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Extranha

E

Silvia C.S.P. Martinson

 

Quando caminhou sozinha e por seus passos lentos, todavia seguros empreendeu novos rumos na busca de objetivos mais palpáveis, evidenciou sem dúvida a grande capacidade que tinha de criar e ser reconhecida.

Por muitos anos viveu insegura e dependente da opinião de amigos e parentes, consequência de uma educação limitadora e decadente.
Limitadora porque não lhe permitia ser livre em seu meio para expressar seus sentimentos, desejos e dúvidas.

Assim que, hoje livre de tabus e restrições ela conversa com nós outros, seus amigos, e nos conta, gentilmente, uma história antiga.
Tudo se passou em um fim de ano, quase noite de Natal.

Ela estava em casa de sua mãe, pois que ainda era muito jovem e não trabalhava em nenhuma empresa.

Seus afazeres se restringiam a ajudar a mãe nas lides caseiras, tal como: varrer o pátio, aguar as plantas, sua mãe as tinha e muitas rosas, eram as suas preferidas, as possuía sem seu jardim, de múltiplas cores todas elas.

Ajudava também a por ordem na casa todos os dias. Quando ao levantar-se era sua obrigação, antes de ir para a escola, deixar sua cama arrumada e seu quarto sem ordem sem roupas ou sapatos atirados ao solo, como costumava fazê-lo antes de dormir à noite.

Sua mãe era costureira. Confeccionava vestidos de alta qualidade para as mulheres da sociedade local.

Este trabalho de costurar à época de fim de ano, quando os festejos se acumulam juntamente com bailes e formaturas, sejam em universidades ou escolas militares, lhe proporcionava excelentes ganhos financeiros, tal a qualidade do serviço que prestava e à clientela que acorria à ela.

Então contou-nos que em um Natal assim sua mãe, assoberbada, tampouco pode sair para comprar os tradicionais presentes de natalinos para os filhos.

As crianças com a ajuda do pai, que também trabalhava fora, no comércio, em uma noite próxima ao Natal enfeitaram a árvore, um pinheiro, com o presépio e todos os seus componentes, as bolas coloridas de vidro e as luzes próprias usadas para iluminar e alegrar o lar, como faziam todos os anos.

A mãe por sua vez, no dia de Natal, passou a entregar às clientes os seus vestidos de festa e a receber o pagamento do trabalho por ela executado.

Ela conseguiu ainda, pela tarde, neste dia de Natal assar em seu fogão a lenha o peru que de antemão já haviam comprado.

Era hábito em sua casa na noite de Natal a família reunir-se e jantar um peru recheado e saladas e doces diversos, estes que a mãe durante o mês ia fazendo e acondicionando em potes de vidro apropriados à tal mister.

No entanto não haviam presentes a serem entregues pelo “Papai Noel” e os filhos entristecidos aprontaram-se para a ceia.

Quando as 12 horas da noite já estavam a jantar eis que toca a campainha da casa.
Era uma mulher muito rica atualmente, por ser dona de uma casa onde se realizavam grandes festas da sociedade local.

No entanto se sabia ter sido ela uma mulher muito pobre em sua infância e não ter tido a felicidade de no Natal receber qualquer presente ou brinquedo para lhe alegrar a vida.
Pois esta senhora que havia conhecido a miséria e sabedora das dificuldades daquela mãe se apiedou das crianças e chegou na casa com os braços carregados de brinquedos.
Grandes ursos de pele, brinquedos diversos e perfumes para os pais mais ainda tecidos para que confeccionassem as roupas deles.

Dentre tantas clientes ricas, aquela foi a única que se lembrou de uma família pobre e trabalhadora.

Nossa amiga, com lágrimas nos olhos, nos contou esta história.

Emocionada disse que passados tanto tempo ainda se lembra daquela senhora e que todos os anos, na noite de Natal, eleva seu pensamento a Deus em agradecimento pela vida boa que tem hoje junto a seus queridos, mas, também pede, em oração, que proteja e abençoe aquela mulher, seja lá onde ela se encontre.

Sobreviveu

S

Silvia C.S.P. Martinson

 
Ele caminhava lentamente pela estrada deixando na areia, marcadas, as suas pisadas.
Nada o atingia e tampouco lhe importava as opiniões dos raros passantes que, de esguelha, lhe observavam. Ia absorto em seus pensamentos, envolto em suas lembranças. Recordava os dias e anos passados quando então dia a dia lutava para sobreviver e elevar-se acima do caos que se formara.
 
Suas roupas velhas e surradas eram somente o que lhe sobrara de material. O resto... Pouco, agora, lhe chamava a atenção.
 
Não se esquecera dos anos, dos meses e das datas. Agora era Natal e ele sozinho somente caminhava.
As lembranças assomaram à sua mente e fizeram com que retornasse a tempos já tão idos.
 
Lembrou-se de quando era criança e da árvore de Natal que seu pai cuidadosamente escolhia e comprava todos os anos para que ele e seu filho, juntos, cada dia, nela colocassem o enfeites até que na noite natalina punham a última bola colorida. Quando o presépio já estava montado, a estrela dourada então era fixada ao alto, na ponta do pinheiro.
 
No presépio além do estábulo de palha onde ficava o menino Jesus na manjedoura, cercado por sua família e alguns animais domésticos, os campos circundantes eram povoados de bichos variados, de pastores e dos reis magos que, lentamente, se aproximavam cada dia mais daquele local a fim de prestar homenagens ao recém nascido. Estas figuras feitas de gesso e coloridas eram diariamente movimentadas por este homem enquanto menino. Havia ali também um pedaço de espelho que servia para se parecer a um lago onde patos nadavam tranquilamente.
 
Recordou ainda da noite de Natal onde previamente a mãe havia preparado a ceia. Ceia esta que era consumida e apreciada por um tempo bastante longo até chegar às 12 horas da noite, quando o então relógio antigo da sala batia as doze badaladas.
 
Na época ele supostamente não entendia porque seu pai ou a sua mãe se ausentavam da mesa por alguns instantes, inexplicavelmente.
 
Terminada a ceia todos se aproximavam à sala contígua para junto a árvore prestar, através de uma oração, agradecimento ao menino Jesus por sua vinda ao mundo para ensinar e exemplificar aos homens o poder da oração, da bondade, do amor e do perdão.
 
Feita a oração ele então notava que a árvores estava cercada de presentes que luziam em seus pacotes de papel colorido. Era uma hora de extrema felicidade constatar que as coisas, algumas, com que havia sonhado o ano inteiro, estavam ali depositadas e seriam suas de agora em diante.
 
Este homem enquanto caminhava solitário por aquela estrada poeirenta recordou-se porque ali se encontrava em um estado tão deprimente. Seu país e o mundo estavam em guerras contínuas.
Os homens haviam se esquecido do que significava o amor e o perdão. Haviam mortos e casas abandonadas pelos caminhos.
 
Lembrou-se de que sua casa fora destruída pelas bombas e a sua família, mulher e filhos haviam sido mortos pelos soldados inimigos.
Quanta dor, quanta desolação. Ele então ao dar-se conta de tudo isto uma grande dor lhe apunhalou a alma.
 
E ali, naquele momento, sentou-se ao chão, na terra poeirenta, colocou as mãos no rosto e enfim, em sua absoluta e total solidão, naquele mundo tão cruel e insano, copiosamente, simplesmente chorou.

Arnaldo é o cara

A

Alvaro de Almeida Leão

Dos doze comerciantes de uma galeria comercial, num bairro da cidade, só o Arnaldo - 63 anos bem vividos, boa saúde, abnegado trabalhador, família bem estruturada, esposa, filhos e netos - não vai bem de negócios, por mais que se esforce.

Logo após sua aposentadoria como industrial calçadista de médio porte, Arnaldo inaugurou seu tão sonhado escritório de representações com sede própria. Adivinhe quantos negócios, em três meses, Arnaldo conseguiu fechar, num parâmetro de até vinte.

Pensou? Já tem sua resposta? Sim? Pois acho que errou. Outra chance. Tem um novo palpite? Sim? Qual? Desculpe, acho que ainda não acertou. Última oportunidade. Quantos? Ainda suponho errado.

Então, só resta dizer quantos. Posso fazê-lo? Então declaro, para os devidos fins, que o Arnaldo, em três meses de trabalho, não realizou um único negócio.

Sendo assim, de que vive o Arnaldo?

De cinco apartamentos, três casas, quatro lojas num shopping center e nove vagas de garagens, todos relativamente bem alugados.

Duas aposentadorias: a do regime geral de previdência social e outra por anterior contrato de adesão particular. Aplicações em espécie em carteiras de investimentos bancários e ações em empresas de sociedades anônimas.

Daí, com esse perfil, é natural supor-se: proprietário de imóveis de uso habitual ou ocasional na cidade, serra e mar.

Bem financeiramente, porém não realizado por sua firma não deslanchar. Arnaldo sabia das dificuldades iniciais quando fundou a sua atual empresa por não ter um produto que servisse de carro-chefe nas vendas. Porém, num futuro próximo, tem certeza de que irá reverter tal situação, está fechando um contrato de representação com exclusividade para todo o estado, de um produto inédito, de uso essencial e com ampla divulgação em toda a mídia.

Cada colega comerciante nutre pelo Arnaldo sentimento de tristeza e orgulho. Tristeza por ele não efetivar os negócios que tanto almeja e orgulho por seu apurado senso de responsabilidade.

Alguns comerciantes, mais íntimos, sentem-se à vontade para tirar sarro, no bom sentido, com todo respeito, quanto ao comércio do Arnaldo, através de questionamentos: sobre negócios versus lucratividades, como atender sozinho tantos clientes, quando abrirá uma filial, notícias sobre as futuras merecida férias, entre outros do gênero.

Ao Arnaldo, não lhe falta tenacidade na dedicação do dever. Admirador da pontualidade britânica cumpre religiosamente seu horário de trabalho, embora sua clientela teime em não se apresentar.

Numa tarde, ao sentir uma forte dor de cabeça, Arnaldo decide por algo que jamais fizera: ausentar-se do trabalho, em horário comercial. Porém era preciso comprar um remédio na farmácia bem próxima. Zeloso, por natureza, elabora um cartaz no computador e afixa na porta da sua loja com os seguintes dizeres:

DESCULPEM A AUSÊNCIA,
VOLTO EM CINCO MINUTOS

Arnaldo capricha em cumprir o que prometera. Um minuto antes de esgotar o tempo, volta e depara-se com o cartaz agora ostentando anotações escritas, através de canetas ou esferográficas, tendo por autores parte de seus colegas empresários, em letras de fôrma ou de imprensa. Agora lê-se:

DESCULPEM A AUSÊNCIA,
VOLTO EM CINCO MINUTOS

Pra quê? Não estás cansado por hoje? – Eu não voltaria. – Sem essa de pressa, não irás fazer nada mesmo. – E as férias já estão programadas? A vida não é só trabalho. – Dois clientes estiveram aqui. Voltarão amanhã, como sem falta. – Logo que saíste o telefone não parou de tocar – Ausentar-se não foi uma boa. Foi fatal.

Ao ler o texto modificado, Arnaldo um tanto quanto contrariado, é consolado pelos colegas comerciantes, que afirmam ser apenas uma brincadeira, que ele não levasse a mal. Naquele resto de tarde, tapinhas nas costas e sinceras palavras de incentivo: vai fundo, és exemplo para todos nós, parabéns pela perseverança.
Sempre firme na batalha, um mês depois o futuro próximo do Arnaldo chegou. E nem precisava ser na medida do exagero (muito bem-vindo) com que pede passagem.
Contrato firmado, as excelentes vendas do novo produto fizeram com que surgissem solicitações de indústrias consagradas no sentido de que Arnaldo as representasse. A clientela atual também é teimosa: teima em não parar de crescer.

Com o progresso, surge o dilema de onde o cliente estacionar o carro, (a galeria não dispõe de garagens). A solução foi Arnaldo adquirir o excelente terreno - 40m x 120m - na esquina da quadra de sua empresa (importante nessa hora uma reserva financeira) e transformá-lo num amplo estacionamento. Eta terrenão bom, para, quem sabe, um futuro prédio em que se constituirá o novo endereço do Arnaldo.

O tempo de progredir, jamais perde a validade. – Mas, bah. Que bonito! Alguém já disse isso? Se não, disse-o agora.

A sala própria da empresa do Arnaldo, de boa dimensão se adequou à necessidade da contratação de quatro funcionários. A empresa cresce a cada dia. O fluxo de clientes circulando na galeria comercial aumentou em cem por cento, resultando num maior faturamento de todos os demais comerciantes que, por isso, estão rindo à toa.

Todo esse sucesso repercute não só entre os comerciantes da galeria comercial, mas, por extensão, para o bairro como um todo. A dedicação do Arnaldo foi merecidamente recompensada.

No Natal, todos os comerciantes da galeria e seus familiares estão reunidos para comemorarem a magna data com o Arnaldo, num clube especialmente aberto para o festivo evento. Arnaldo é, a todo instante acarinhado por seus dedicados familiares, amigos e clientes. Comes e bebes dos mais apetitosos. Alegria geral e irrestrita.

Em dado momento, os onze colegas comerciantes anunciam que irão brindar com champanhe, conceitos, previamente escolhidos, cujas primeiras letras de cada um deles, se concebidas juntinhas, (comprovem, por favor), propiciarão o surgimento de uma frase, com que pretendem homenagear o amigo Arnaldo.

Munidos de suas taças com o precioso líquido, erguem-nas e conclamam brindes:

Ao Amor, à Razão, à Natureza, à Ação, ao Labor, ao Dever, à Ordem.
à Ética, à Oferta.
à Coragem, à Amizade, à Remissão, ao Arrojo.

Resultando, com que todos os presentes, em uníssona voz, de pé, emocionados, brindam à saúde do querido e amado Arnaldo e de toda sua honrada família.

O mercadinho do povoado de San Fermín

O

Pedro Rivera Jaro

Traduzido para o português por Silvia Cristina Preissler
 
No ano de 1955, quando eu tinha 5 anos, como eu era o filho mais velho dos meus pais, minha mãe me encarregava de fazer pequenas compras de alimentos nas lojas próximas de casa, como o armazém do senhor Herrero, o açougue da Praça, a quitanda e frutaria da senhora Matilde, e a loja de miudezas da Nieves, entre outras.
 
Ela escrevia o que precisava em um pedaço de papel, e eu entregava nas lojas, onde me davam o que estava anotado. Assim foi como, desde muito pequeno, aprendi a fazer compras distinguindo a qualidade dos produtos.
 
A partir de 1961, já com 11 anos, lembro-me que pegava minha bicicleta e o cesto de compras e ia até o mercadinho de frutas e verduras, que haviam construído com paredes e telhados de madeira. Ele era formado por duas fileiras longas de barracas, uma em frente à outra, além de uma fileira mais curta na entrada principal, que fechava as fileiras mais longas. Lembro-me que, nessa fileira da entrada, ficava a loja do senhor Paco Osuna.

Minha mãe me dava 25 pesetas e dizia:
- “Filho, não tenho mais dinheiro.”
- “E o que você precisa, mamãe?”, eu perguntava.
- “Precisamos de frutas, feijão verde, batatas. O que você achar que dá.”
 
Na frutaria da senhora Matilde, que ficava ao lado de casa, um quilo de bananas custava 13 pesetas. Em comparação, no mercadinho, tudo saía bem mais barato, sem perder a qualidade. No cesto que eu prendia no suporte traseiro da bicicleta, cabia bastante peso de frutas. Eu atravessava a Colônia de San Fermín em minha bicicleta até o Povoado de mesmo nome. Chegando no Mercadinho, dava uma volta completa em seu interior, observando as mercadorias e os preços dos diversos produtos.
Na segunda volta, ia comprando nos pontos de venda o que tinha selecionado na primeira. Por exemplo:
2 quilos e meio de laranjas por 5 pesetas;
2 quilos e meio de maçãs por 5 pesetas;
2 quilos de batatas por 4 pesetas;
1 quilo de feijão verde sem fios por 3 pesetas;
1 quilo de bananas das Canárias por 8 pesetas.
Totalizavam exatamente as 25 pesetas que minha mãe havia me dado. Algumas vezes, se sobrava uma peseta, minha mãe me deixava ficar com ela.
 
Em 1964, já com 14 anos, eu sentia vergonha se as meninas da minha idade me vissem com o cesto de compras. Naquela época, era malvisto que homens fizessem compras, pois isso era considerado tarefa das mulheres. Hoje em dia, isso já não é assim, mas naquela época era. Por isso, eu pedia para minha mãe mandar minha irmã Maribel, que já tinha 12 anos. Mas minha mãe se recusava, dizendo que os vendedores enganavam minha irmã, enquanto comigo isso não acontecia, pois eu sabia muito bem o que estava comprando.
 
Sempre acreditei que ela exagerava.

Anoitecer

A

Silvia C.S.P. Martinson

 
Na tarde cinzenta que faz agora, é quando as pessoas estão pelas ruas caminhando. Há uma luz que reflete em cada olhar. E ao ver passar tanta alegria, a tristeza se afasta.
E nos corpos, tudo se torna paz e harmonia.
Os homens se preocupam, as crianças se esquecem de brincar com seus jogos preferidos para correr pelas ruas solitárias.
 
Assim é. Assim passa.
Mais um dia na vida.
 
Como o tempo, que pelos caminhos, onde os homens nem imaginam, terminará sua vida, com tão pequenas alegrias e tão grandes preocupações sem importância; na verdade, sem aproveitar a beleza de viver todos os dias, de sorrir, de amar e de ser feliz.

Adolescentes do subúrbio nos anos 60

A

Pedro Rivera Jaro

Traduzido para o português por Silvia Cristina Preissler

Aqueles garotos saíam aos domingos, depois do almoço, e se reuniam nos pontos que conheciam e frequentavam nos dias úteis. Por exemplo, em um bar da rua Antonio Salvador, cujo nome não recordo, mas que eles chamavam de El Orejas (Orelhas), aludindo às grandes orelhas do dono. Hoje, sessenta anos depois, esse lugar se tornou um restaurante chinês, como tantos outros negócios no bairro de Usera.

Uma vez reunidos ali, decidiram que iriam “caçar maricões”. Para isso, usavam o Susi, que era um garoto do grupo, loirinho e bonito. Juan Luis el Narices (o Narizudo), el Salao (o Engraçado), Armando e el Coqui (o Coquinho), todos eles habituados a brigas de rua, utilizavam Susi como isca para atrair homossexuais. Naquela época, os homossexuais eram discriminados e perseguidos por sua orientação sexual, e por isso precisavam ser muito discretos ao procurar parceiros.

Na rua Concepción Jerónima, perto de Conde de Romanones, havia um local chamado El Toro Negro (O Touro Negro), frequentado por homossexuais, onde Susi lançava a sua rede para atrair vítimas. Quando Susi começava uma conversa com algum homossexual, o levava para algum lugar escondido, perto do rio. Quando a vítima já estava esperando por um momento de intimidade com Susi, de repente, os outros rapazes apareciam e roubavam tudo o que fosse de valor: dinheiro, pulseiras de ouro ou prata, relógios, anéis, etc.

Contudo, em uma ocasião, enquanto isolavam uma vítima, esta resistiu bravamente e se recusou a ser roubada. Os garotos avançaram para espancá-lo, mas o homem era um praticante experiente de jiu-jitsu. Com golpes habilidosos, ele usou as mãos para atingir pescoços e costelas dos agressores, causando dor e danos.

Os adolescentes acabaram fugindo para evitar mais castigo. Quando contavam a história no bairro, todos riam muito da situação.

Esses comportamentos criminosos eram um dos motivos pelos quais eu não queria andar com eles, apesar de serem conhecidos do bairro. Nunca gostei de abusos contra outras pessoas, principalmente pelo simples fato de serem diferentes.

Naquela época, gostávamos de dançar e queríamos entrar nos salões de dança, mas, como tínhamos apenas 14 ou 15 anos, não nos era permitido. Por isso, quando soubemos de um grande salão de dança em Getafe que deixava jovens da nossa idade entrarem, decidimos ir para lá.

Getafe, hoje uma cidade importante a cerca de 12 quilômetros de Madri, rumo a Toledo, era então um vilarejo em crescimento, como a maioria ao redor da capital. Depois de tantos anos, não tenho certeza, mas acredito que o nome do salão de dança era Emperador (Imperador). Pegamos um ônibus da empresa Adeva até lá, e, de fato, nos deixaram entrar sem questionar nossa idade.

Passamos a tarde dançando. Quando saímos para pegar o ônibus de volta, dois dos membros do grupo decidiram tentar ligar uma motocicleta estacionada na rua. Conseguiram fazê-la funcionar e voltaram a Madri montados nela, enquanto o resto de nós voltamos de ônibus, como havíamos ido.

Já em Madri, nos encontramos nos bilhares da rua Almendrales, em frente ao cinema Lux de Usera. Um dos dois que haviam roubado a moto se ofereceu para me levar até em casa. Embora preferisse ir de ônibus, não quis rejeitar a oferta para não ofendê-lo.

Subi na moto atrás dele, e ele me levou até o meu bairro. Aquele trajeto em uma moto roubada gerou problemas em casa quando minha mãe soube do ocorrido. Como consequência, meu pai me proibiu de andar com aqueles garotos, que eram jovens delinquentes e viviam completamente fora do controle familiar. Era uma vida que meu pai não queria nem para mim, nem para nenhum de seus filhos.

O valente

O

Silvia C.S.P. Martinson

Havia um homem que conheci há muitos anos. Ele era uma pessoa alegre, inteligente, perspicaz e muito observador. Já era velho. Teve durante sua vida muitíssimas experiências.
 
Apesar da velhice ainda apresentava boa aparência o que fazia com que se tornasse, de alguma forma, atrativo às mulheres. E realmente eram elas o que mais lhe atraia e chamava à atenção.Chamava-se João.
 
Supostamente João era um nome muito comum àquela época, haja vista que o rei de então também tinha este nome, só que com uma grande diferença: o nosso João não era rei e também não pretendia sê-lo apesar de saber gerir muito bem suas economias contas. Ele vivia na Espanha.
 
João fora casado muitas vezes face a sua inevitável predileção pelas mulheres, o que fazia com que não se fixasse por muito tempo com nenhuma.
 
Pois bem, a nossa história começa com João, todavia não termina com ele.
Em uma caminhada pela manhã ele me narrou, entre rizadas, uma história, dentre as muitas que se passaram em sua vida que me pareceu hilária e que vou contar agora nestas poucas linhas.
 
João foi um alto executivo de uma empresa e como exerceu cargo de chefia tinha contato com os demais empregados. Contato este que lhe permitia, inclusive, a ouvir seus telefonemas, podemos dizer, mais íntimos.
 
Então João contou-me que um funcionário seu recebia diariamente, no escritório, ligações de sua mulher que estava em casa e a qual costumava dar-lhe ordens e também admoestá-lo por telefone. Este homem chamava-se André.
 
Quando o telefone tocava para André e ele verificava que era de sua esposa, baixava a cabeça e mantinha-se calado e com uma expressão de aquiescência. Sacudia os membros superiores como se estivesse concordando com tudo o que ela lhe dizia.
 
No escritório todos já estavam acostumados com sua maneira servil de atender às ordens de sua mulher e entre si trocavam olhares de mofa e sorrisos disfarçados.
 
No entanto ao terminar a ligação André se transformava, virava outro homem e para que todos ouvissem dizia em alto e bom som , como se ainda estivesse a falar com ela, apesar de já não haver ninguém na linha, o seguinte:
 
- Ana (Ana era o nome dela) tu sabes que quem manda em nossa casa sou eu!
Cala-te! Não me molestes ou sequer me contraries!
Mulher incomoda e imprudente!
Não vês que estou no trabalho e não posso estar à tua disposição infeliz criatura?
Quando eu chegar em casa vou te castigar como mereces!
Corto agora a ligação, tenho que trabalhar!
 
João contou-me, entre risadas, que no escritório após esta cena cômica e que se passava quase diariamente, os homens ironicamente e sarcasticamente batiam palmas a André, elogiando, entre risos, o quanto valente ele era.
 
Sim, em verdade muito valente quando o telefone já estava desligado.

Pedrinho e Marlene

P

Alvaro de Almeida Leão

 
Pedrinho é um comerciante de porte médio em uma pequena cidade do interior, onde todo mundo conhece todo mundo.
 
Ao namorar Marlene – secretária executiva na empresa em que o pai dela é proprietário - Pedrinho encontrou o seu verdadeiro amor. Que casal simpático e promissor.
 
Para extravasar todo seu sentimento, Pedrinho passa a ostentar no vidro detrás de seu automóvel, o quanta a ama:
- ACHO QUE EU SOU A ALMA GÊMEA DA MARLENE –
 
Bela forma original de expressar tão puro amor. Marlene, envaidecida responde ao colocar dizeres em seu carro:
 
- EU NÃO ACHO. TENHO ABSOLUTA CERTEZA –
 
Em seguida, as atenções se voltaram para o Pedrinho, que, sentindo-se na obrigação de retribuir, assim se expressou:
 
- REALMENTE, ME PASSEI. NÃO TENHO DÚVIDAS, SOU A ALMA GÊMEA DA MARLENE -
 
Estabeleceu-se - ao natural - um canal de comunicação entre os dois (como um blog a céu aberto) em assuntos, desde que não de fórum íntimo, para alegria de parentes e amigos.
 
Dia desses o pedido que todos ansiosamente aguardavam:
 
- QUERIDA MARLENE, QUER CASAR COMIGO? -
 
A resposta da feliz pretendida Marlene, não tardou:
 
-SIM, SIM, SIM, SIM, SIM, SIM, SIM, SIM...MIL VEZES, SIM –
 
Passados seis meses, convites para o casamento dos dois (em textos idênticos) tanto no carro do noivo quanto da noiva.
 
Casados, daí para frente tudo nos conformes. Felicidade geral e irrestrita. Pessoas inteligentes, honestas e trabalhadoras tendem, por merecimento, a só progredirem.
 
Quase completando um ano de casados, Marlene sente os bem-vindos sintomas de enjôos, para felicidade de todos. Dizeres nos respectivos carros:
- FAMÍLIA AUMENTADA À VISTA! –
 
Após o nascimento da primogênita Ana Clara, é anunciada a próxima chegada de seu irmãozinho, o Carlos Augusto.
 
Assim, foram decorrendo os anos e a vida. Quando perguntam ao nosso casal, como estão, é imediata a orgulhosa e consciente resposta: se melhorar estraga.
 
Quando das bodas de prata, grande satisfação em anunciar seus filhos egressos das universidades, acompanhados de promissores encaminhamentos profissionais.
 
Nos cinquenta anos de exemplar união, questionados sobre quais aspirações gostariam satisfeitas, ncias, pediram um tempo para responderem. Dias depois as exibiam em seus automóveis:
 
- DEUS PERMITA QUE EU JAMAIS VIVA SEM O MEU PEDRINHO (Marlene) –
 
- QUERO A MARLENE SEMPRE AO MEU LADO, SEM ELA MINHA VIDA PERDERIA A RAZÃO DE SER (Pedrinho) -
 
Comoção pela triste notícia dos óbitos dos ilustres Pedrinho e Marlene, atingidos em seu automóvel, numa BR, por outro veículo que trafegava em sentido contrário.
 
Consternados, seus filhos, nora, genro e netos.
Ternas lembranças de que os últimos desejos dos diletos e inesquecíveis Pedrinho e Marlene foram integralmente realizados:
 
- UNIÃO NA VIDA, NA MORTE E POR TODA ETERNIDADE –

Antes se chamava "a gota fria"

A

Pedro Rivera Jaro

Traduzido para o português por Silvia Cristina Preissler Martinson

Já faz vários anos que escrevi algo sobre os incêndios florestais e a influência dos impedimentos ecologistas na limpeza dos montes, sua proibição de cortar espinheiros e ervas daninhas, para facilitar a reprodução de animais selvagens, como a raposa, o lobo ou o javali. O texto se chamava "Espanha em chamas".

Se algum pecuarista ou agricultor precisa podar os espinheiros, antes deve pedir uma autorização, que é concedida com a condição de que, ao realizar a poda, esteja presente um guarda dos organismos criados para a Conservação da Natureza. Como se a Natureza fosse algo inventado pelos ecologistas mais radicais, e as pessoas que durante gerações conservaram nossos montes e campos, não soubessem cuidar deles nem viver deles.

Agora, como consequência da tremenda catástrofe ocorrida há algumas semanas no Levante espanhol, com a chegada da terrível DANA (antes chamada de "Gota Fria"), que resultou na morte de centenas de pessoas inocentes, ocorre-me pensar que isso não é mais do que mais um capítulo do ecologismo radical.

Durante milhares de anos, o ser humano tentou domesticar o mundo que habitamos, na medida do possível. Construiu estradas, cultivou os campos, fez represas e açudes para conter as águas selvagens, entre outras coisas.

Mas agora parece que a humanidade estava errada, que todas as águas devem fluir selvagens pelos seus leitos, para que os peixes não encontrem barreiras no seu livre fluxo. Para isso, nos últimos anos foram demolidas centenas de obras que haviam sido construídas para domar a força bruta das águas e aproveitá-las para irrigação e geração de energia limpa.

Da mesma forma, a limpeza dos leitos fluviais foi abandonada, permitindo o crescimento descontrolado de canaviais e vegetação silvestre, que, quando chega uma enxurrada, como a última, arrasta tudo para as populações, causando as conhecidas destruições e tragédias.

Eu nasci e vivo em Madri, onde passa o rio Manzanares, o "aprendiz de rio", como o batizaram poetas e escritores, mas que, quando fica temperamental, como consequência de chuvas intensas em todas as terras altas ao longo de seu percurso, arrasta enormes volumes de água ao passar por minha cidade.

Para prevenir essas ocasiões, quando eu era criança, lá pelos anos 50, foi realizada a Canalização do Manzanares, com a construção de várias represas reguláveis, que são enchidas e esvaziadas à vontade dos responsáveis municipais pelo controle do rio.

Acontece que, há alguns anos, uma prefeita de Madri decidiu abrir as represas e permitir o crescimento da vegetação no leito. Hoje isso pode nos parecer muito bonito, porque a fauna e a vegetação fluviais são encantadoras, mas pode um dia acontecer o mesmo que ocorreu na região valenciana, e talvez tenhamos que lamentar tragédias semelhantes às de lá.
Se essas tragédias chegarem a acontecer, a quem culparíamos?

Os políticos de diferentes partidos jogariam a culpa uns nos outros, mas, no final, as vítimas, como sempre, são o povo. E como diz o antigo ditado: "Entre todos a mataram, e ela sozinha morreu".

 

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