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A palavra de honra

A

Pedro Rivera Jaro

Traducido al portugués por Silvia C.S.P. Martinson

A palavra de um homem tem que valer tanto como uma escritura pública firmada ante um notário.

Assim me ensinou meu pai que por sua vez o aprendeu com meu avô. Não suportava que um homem desse sua palavra e depois não a cumprisse. E isto era aplicável e valia para todas as atividades da vida, ou fosse um negócio ou bem um encontro com os amigos.

Eu recordo, sendo um menino, ao final da década dos cinquenta, que meu pai havia adquirido um segundo caminhão Basculante, marca Chevrolet, para trabalhar na construção e havendo chegado à conclusão de que, por vários motivos, não lhe resultava interessante, decidiu pô-lo a venda.

Um industrial amigo dele se ofereceu para comprá-lo. Falaram ambos e de palavra cerraram o trato em 95.000 pesetas e deixaram para documentar a venda e escriturar na próxima semana.

Uma hora mais tarde, meu pai foi a barbearia de Miguel El Peluca para que o barbeassem (então estavam começando a popularizar-se os primeiros barbeadores elétricos, porém a barbearia era um lugar de atividade social e centro de contato público).

Ali na barbearia outro transportador conhecido de meu pai, que havia se inteirado de que vendia o Chevrolet, lhe fez uma oferta de 125.000 pesetas ao que meu pai lhe respondeu que sentia muito, porém que já havia empenhado sua palavra.

Era uma diferença importante de dinheiro, 30.000 pesetas, que era, mais ou menos, o que custava um piso na zona sul de Madri naqueles anos, porém a palavra para meu pai valia muito mais. Essa quantidade era aproximadamente o que ganhava um trabalhador em dois anos de trabalho.

Muitos anos mais tarde, quando eu era estudante de Ciências Econômicas e Empresariais, tinha um assunto que, era Banca e Bolsa. Nela fazíamos práticas na Bolsa de Madri e durante as mesmas aprendemos que os Agentes de Cambio e Bolsa em suas operações de compra e venda de títulos no mercado de ações, quando operavam nos distintos Círculos, comprando e vendendo, davam sua palavra aceitando uma operação, que logo se refletia por escrito, porém em princípio “Pego ou Vendo” nas distintas cotizações que iam circulando pelos Círculos eram respeitadas sempre. A palavra dada pelos agentes se respeitava 100 por 100, porque se algum deles houvera voltado atrás, do trato aceitado, seria afastado da atividade.

Porém, atualmente, observamos como pessoas que deveriam ser o paradigma da honradez e da honorabilidade, pelos altos cargos públicos que desempenham, mudam de opinião sem a menor indigestão, demonstrando com seus atos, tudo ao contrário do que haviam prometido muito pouco tempo antes.
Este comportamento deveria ser causa suficiente para que, de tais cargos públicos fossem banidos de tais postos, conseguidos a base de mentir aos que os puseram, votando-lhes.

A besta assassina (Viva a morte)

A

Pedro Rivera Jaro

Traducido al portugués por Silvia C.S.P. Martinson

 O Pardo é uma vila nos arredores de Madri, aonde os reis da Espanha, dada a riqueza cinegética, construíram um palácio, onde gostavam de passar suas jornadas de caça. Ali pastavam veados, javalis, coelhos e perdizes em abundância. Ao seu final corria o rio Manzanares, aonde se podiam pescar barbos e outros peixes de água doce como as bogas por exemplo. Tinham aldeias de azinheiras que produziam enormes quantidades de bolotas que serviam sobretudo para alimentar os animais selvagens citados. Se foram construindo ali vários quartéis para a proteção do Palacio Real e das pessoas pertencentes a realeza e a corte dos nobres.

Ao acabar a guerra civil, no ano de 1939, o General Franco, chamado Generalíssimo dos exércitos, passou a habitar o palácio por estar este suficientemente protegido ante possíveis e eventuais ataques, ao mesmo tempo que se fortaleciam as guarnições militares que ali existiam.

O rio Manzanares possuía grandes depósitos de areia limpa que se utilizava e segue se utilizando a construção de edifícios. Em princípios dos anos cinquenta, meu pai, Felix Rivera González, com um pequeno caminhão , transportava areia a varias construções, como por exemplo, recordo, das colônias

Experimentais de San Vicente Paul, próximas a Glorieta Elíptica ou de Fernández Ladreda, que é conhecida por ambos os nomes. Naquela época a Espanha vivia em autarquia absoluta, provocada pelo isolamento a que foi submetida pelas denominadas democracias europeias, como França e Grã Bretanha , até que no ano de 1959 o presidente dos Estados Unidos da America, Eisenhower, visitou nosso país e deu sinal para que começassem a abrirem-se as portas da Espanha aos avanços existentes na Europa, incluindo ao medicamentos como a penicilina para curar infecções. Para castigar ao General Franco faziam padecer todo tipo de penúrias e escassez ao povo espanhol. Como sempre o povo simples pagava todas as faturas do que não havia consumido.

Isto se explica porque então não existiam máquinas escavadoras para carregar os caminhões com areia, cascalho com tijolos, etc. Tudo era feito à força do suor dos trabalhadores, como meu pai e seu ajudante Vicente Rosel, o Chato.

Tinham que tirar primeiro a areia do leito do rio com enxadas grandes com cabo longo que puxavam a areia até beira do rio.

Depois de tirar a areia até a beira do rio, com pás se carregava até a caixa do caminhão até que estivesse cheia.para conduzir o mesmo carregado até as obras em construção. Isto era feito uma e outra vez enquanto durava o dia, com outro agravante, pois tinham as rodas racionadas e necessariamente há viam de trabalhar com rodas velhas e remendadas que necessitavam serem reparadas constantemente porque rebentavam com frequência, máxime que tenhamos em conta que as estradas eram estreitas e cheias de buracos, inclusive as vezes no havia asfalto, nem pavimento, senão eram simples caminhos de terra e cascalho no melhor dos casos.

Pessoas como meu pai e toda sua geração trabalharam até o esgotamento para levantar aquela Espanha de miséria e escassez. Nunca poderemos agradecer bastante àquelas pessoas por seu esforço e dedicação na busca de conseguir tocar adiante a minha geração e as seguintes.

Pois bem, em um daqueles dias em que meu pai havia carregado o caminhão e se dirigia por aquele estreito caminho até a estrada geral, escutou uma buzina que soava insistentemente e pelo espelho retrovisor pode ver um automóvel que chamavam Haiga pedindo passagem. Meu pai imediatamente buscou onde poder estacionar e permitir a passagem, porém não encontrava aonde até que passadas uma centena de metros aí pode encontrar onde estacionar.

O luxuoso automóvel se adiantou e parou a frente, baixou um senhor de uniforme muito furioso que sacando de uma pistola da cartucheira começou a proferir insultos e ameaças contra meu pai, que totalmente assustado e aterrorizado solo conseguia pedir desculpas e dizer que não havia podido estacionar antes.

Aquele senhor que ameaçava com descerrar tiros na cabeça de meu pai, tinha um braço cortado e lhe faltava um olho. Tratava-se nem mais nem menos que o fundador da Legião Millán Astray. Eu sempre admirei e admiro os valentes legionários por seus heroicos comportamentos em combate. Ao conhecer esta historia, anos depois de haver sucedido, pelos lábios de meu progenitor senti uma profunda pena e um furioso rancor por aquele senhor, que naqueles momentos poderia ter-me deixado órfão de pai sem um maior motivo que um estalido de soberba.

Depois de muitos anos entendi o significado do grito de Don Miguel Unamuno: VIVA A VIDA, em contraposição daquele outro proclamado por Millán Astray: VIVA A MORTE

O pão nosso de cada dia

O

SIlvia C.S.P. Martinson 

“Como cresce uma rosa entre paralelepípedos.
Como floresce um cacto no deserto.
Assim resiste a alegria entre explosões.
Assim triunfa a vida entre os mortos.”
 
Caminhando pela manhã, como normalmente faço, observando a Natureza e os homens e mulheres que passam, muitas vezes alheios a tanta beleza que nos envolve, fiquei a ver e a pensar...
 
O Sol brilha intensamente refletindo na água seus raios, sua luz.
 
Luz esta que nos aquece, envolve e permite que a vida se manifeste em todo seu esplendor.
As gaivotas pousadas nas águas tranquilas, buscam nelas seu sustento, não se apuram, pacificamente aguardam o que a natureza lhes possa ofertar. Após o que, alçam o voo e no céu azul perdem-se em bandos, rumo a outras paragens, talvez seus ninhos, certamente seu lar.
 
Vêm-se no horizonte os barcos que seguem seu destino e nele e desaparecem. O que carregam, o que buscam? Tampouco o sabemos.
 
Pessoas caminham pela calçada que circunda a praia.
 
Praia esta onde as ondas se derramam suavemente na placidez desta manhã, emitindo sons que nos fazem sentir como que embalados nos braços de nossas mães.
 
E as pessoas continuam andando, algumas juntas outras solitárias.
 
As observo e ouço, de algumas, suas vozes, suas conversas, suas histórias.
Falam de suas vidas, de seus anseios, de suas dores, de sua saúde e de seus amores.
 
Outras seguem solitárias em seu caminhar e me pergunto: o que estarão a pensar?
 
A algumas, ainda, as vejo e as ouço a falar mal da vida e de outras pessoas, a cuidar do que estão a conversar e alheias, sem perceberem, a intenção destas  que querem envolver-se em problemas que não lhes dizem respeito.
 
Há uma grande quantidade de gente, percebo, envolvida com seus celulares (telefones) sem prestar a mínima atenção ao que se passa ao seu derredor.
 
Veio-me à cabeça a tão famosa frase: ...”O pão nosso de cada dia ganharás com o suor de teu rosto.” 
 
Todos os homens em sua grande maioria, em que lugar da Terra que se encontrem, observam o princípio acima mencionado.
Infelizmente apesar de muitas vezes o conseguirem, os homens, por incrível, através de guerras e destruição de lares, cidades e populações, causam miséria e fome. 
 
Em realidade ainda somos muito primários no conceito do que é amar.
 
Por que não levantamos o olhar para encarar frente a frente às benesses que recebemos de poder viver, experienciar e apreciar a beleza em todas as suas formas em que nos é ofertada, em cada dia que nasce e em cada dia que anoitece, quando o céu se tolda cheio de estrelas e eventualmente a Lua se mostra em seu máximo esplendor?
 
Ou quem sabe visualizar nas tormentas, que inundam as terras ressequidas, a oportunidade de voltarem plantas a renascer e florescer em toda sua magnificência?
 
Este é o pão nosso de cada dia que recebemos e muitas vezes não vemos e não sabemos agradecer.
 
E assim caminhando lentamente e pensando volto a minha casa, ao meu lar, ao meu mundo.
 
Lentamente. Lentamente...

Odiosos abusos

O

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Na cidade mais bonita a oeste de Madri ao sopé da serra de Gredos, na mesma cidade onde nasceram e se criaram meus avós maternos, Pedro e Saturnina, passei uma parte muito importante de minha infância e juventude. Esta cidade não é outra senão Las Rosas de Puerto Real, na qual meus pais fizeram construir um pequeno chalezinho em 1959.

Neste chalezinho passávamos meus irmãos e eu, junto com nossa querida mãe, a maior parte do verão, uma vez que haviam acabado as classes escolares.

Meu pai ficava em Madri trabalhando com seu caminhão durante a semana e no sábado pela tarde chegava à cidade no Ford do primo Luis, porque então em casa não tínhamos, todavia automóvel de passeio, até que em 1969 meus pais compraram um automóvel de marca SEAT, modelo 1500, dois faróis, de cor branca, muito elegante para a época na Espanha.

Passava a noite de sábado e domingo até a última hora da tarde na qual voltavam a Madri para, na segunda-feira, começar a trabalhar numa nova semana. Antes de sair de volta a Madri me deixava assinaladas as tarefas para a semana que eu teria que fazer para quando ele voltasse no sábado seguinte.

Não obstante as tarefas, todavia, tinha muito tempo para desfrutar durante todo o resto do dia. Pela manhã costumava, eu, a acompanhar meu amigo Antonio (Pastillas), quando levava as vacas aos prados onde pastavam.

No caminho com estilingues tentávamos caçar pássaros pelas árvores e amoreiras, coisa que Pastilla conseguia seguidamente e eu raras vezes.

Quando voltávamos à cidade pegávamos os maiôs e subíamos à piscina para dar-nos um banho e nadar um pouco.

Depois nos sentávamos ao redor de uma mesa para quatro e ali aprendíamos com os anciões o brilhante e ao tute.

As 2 do meio dia tinha que estar em casa para comer e depois disto mamãe nos obrigava a dormir uma sesta.

Pela tarde havia trabalhos no jardim da casa. Quando já caia a tarde subíamos de novo à piscina a jogar cartas. Ainda que fossemos, todavia, muito crianças, na pista de baile aprendíamos a dançar com as meninas, abaixo do atento de suas mães e avós que estavam sentadas em um banco que existia ao redor do tronco de uma grande árvore.

Também passou vários verões conosco minha prima Luisinha, depois de que faleceu sua mamãe, minha tia Fernanda.

O pai de minha prima, meu tio Luis, vinha cada domingo em um ônibus de linha e todos nós baixávamos a estrada velha de EL CHORRILLO, ao cruzamento de Cinco Castaños para esperá-lo.

Pela tarde costumava voltar a Madri com o primo Luis  com meu pai no carro do primo, ou senão no ônibus.

Houve um verão em que minha prima Rosita o passou conosco e recordo algumas anedotas que nos ocorriam, porque éramos garotos da cidade e nos assustava por exemplo cruzar-nos com as vacas que baixavam soltas a beber água do poste que havia no Matadouro Municipal e frente a lavanderia pública.

Prontamente aprendemos que aquelas vacas eram mansas e que não ofereciam nenhum perigo para nossa integridade física.

Num verão, podia ser no ano de 1963, veio a viver na cidade uma família da cidade vizinha de Casillas.

A família se compunha do casal e três filhos homens e a todos eles se denominava, os Castanheiros.

O homem era construtor. E de construtor esteve trabalhando construindo uma casa. O filho mais velho ajudava o pai preparando os baldes de massa e chegando-os ao ponto do trabalho de seu pai.

O filho do meio e eu nos fizemos amigos e andávamos muito tempo juntos.

Uma segunda-feira o fui buscar em sua casa, junto a praça da cidade, no beco da casa de tia Beatriz e quando depois de chamar a porta a abriu sua mãe, vi com grande assombro que tinha a cara, a zona por debaixo dos olhos e bochechas completamente machucada.

Quando saiu seu filho e nos afastamos da casa, lhe perguntei o que havia acontecido a sua mãe.

            Ele se entristeceu e me contou que seu pai, que habitualmente parecia um bom homem, porém, nos fins de semana bebia e se embebedava. E uma vez que estava bêbado golpeava sua esposa. Disse-me que o fazia seguidamente e que no dia seguinte com a embriaguez já passada lhe pedia perdão de joelhos, prometendo que nunca mais voltaria a fazê-lo.

            Eu, desde aquele dia, tomei uma raiva tremenda ao pai de meu amigo por seu malvado comportamento com sua esposa e mãe de seus filhos. Nunca mais troquei uma palavra com ele pensando no sofrimento daquela boa mulher.

            Lembrou-me, esta história a um taxista, alcoólico, que era o pai de Torres um companheiro de meu Colégio de São Pedro, que batia em sua mulher, a mamãe de Torres. Aquela senhora ia ao quartel de Guarda Civil com a cara cheia de machucados e contusões para por uma queixa e o guarda de plantão lhe dizia que essas eram coisas de casamento que haviam de ser resolvidas em casa e que não podia escrever a denuncia.

            Estavámos nos primeiros sessenta. As pessoas de minha geração, igualmente mulheres e homens, lutamos para alcançar a maior idade, para que aquela situação tão injusta mudasse inescapavelmente mediante as mudanças pertinentes nas leis.

            Quero aproveitar para citar igualmente aqui as mudanças ocorridas no que se refere aos grupos integrados no coletivo LGTBI, que durante muitíssimos anos sofreram perseguições e discriminações, tudo motivado pelo incrível delito de suas preferencias sexuais.

Dois presentes de Natal

D

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Escutei uma preciosa história. E é tão preciosa que está prenhe de amor e sacrifício.
Poucas vezes me toca uma história estrangeira tão dentro de meu coração e comove tanto ao meu eu interior.

Escutei-a em uma emissora de rádio e imediatamente senti a necessidade de contar a todos.

Protagonizam-na duas pessoas que se amam. Uma mulher jovem, Cristina e um homem igualmente jovem, Manuel. Ambos vivem casados e suas disponibilidades econômicas são bem escassas.

Têm o costume, aprendido de seus antepassados, de presentear ao seu consorte no Natal, porém levam algum tempo sem obter renda, ou conseguindo renda muito reduzida, por uma grande crise econômica sobrevinda em seu país.

Cristina se deu conta de que não dispõe de poupança para comprar um presente para seu Manuel. Dá um repasso em sua casa e se dá conta de que não tem nada de valor que pudesse vender ou empenhar. A seguir limpando-se frente ao espelho repara em sua preciosa, longa e ondulada cabeleira que cai desde sua cabeça até mais abaixo de sua cintura.

Sem duvidar, um momento sai à rua e se dirige a uma loja onde vendem e confeccionam, com cabelos naturais, perucas. Em tal loja lhe oferecem em dinheiro o que necessita para poder comprar o presente que deseja obsequiar a Manuel e que consiste em uma grossa corrente de prata para o relógio de bolso, que presenteou a Manuel seu pai, quando ainda vivia, e ao qual Manuel lhe tem grande estima e do qual tem necessidade.
Ali mesmo lhe cortam o cabelo.

Aproxima-se de uma joalheria compra a corrente e pede que a envolvam para presente.

Quando Manuel chegou à casa naquele entardecer e entrou nela se surpreendeu ao encontrar a Cristina com o cabelo cortado, porém somente fez uma observação: “te hás cortado o cabelo.”

Sentaram-se à mesa para jantar e Manuel entregou a ela um pacote envolto em papel de presente, ao tempo em que ela entregava o seu.

Cristina abriu seu presente e viu que consistia em um broche grande de Carey para sujeitar sua bonita e inexistente cabeleira. Ao mesmo tempo Manuel havia aberto seu presente e viu a preciosa corrente de prata e a guardou no bolso.

Cristina lhe disse que não a guardasse e sim a pusesse em seu relógio e a pendurasse nos botões de seu casaco. Manuel com um sorriso respondeu a sua amada que havia vendido o relógio para poder comprar-lhe o presente.

¿Pode haver maior sacrifício por amor que renunciar as mais apreciadas posses para tentar fazer feliz a pessoa amada?

A avó

A

Silvia C.S.P. Martinson 

Ela estava sentada em uma cadeira de balanço e pensava em escrever e contar uma história a seus netos.

Cogitou começá-la assim: “era uma vez”...
Pegou sua caneta e um caderno onde costumava anotar seus pensamentos e começou a escrever.
Antes, porém pensou:
- Será que eles vão gostar?
Sacudiu a cabeça levemente, onde os cabelos brancos de há muito se faziam notar e um pensamento cruzou rapidamente seu cérebro como se fora um raio em dia chuvoso e lhe ocorreu:
- O que importa! O que vale é contar-lhes...
Então começou a escrever.

...Era uma vez, em uma terra distante... Nela existia um homem a que todos temiam e que não sabiam bem o por que de assim fazê-lo.
Ele era alto, loiro e forte. Vivia em uma casa simples a beira de uma estrada que se dirigia a um antigo povoado de trabalhadores rurais.

Ali já viviam poucas pessoas uma vez que as máquinas substituíram pouco a pouco o trabalho braçal e os mais jovens migraram para outras cidades onde aprenderam novas profissões e lá se estabeleceram.
Este homem, de meia idade, no entanto, ali permaneceu na casa onde havia nascido, se criado e constituído sua família.

Tinha por hábito ler muito, o que fazia amiúde, sempre que podia comprar um livro quando ia à cidade adquirir víveres ou ração para os animais que criava.

Não ia nunca à igreja local. Talvez por isso o temessem, considerando-o um herege e quem sabe até chegado aos anjos maus.
As pestes locais nunca abalaram sua casa, suas plantações ou sua criação.
Seus campos eram férteis e seus animais gozavam de bom aspecto e eram saudáveis.
Não dependia de ajuda braçal a suas lides campeiras haja vista ser extraordinariamente forte.

De sua família, mulher e filhos, contavam no povoado; que o haviam abandonado e nunca mais foram vistos.

No entanto, esta não era a verdadeira história.
A ignorância e as más línguas do povo, de ali, criaram, ao alvedrio da verdade, as mais diversas histórias, de conformidade com suas mentes distorcidas e falazes.

Uns diziam que ele matara a mulher e os filhos e os enterrara em seus campos e por isso ali a terra era tão fértil.

Outros diziam que os familiares se afogaram em um lago de água muito azul que havia nas terras dele e que nas noites, quando a lua estava cheia a se refletir, ouviam-se as vozes da mulher e dos filhos a chorar e que os mesmos, em sombras luminescentes, por ali perambulavam.

Alguns ainda sugeriram, estes mais condescendentes, que a mulher face à brutalidade dele, o abandonara fugindo com os filhos enquanto ele arava o campo.
Quanta imaginação, quanta maldade!

Na realidade a história era bem outra.
Este homem que gostava tanto de ler fora educado fora deste povoado e ali só e voltara quando adulto para cuidar de seus pais que já estavam velhinhos e não podiam mais cuidar de sua casa e de suas terras. Ali morreram e foram sepultados no cemitério da cidade vizinha, onde ele costumava comprar os livros.
De sua família ele tinha notícias sempre, porque recebia cartas dos mesmos que lhe contavam de seus progressos nos estudos, de sua vida junto a sua mãe e como estavam bem acomodados e gozavam de ótima saúde todos eles.

E isso tudo se devia a ele que abriu mão de tê-los junto a si – em um povoado de pessoas praticamente analfabetas – para enviá-los a sua casa na capital, onde poderiam usufruir de conforto e de uma boa educação.
E era para lá que se dirigia quando por alguns dias desaparecia do povoado, não sem antes deixar plenamente racionados e com água seus animais de criação.

Sempre voltava feliz e intimamente sorria ao ver os olhares desconfiados e maldosos que lhe eram dirigidos, inclusive pelo pároco local, que se diga de passagem, era um velho rabugento que ali fora esquecido pela Igreja, sem nunca ter sido reconhecido ou elevado a uma paróquia maior e mais moderna.

E assim escrevendo para seus netos a vovó foi encontrada sentada em sua cadeira de balanço, quando os mesmos chegaram da capital para visita-la, a cabeça branca recostada no espaldar, o braço caído sobre as pernas, a caneta e o caderno ao solo, completamente adormecida, não os ouviu dizerem:
- Olá vovó!

O assassinato do médico de Cespedosa de Tormes

O

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

A vila de Cespedosa deTormes está situada sobre a antiquíssima fronteira de Castilha e de Leon, entre as províncias de Avila e Salamanca, na zona conhecida como Alto Tormes, em referência ao dito afluente do Doro.

A maioria de seus moradores são gente humilde que se dedica ao cultivo da terra e à criação de seus animais.

No dia 10 de julho de 1912, Don Leopoldo Soler, médico titular de Cespedosa, viúvo e pai de uma menina de tão somente quatro anos de idade, apareceu no lugar onde se encontram as ruas de Pablo Prieto e a praça Doutor Ramon Martin Frutos, dessangrado pelo corte que sofria nas veias e artérias do pescoço. Ali o deixaram sentado, qualquer que queria que executasse seu assassinato.

Don Leopoldo procedia de uma boa família da capital de Salamanca. Foi um estudante brilhante e se destacou também em todas as atividades sociais. Reuniões, comícios, algazarras contavam com sua assinalada presença.

Casou-se com Basilia Cáceres, filha de um renomado e bem considerado advogado e posteriormente em 1906 obteve o lugar de médico em Cereceda, de onde em pouco tempo passou a Cespedosa de Tormes.
Muito rapidamente se converteu em um personagem relevante no povoado, junto ao prefeito, ao sacerdote, ao juiz, ao farmacêutico e aos professores. Caiu na graça do povoado, ao menos no princípio, porém em pouco tempo isso mudou porque a se saber, segundo o rumor que corria no povoado, quando visitava suas pacientes femininas, parece abusava delas e para maior delito quando via o noivo ou o marido, não se recatava em dizer: “tu jogando a partida, entretanto eu, na cama com tua mulher.”

Os varões do povoado começaram a variar sua opinião do doutor, já que sua estendida fama de Don Juan, foi motivo de despeito e ciúmes entre os homens.

A atitude do médico se agravou ao falecer sua jovem esposa Basilia, por trás de uma curta enfermidade que a levou para a tumba.
Três meses depois de enviuvar, uma menina encontrou seu corpo degolado e sem vida, sentado na rua Pablo Prieto.
Avisou ao irmão do médico, que residia na mesma casa de seu irmão e este avisou a Guarda Civil.

Um repórter do diário El Adelanto de Salamanca a quem chamavam El Timbalero, José Sanchez, com experiência em outros crimes anteriores, tentou obter informação, porém se encontrou com um muro de silêncio, como já havia ocorrido antes ao juiz instrutor Don José de la Concha.

Aparentemente o doutor era um homem muito querido e respeitado. Lamentavam muito sua morte, porém ninguém colaborava no esclarecimento do crime.

O juiz optou por deter nove homens e duas mulheres. Todos eles entraram nos calabouços com a intenção de dissuadir-lhes de romper seu silêncio. Depois dos interrogatórios por parte da Guarda Civil ficaram três suspeitos principais presos.

O primeiro deles Ciriaco Hernández, apelidado O Brucho, era o matador do povoado que por seu ofício sacrificava ovelhas, cabras e porcos, cada dia de a matança com sua hábil mão manejando as facas e conhecia a perfeição veias e artérias, assim como sua localização para uma morte rápida e segura. Tudo isto unido a uma má relação com o médico, motivada pelos comentários que corriam pelo povoado e que falavam de que a mulher do O Brucho, Gaspara, mantinha com o médico uma relação a escondidas do marido, porém é sabido que estas coisas nos povoados são conhecidas e comentadas, o que constitui motivo de ridículo e fofoca às costas do suposto cornudo.

Como diz um conhecido dito castelhano: “ Não sinto que me ponham as guampas, senão a risadinha que lhes entra quando passo.”

O Brucho havia exigido esclarecimentos chamando a acareação a Gaspara e a Don Leopoldo parece, no entanto, que não se convenceu com as explicações recebidas.

O segundo suspeito, Pablo Vallejo, Pablines, em lugar de sua esposa se tratava de sua filha, porém neste caso parece que o médico tinha a intenção de casar-se com ela ao ficar viúvo.

O terceiro suspeito era Santiago Hernández, Chaguete, como costumavam em Salamanca a chamar aos Santiagos.

Uma testemunha o localizou na última noite com vida do médico em uma taberna do povoado dizendo a dois vizinhos que havia de matar o médico.

Ainda que os interrogatórios fossem aplicados com muita dureza, os detidos negaram sua implicação uma e outra vez. Ao final foram postos em liberdade. Todo o assunto acabou sendo considerado um crime coletivo, como ocorreu na famosa obra de Fuenteovejuna, onde mataram ao Comendador todos a uma.

Durante muitos anos os médicos procuravam permanecer o menor tempo possível naquele povoado, até que foi sendo esquecida a virulência do crime e da memória coletiva.
Nunca se chegou saber pela Justiça a realidade do ocorrido, porém sim, existem comentários de alguns naturais de Cespedosa de Tormes, que falavam de que alguma família do povoado seguiu guardando um importante segredo durante várias gerações, porque um de seus membros havia abandonado o povoado na mesma noite do crime no lombo de sua mula e nunca revelou seu destino real, ainda que parece viajou até Tucuman na Argentina e ali permaneceu até a hora de sua morte, amparado no silêncio do povoado, que considerava justo o que aconteceu aquele senhorzinho que não se privava de satisfazer seu capricho à custa da honra dos demais habitantes.

Hoje em dia as condições e direitos são muito diferentes, porém então as mulheres estavam mais desprotegidas e igualmente seus familiares, quando se tratava pessoas humildes.

Um conto de inverno em Santiago de Compostela

U

Silvia C.S.P. Martinson 

O dia estava gris. Acinzentado.

No céu as nuvens corriam soltas de cor cinza quase negras, carregadas de água e prontas a despejarem-se nas calçadas.

Não havia trânsito.

Parecia que o tempo e os homens haviam parado, sumido.

Na tarde quase noite as ruas estavam desertas.

Ele caminhava só, lentamente, aspirando o ar húmido do entardecer.

Os pensamentos fluíam em seu cérebro com a lentidão de como fora sua vida e que por incrível se passara tão rapidamente ao que, tampouco, a ele, houvesse percebido.

Lutara muito, trabalhara muito, sonhara muito.

E dos sonhos? Ah! Dos sonhos seus? Pouco realizara.

Ajudara a tantos. Às suas custas outros cresceram intelectual e financeiramente. Fora professor de idiomas.

A muitos distribuiu o seu saber.

Alguns tantos o aproveitaram.

E nesta tarde gris, caminhando se perguntava: e para mim o que fiz?

Tivera amores. Tivera-os alguns. No entanto, tão fugazes e passageiros, porque aquela que havia querido junto a si  conquistara, sim, por algum tempo e agora, definitivamente a perdera.

Descobriu que ela nunca o amara. Somente o admirara por sua capacidade intelectual, porém para si ambicionava mais.

Ele queria conforto, lazer, viagens, coisas que como mero professor não lhe podia oferecer.

Tiveram filhos.

Ela os criara a seu modo e maneira de pensar. Não havia afinidade entre eles somente o interesse financeiro os movia.

Um dia ele finalmente caiu em si e se deu conta de quanto estava perdendo tempo em ser feliz face aos seus preconceitos e uma ética que a ninguém importava, muito menos à sua família.

Entendeu que o mundo, os conceitos de felicidade e responsabilidade mudam também. E que apesar de sua rigidez, acima de tudo, tinha o dever de amar a si mesmo em primeiro lugar.

Constatando tudo isso e do tempo que havia gasto em provar aos outros que era uma pessoa rígida em seus conceitos morais, entrou em profundo sentimento de perda.

Naquele dia saiu a caminhar em profunda introspecção e ao passar na frente de um bar resolveu entrar e tomar um copo de vinho para, quem sabe, aliviar a sua dor.

E assim o fez.

No entanto, os copos se sucederam um após o outro.

Embebedou-se. E semiconsciente saiu a caminhar cambaleante para sua casa. Ali chegando ninguém prestou atenção ao seu estado, somente lhes preocupou o dinheiro que havia gasto no bar.

Mesmo bêbado ele verificou com profunda tristeza a atitude de seus familiares.

No dia seguinte, já em seu estado normal tomou uma decisão. Saiu, foi ao banco, retirou todo o dinheiro da conta que tinha em conjunto com a mulher.

Voltou à casa, escreveu uma carta deixando à família seus bens materiais, pegou seu relógio que havia esquecido sobre a mesa de cabeceira, no armário do quarto tomou de uma mochila e colocou dentro dela algumas roupas necessárias ao que resolvera fazer e mais ainda todos os seus documentos.

Assim fazendo, abriu a porta da casa, saiu e fechou-a com algum estrondo.

Caminhando chegou a uma estrada onde outros caminhantes ali já se encontravam a andar, solitários como ele.

Resolveu enfim ser livre e dirigir-se ao lugar com que sempre sonhara conhecer, uma cidade aonde as pessoas costumavam ir para meditar e buscar em si mesmas a harmonia, a felicidade.

Seguiu aliviado e exultante.

A carga que carregara a tantos anos sobre os ombros definitivamente se esvaia em cada kilometro conquistado ao caminho.

Enfim era feliz.

Na casa ninguém lhe sentiu ou notou a ausência. 

Protecção contra pombos

P

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Há cerca de vinte anos, aproximadamente em 2002, devido à minha situação laboral, ou melhor, devido à minha incapacidade de encontrar emprego como Economista, provavelmente por ter 52 anos e apenas três mestrados, aceitei dedicar-me ao trabalho de venda porta a porta. A venda por porta fria significava tocar à campainha das empresas e das casas particulares e oferecer os produtos da carteira.

Nessa altura, oferecia redes invisíveis e varas de 40 centímetros de comprimento com uma dupla fila de fios eretos. Ambos os produtos destinavam-se a evitar que os pombos se empoleirassem e fizessem ninhos nos edifícios que se pretendiam proteger contra os excrementos dos pombos e os danos causados nas fachadas e telhados pela acidez dos excrementos desses animais.

Um dia, quando estava de visita na rua Toledo, em Madrid, entrei numa igreja e comecei a falar com a sacristã, que me disse que eu devia explicar isto a Don Jesús, que era o pároco da igreja. Disse-me que esperasse, porque ia ver se Dom Jesus me podia receber para eu lhe explicar pessoalmente.

Dez minutos depois, regressou acompanhada pelo padre, que ouviu com muita amabilidade todo o meu repertório comercial para convencer-lhe a tirar os pobres pombos da igreja.

Depois de ter escutado todas as minhas explicações, Don Jesús, com um sorriso de comiseração, perguntou-me: "Sabe em que igreja estamos? E sem me dar tempo para responder, acrescentou: "Esta é a igreja da Virgem das Pombas".

Pensei imediatamente que tinha metido os pés pelas mãos, mas até esse dia não sabia que esta igreja tinha duas entradas, uma na rua Toledo, que era onde eu estava, e outra que eu conhecia, que se situa na rua de La Paloma, na esquina da rua Isabel Tintero.

O bom padre não podia admitir, no seu íntimo, eliminar os pombos que davam nome à igreja, por mais benefícios que pudesse obter para melhorar o seu aspecto exterior.
Mais uma vez vi que a vida nos dá lições quando menos esperamos.

Marilu

M

Silvia C.S.P. Martinson 

 Belo domingo de sol.

Vinha ela pela praça - cheia de gente, crianças a correr,alguns sentados ao sol, proseando, tomando chimarrão, confabulando, trocando beijos e juras de amor eterno – andar descontraído, de quem está acostumado a caminhar.

Vestia légs brancas e blusa azul soltinha, era do tipo baixinha, bem produzida, cabelos castanhos, profusos.

Quem a visse de longe diria tratar-se de uma jovenzinha. Não era.

Sentou-se ao meu lado no banco da praça e logo entabulou conversa:

- Tudo bem? Belo dia!

- Realmente! Bastante quente para a época!

Fiquei pensando: lá vem outra mala puxando conversa só para bisbilhotar da minha vida. Se sou casada, se tenho filhos, netos, moro aonde e até se sou mal amada... Ledo engano o meu.

Nós aqui do Sul somos muito reservados e até desconfiados com estranhos, apesar da tão propalada hospitalidade sulista. O gaúcho é um ser solitário por natureza, observador e vigilante quanto às novas amizades e às pessoas muito espontâneas.

Tipo maneiro ela, não era a jovem que pensara eu. Talvez beirava os 70 anos. Mas que setenta! Aja Deus!

E foi discorrendo com intimidade:

- Sabes, eu tenho uma filha morando lá em Natal. Sabes onde é? É casada. Filha única.
Tenho uma neta com 16 anos.
Fui recentemente morar lá, minha filha insistiu... Fiquei uns seis meses e voltei.
Não gostei do clima, não gostei do povo. Coitados! Aqui tenho muitas amigas com quem saio e me divirto. Sou separada... Tive quatro maridos ou companheiros, alguns amores, não deu certo, vá lá!. Agora tenho um companheiro. Ele não gosta de sair ou viajar que nem eu.

Nestas alturas eu já estava interessada na história dela, com a curiosidade aguçada e lhe fiz uma pergunta a fim de dar seqüência à narrativa.

- E aí como é que você faz? Perguntei!

- Ora, ele até é legal, cuida bem dos meus gatos. Tenho sete. Adoro gatos! O coitado, o nome – o nome de dele é Airton – não quer me acompanhar nas viagens, gosta mais da casa e cuida bem dela, quando não estou cozinha, lava e passa. É um amor de criatura!
Adoro viajar! Não me prendo a lugar nenhum por muito tempo, nem a ninguém, sou e sempre fui assim, andarilha. Ele sabe...
Ainda bem que não fiquei em Natal pois que minha filha arranjou serviço também em São Paulo juntamente com meu genro. Eles têm uma rede de lojas que precisam administrar.
Aí eu teria que ficar lá sozinha cuidando da neta. Vê só se pode! Longe do meu apartamento!. Tenho uma bela cobertura! Dos meus gatos, de minhas amigas, do coitado do Airton!. Ainda bem que levei pouca bagagem, não fiz a mudança completa.

Indaguei:

- Mas aqui o que você faz?

- Quando estou enjoada do Airton, de casa, ligo para as minhas amigas e saímos para nos divertir. Vamos beber, dançar, ir ao cinema, shoppings e praças. Depende do dia e da disposição.

Continuei a encorajá-la dizendo:

- Ah... A propósito nem nos apresentamos. O meu nome é Fênix e o seu?

- Marilu é como me chamam. Na realidade é Maria Luiza, mas não gosto, é complicado... Prefiro Marilu.

- Ok. Marilu. Prazer...

E ela segue:

- Olha tá vendo aquele senhor que passou? É meu conhecido. Ele está voltando. Espera...

- Oi! Tudo bom?

- Tudo bem!

Cumprimentam-se. Ele a olhou com intensidade.

- Viu! Ele faz parte da minha turma, mas contigo aqui ficou indeciso de chegar. Ele é um amor! Sozinho como eu!

Ah! Eu digo:

- E daí?

 

- Mas como te dizia o Airton é um pouco mais jovem do que eu, mas isso não tem importância não é?

Ela não espera resposta e segue:

- O que vale são as afinidades certo?

- Realmente Marilu!

Seus muitos colares, pulseiras, anéis e brincos cheios de pedrarias – até uma gargantilha com borboleta ela tinha – rebrilhavam ao sol da manhã enquanto se movia gesticulando as bijuterias.

Os óculos grandes de sombra lhe escondiam os olhos e parte das muitas rugas que lhe vincavam o rosto, devidamente disfarçadas por uma camada de base e pó. O sorriso era bonito, dentes bem cuidados. Teria sido uma mulher muito atraente e bonita quando jovem.

Seu espírito era vivaz, transpirava alegria e temperamento determinado quando falava.

Eu a ouvia.

- Olha lá! Disse ela.
Lá vem o pobre do Airton Ele chega, senta-se ao lado dela, sorri. Os dentes manchados de nicotina e falhados. A barba por fazer. Desalinhado. Mais jovem que ela, talvez uns 50 anos. Cochicham e riem.

Ela me apresenta.

- Airton esta é Fênix!

- Prazer.

- Prazer...

Senti-me naquele instante demais ali. O universo naquele momento girava somente em torno dos dois. Então lhes disse;

- Marilu, agora deixo vocês. Tenho um compromisso, preciso ir.

Prazer em lhes conhecer, felicidades...

- Prazer Fênix!

Deixei-os e quando me voltei não estavam mais lá. Iam ao longe, ela de calças brancas bem ajustadas, uma garota...

Ele de mãos dadas com ela, abrigo surrado, tênis cambaio.

Pareciam felizes! Afinal ele cuidava bem dos gatos dela e isso é o que importava.

De resto...

Figura ímpar aquela Marilu.

Valeu a pena conhece-la.

O domingo estava salvo!

O sol brilhava e segui meu caminho. Quem sabe alguma nova reunião interessante surgiria, pensei, quem sabe…

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