

O observador

O

Silvia C.S.P. Martinson

Ele caminhava pelas ruas.
Ele tinha o hábito de fazê-lo todas as tardes, seja inverno ou verão. Saia de casa sempre por volta das 17 horas.
As 17 horas no inverno que, onde morava, era muito frio e quase noite. Neste horário o sol já quase sumira no horizonte, todavia era uma paisagem de rara beleza...
Enquanto caminhava ia recordando de fatos e momentos passados em sua vida, tanto familiares quanto profissionais.
Naquele instante voltou-lhe â lembrança de quando trabalhava em um banco que era ao mesmo tempo imobiliária. Diga-se, de passagem, â época era uma novidade de grande sucesso em sua terra.
Esse sistema de ter como clientes os proprietários de imóveis que ali colocavam as suas propriedades para alugar ou vender, além de inovador era de uma praticidade sem par. Esse sistema foi trazido da Europa pelo pai do atual administrador do banco quando o mesmo por razões políticas e religiosas foi obrigado a fugir do “Velho Mundo” com sua família face âs perseguições sofridas em uma guerra cruenta e discriminatória.
Um sorriso lhe veio a cara quando lembrou-se de duas colegas que ali, naquele banco, trabalhavam. As duas eram já um pouco adiantadas na idade, não totalmente velhas, todavia â época se costumava chamar as mulheres assim de “maduras”. Elas eram solteiras e não tinham companheiros ou namorados.
Haviam clientes do banco que só gostavam de serem atendidos por elas. Este era o caso das famosas irmãs Olivar, como eram conhecidas por seu sobrenome e também por serem descendentes diretas de espanhóis.
Eram ambas riquíssimas porque proprietárias de muitos edifícios e prédios que, mantinham alugados e foram herdados de sua família. Também as duas eram solteironas e já adiantadas em idade. Quando chegavam ao banco, as duas funcionárias que se chamavam respectivamente Estela e Nivea, deveriam deixar tudo o que estavam fazendo para atendê-las com prioridade.
Elas chegavam no balcão e chamavam com forçado carinho a Estela e a Nivea desta forma: - Estelita querida chegamos! E a Nívea assim: - Nini querida vens me atender, por favor!
As duas irmãs então ficavam a tarde toda, das 14 as 17,30 horas verificando suas contas, calculando o que haviam ganho perdido (isso quase nunca), somando inclusive os centavos, porque eram muito sovinas.
Absorviam totalmente a atenção de Nívea, não permitindo sequer que ela se afastasse do balcão.
Ao final da tarde se despediam e deixavam para Nívea e Estela um pacote de doce3s que haviam feito ha muito, muito tempo atrás e que as duas após a saída delas, colocavam no lixo tal o aspecto e o mau cheiro dos mesmos. Enquanto caminhava ele recordou, ainda, dos velhos companheiros de trabalho, especialmente de Gastão, um jovem que viera do interior do Estado e era descendente de italianos.
Gastão era muito dedicado ao banco e também muito ambicioso. Namorou muitas colegas que lhe pareceram mais ricas que ele, todavia as trocava assim que conhecia uma com mais poder aquisitivo.
E assim ocorreu até o dia em que Gastão conheceu a filha do dono do banco. Trocou a namorada que lhe queria muito por esta nova e rica jovem. Com ela veio a casar-se e se tornou, mais adiante, um gerente deste mesmo banco, trabalhando como um escravo para seu dono e sogro, que dele se aproveitava enquanto percorria o mundo em viagens com sua família, inclusive levando consigo a mulher dele, Gastão.
E assim andando e recordando dos fatos passados verificou que a noite já se fazia sentir.
O sol já desaparecia no horizonte deixando o céu cor de púrpura, prenunciando mais um frio e límpido anoitecer.
Lembrou ainda que as noites neste lugar, ao inverno, eram sempre de uma beleza sem par, milhões de estrelas a luzir nas profundezas do Universo, concitando os homens a sonhar.

A tristeza de Martha

A

Lorena Fontoura

Estamos no ano de 2012, mais precisamente, no dia 13 de janeiro, quando Martha leu a triste notícia na internet, que Ricardo estava morto. Mas quem é Martha? Martha é uma mulher casada, com três filhos adolescentes, trabalhadora, esposa e mãe dedicada, porém encontrava-se entediada da rotina e da falta de sonhos e perspectivas na vida.

Quem é Ricardo? era um homem honesto, trabalhador e bem sucedido. Morava longe de sua família, esposa e filho devido ao trabalho, sentia-se muito só com a distância entre eles. Era diabético, sedentário, gostava de comer muito e beber coca cola, não bebia nada de álcool, não fumava e dormia cedo. Seus hábitos eram nada saudáveis e seu trabalho estressante demais.

Mas vamos voltar no tempo para entender o que aconteceu realmente. Em meados de 2011, Ricardo conheceu pela internet uma mulher casada e apaixonou-se por ela, esta mulher é a Martha.

Ele assim que a viu pela primeira vez, ficou encantado por ela, e com o passar dos dias ficou completamente apaixonado por Martha, não pensava em outra coisa, apenas na mulher de internet. Passava o dia e a noite enviando emails, sms com mensagens de amor e carinho.

Por estarem verdadeiramente apaixonados, ambos se tratavam por seus nomes verdadeiros, mesmo Ricardo sendo um homem público, uma celebridade, que seguidamente estava estampado nas revistas, jornais e internet, devido ao seu trabalho. Já Martha era uma pessoa comum.

Os dias e meses foram passando e os dois sempre conectados num romance virtual, ambos carentes e amando-se loucamente. No início ela não vibrava na mesma intensidade por Ricardo, mas ele com a maturidade de seus 50 anos tratou de seduzir, encantá-la, até que Martha ficou completamente apaixonada por ele.

Falavam-se todos os dias a todo momento e todas as noites viam-se pelo skype. Tudo transcorria lindo, maravilhosos, divino até chegar o mês de dezembro, quando a família de Ricardo viajou em seu encontro, onde juntos viajariam para as férias e festas de final de ano.

 Ele não pode mais falar com sua amada durante 20 dias, período que sua família permaneceu em sua cidade. Raramente um email mencionando a saudade e fortalecendo a promessa de retomarem o contato em janeiro do próximo.

Então chegou o tão esperado dia 08 de janeiro de 2012 quando ele regressa sozinho a sua cidade...e sem esperar um segundo, chama sua amada na internet. O coração de Martha quase saiu pela boca, quando recebeu a mensagem em seu celular, correu para seu computador e os amantes acabaram com a saudade conversando, fazendo amor virtual.

Os dias foram passando, os dois trocando suas mensagens apaixonadas, naquele dia 13 de janeiro Ricardo envia um email no final do dia perguntando a sua querida amada como havia passado Martha, como de costume, responde e também pergunta sobre o dia de trabalho de seu amado, mas desta vez não obteve resposta.

Nada aconteceu no dia seguinte e, no outro e nos próximos. Nenhum retorno por dois meses.

Desesperada, triste a desiludida, Martha acessa a internet, na esperança de obter alguma informação e descobre que seu amado havia falecido no dia 13 de janeiro, logo após o envio da última mensagem dele para ela.

Martha chora, mas chora muito e em silêncio, pois seu romance era secreto, sabe que jamais sentirá o toque, cheiro, gosto e calor de seu amado agora morto.

Mas ela é uma mulher forte e se recuperará para continuar sua jornada, porém agora longe dos caminhos da internet, apenas com a lembrança de uma promessa de amor que a morte interrompeu.

 

A velha Alda

A

Silvia C.S.P. Martinson

Ela era velha. Tão velha que já não se podiam contar as rugas em seu rosto. Tampouco ela se recordava ao certo em que ano viera ao mundo e, em verdade, quantos anos tinha.

Vivia em um povoado antigo perto da cidade grande, onde morava em uma casa tão antiga quanto ela, porém bem conservada e com certo conforto. Nada lhe faltava. No povoado, todos a conheciam e a respeitavam, a chamavam de "a velha Alda". Quando pronunciado, soava de uma forma estranha porque era dito em voz baixa e de forma circunspecta por quem a pronunciava, quase como uma reverência a um santo.

A "velha Alda" havia nascido neste povoado, se criado, casado e também ali havia perdido todos os de sua família —o marido e filhos— em um acidente fatal de carro, onde somente ela sobreviveu. Isso se passou há muitos e muitos anos. A ela só restaram as boas lembranças e a grande capacidade que tinha para compreender a vida e superar os momentos duros e tristes que a todos acontecem.

Alda sabia o que ia acontecer, ela o previra. No entanto, nada pôde fazer para evitá-lo. O Destino, em toda sua força, se impôs a todas as orações e pedidos que ela fez para que tal não acontecesse. A sua dor foi enorme, todavia, com o passar dos anos e por causa do trabalho que exercia junto à comunidade, a tristeza da ausência se amenizou e deu lugar ao que realmente importava: aos dons que a "velha Alda" trazia consigo.

Sim, dons. Alda trazia o raro dom que acomete a algumas pessoas sem que se saiba nem por que, nem por que não. Ela previa os acontecimentos, fossem eles bons ou ruins. As pessoas do povoado a conheciam e respeitavam por sua capacidade de adivinhar. Era comum baterem à sua porta para consultá-la sobre suas vidas, seus anseios, suas perspectivas e suas dúvidas.

Ela a todos atendia com a mesma amabilidade de sempre e lhes dedicava o tempo que lhes parecesse necessário a fim de que, ao saírem de sua casa, estivessem mais confiantes e tranquilos. Ela não aceitava presentes e muito menos dinheiro em troca de seus conselhos. Não tinha necessidade disto.

O marido de Alda, ao morrer, lhe deixou uma pensão mensal razoável que lhe permitia viver com algum conforto e não depender da ajuda de outras pessoas, muito menos receber dinheiro por exercer seu dom em benefício dos demais.

O próprio cura do povoado a respeitava e nunca fez qualquer comentário desabonador sobre ela, até porque, há alguns anos, ela previra a morte do irmão dele em um acidente de avião, preparando-o psicologicamente para a perda que iria sofrer.

Para um residente da localidade, muito pobre, ela lhe disse: "Muito em breve você se tornará um homem muito rico." E assim aconteceu: ele comprou um bilhete de loteria que foi sorteado com o maior valor de dinheiro da época. O tal homem até hoje lhe agradece em pensamento e também destina doações para entidades de caridade que vestem e alimentam os pobres. Este foi um conselho que ela lhe deu na época.

Para uma jovem, previu que em sua vida apareceria, vindo de terras longínquas, um homem do qual se enamoraria e viria, com ele, a se casar. Também previu que teriam três filhos: uma menina e dois rapazes, sendo que a garota nasceria após o primeiro filho homem. Predisse ainda que esta menina se tornaria médica e ajudaria a salvar vidas em uma guerra que aconteceria em um lugar distante dali. Isto realmente aconteceu.

As crianças a adoravam porque, nas tardes, ela se sentava em um banco da pracinha que ali havia e, rodeada pelos pequenos, ficava horas a lhes contar histórias bonitas. Nelas, os anjos e os espíritos bons, nos quais acreditava, faziam com que elas crescessem, fossem felizes e alcançassem a maturidade compreendendo tudo e, agradecidas, admirassem o quão belo é viver.

A "velha Alda" viveu muitos e muitos anos. Um dia, desapareceu e nunca mais foi vista naquele povoado. No entanto, aqueles que a amavam, em uma noite límpida e serena, viram aparecer no céu uma nova e brilhante estrela. E sem saber, todos se emocionaram.

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