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Um marido infiel

U

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Minha amiga Alicia é Diretora Executiva de uma importante empresa multinacional do setor têxtil. Dentro de suas obrigações laborais tinha que planificar a implantação e desenvolvimento da rede comercial em outros países estrangeiros. Para isto tinha que viajar a estes países durante prazos de tempo que se prolongavam até três meses. E durante esses meses ela queria que sua mãe se encarregasse de vir cuidar do genro em suas ausências.

Seu marido, o genro da senhora, não tinha uma relação amistosa com a sogra e seu pretexto é de que não daria tanto trabalho, porque já era uma senhora bastante idosa, convenceu a esposa de que mais proveitoso seria contratar uma empregada interna para seu serviço e manutenção da casa.

Um par de semanas depois da saída de Alicia sua mãe se apresentou na casa do casal para comer. Quando a conheceu observou que era uma senhorita jovem, muito bonita e não lhe pareceu muito acertada a escolha.
Quando terminada a comida a sogra deu por terminada a visita e se foi a sua casa.

A criada recolheu os pratos, cobertas e demais utensílios de cozinha e os pôs na lavadora de louças.

No dia seguinte se pôs a coloca-los em suas estantes correspondentes e observou que faltava uma concha de prata com a qual havia servido a sopa no dia anterior.

Ao dia seguinte a buscou pela casa sem a encontrar e comunicou a falta ao dono da residência, que lhe recomendou que voltasse a procurar no outro dia, porque seguramente apareceria em qualquer lugar debaixo de algum móvel o assim.

No próximo dia a esteve buscando novamente e com o mesmo resultado.

Voltou a dizer ao dono e este pensou em perguntar a sua sogra se o havia visto. O fez e ela lhe respondeu que a havia deixado no quarto da criada debaixo do travesseiro.
E em ato seguinte perguntou a seu genro: Onde havia dormido todas estas noites a criada?

Meu tio Mete

M

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson
Narrado por Emeterio Rivera

Minha família paterna é oriunda de um povoado de Toledo chamado Gerindote.

Meu avô Apolonio quando muito jovem foi levado pelo exército espanhol à guerra de Mellila no Marrocos.

Em outro momento os contarei este episódio da vida de meu avô, porém agora quero falar-lhes de meu tio Emeterio, que era o terceiro por ordem de nascimento dos cinco que tiveram meu avô Apolonio e minha avó Isabel.

Lucia, Luis, Emeterio, Felix meu pai e Victor cujo verdadeiro nome era Julian, porém chamado Victor por ser este o nome de seu padrinho.

A seguinte narração está escrita por um dos netos de meu tio Emeterio, sobre um bloco manuscrito por ele. Seu neto lhe chamava Tello,  o avô Tello.

É uma estória de um homem sensível que me foi dada, a mim, seu sobrinho Pedro.

Neste momento me embarga a emoção pela recordação de um dos meus muito queridos tios. 

Que Deus te tenha em sua gloria tio querido.

Ainda recordo quando, com um lápis me desenhava um pato sobre uma folha de papel quadriculado de um pequeno bloco.

Agora, o faço eu mesmo para minha bisneta Makenna, minha americanazinha querida de 5 anos  que vive nos Estados Unidos.

Quero que vocês saibam que em minhas histórias, não faço distinção entre esquerda e direita, porque entre outras razões, acredito firmemente que pessoas boas podem ser encontradas em todas as crenças políticas, assim como pessoas más.

Temos que nos colocar no início dos anos quarenta, conhecidos como os anos da fome na Espanha. Após uma sangrenta guerra civil, na qual os espanhóis foram colocados contra os espanhóis, a Espanha foi devastada, seus campos tornaram-se improdutivos, a nata de seu povo havia morrido, sido mutilada ou forçada a fugir para fora da Espanha, por medo de represálias por parte dos vencedores contra os vencidos. Toda a Espanha se tornou um imenso campo de prisioneiros, no qual cada prisioneiro era investigado sem pressa sobre seus antecedentes e com todas as informações que as pessoas que o conheciam podiam fornecer. Mais tarde as democracias europeias, uma vez terminada a Segunda Guerra Mundial com a derrota dos nacional-socialista alemães e dos fascistas italianos, decretaram o isolamento da Espanha, motivadas pelo fato de que o lado vencedor do exército espanhol deveria estar alinhado com os vencidos na Europa. O maná que o Plano Marshall trouxe para a Europa não deixou um único dólar na Espanha, portanto o dano foi feito, não aos nossos governantes, mas ao povo espanhol, cujas classes mais pobres sofreram o flagelo da fome e doenças como a tuberculose, com milhares de mortes entre seus habitantes.
Meu tio Emeterio, a quem sua família inteira chamou de Mete e que, quando ele se tornou avô, um de seus netos chamava-o de Tello enquanto era um menino, era o terceiro de cinco irmãos que ficaram sem mãe em 1928. Minha avó Isabel, nascida em um pequeno vilarejo de Toledo perto de Torrijos, chamado Gerindote, de onde seu marido Apolonio e seus cinco filhos também eram originários .

Ela contava que se mudou para viver em um bairro muito humilde no sul de Madri, com seu marido e filhos, onde morreu no início dos anos trinta. Meu avô Apolonio nunca quis se casar novamente e permaneceu viúvo até sua morte, trabalhando com a família Ferrando, proprietários de terras no sul de Madri (Pradolongo, San Fermín, Ciudad de los Ángeles, Orcasitas, etc.), e de um Parador de Ganados, onde os fazendeiros que traziam os animais para o matadouro de Madri e os colocavam na noite anterior à sua chegada para abate.

Meu tio Mete obsequiou-me com uma história que ele viveu quando tinha 19 ou 20 anos de idade e trabalhou em uma oficina de reparação de carruagens, de propriedade do Sr. Diego Hurtado, escrita à mão por ele, e datilografada por um de seus netos. Este relato é a maior parte do traje que eu confeccionei, cortando aqui e acrescentando ali, e que diz o seguinte:
O trabalho de conserto de carroças foi muito difícil, muito diferente do de um carpinteiro ou marceneiro. Neste ofício, foi utilizada madeira de carvalho para os raios e para os fusos das rodas, choupo preto para os cubos, também para as rodas, as vigas e toda a estrutura da carruagem. As cinzas também foram utilizadas para as pernas. O ferro também foi usado extensivamente na fabricação de um carrinho, na fabricação dos pneus e aros dos cubos das rodas, barras laterais e placas de reforço. Todo este ferro teve que ser preparado e forjado na forja à mão, usando martelos e tornos. Na forja eles tinham um fole para acender o carvão e para fazer furos no ferro, eles tinham uma furadeira com um volante que tinha que ser movido manualmente, porque naquela época eles não tinham outro meio mais conveniente de fazê-los.

A oficina estava localizada no sul de Madri, no bairro de Las Carolinas, perto da antiga estrada da Andaluzia, agora chamada Calle de Antonio López, em cuja estrada uma linha ferroviária atravessava, com uma passagem de nível com barreiras, onde os veículos que viajavam ao longo dela, quando um trem se aproximava abaixava as barreiras, paravam até terminar de passar e depois retomavam sua viagem.

Numa tarde muito fria de dezembro, quando estavam trabalhando na oficina, chegou um homem com uma carroça puxada por uma mula. Era uma carroça muito bonita, do tipo valenciano, com seu toldo e cortinas, bem pintados, e com uma arca no fundo, onde os motoristas da carroça carregavam seus pertences pessoais, além da carga de mercadorias que estavam transportando.

Este senhor entrou na oficina dizendo que tinha sido atingido na lateral da carroça que havia se quebrado, então ele precisava consertá-la. O mestre da oficina lhe disse para deixá-la por mais um dia, pois naquela época não havia espaço interno para trazer a carroça para dentro, e estava muito frio lá fora para poder trabalhar. Mas o homem insistiu tanto que finalmente convenceu o mestre, que disse a Emeterio para ir lá fora e consertá-lo. Emeterio o fez, pegando as ferramentas e saindo para a rua, onde o vento norte soprava e estava gelado.

O proprietário da carroça ficou dentro da oficina e começou a conversar com o mestre ao lado da forja. Enquanto meu tio Mete reparava a carroça, a certa altura ele ficou curioso para ver o que estava dentro da arca e levantou a tampa de madeira que a fechava. Entre outras coisas, havia muitos pequenos fardos de paus com cerca de 10 centímetros de comprimento e um saco de pano com dois pães redondos dentro, cada um com cerca de 35 centímetros de diâmetro. Os olhos de Emeterio foram atraídos por aqueles dois pães, pois já havia muito tempo que ele não via um pão assim. Além dos pães, junto a eles, havia duas salsichas, cada uma medindo cerca de 50 centímetros quando esticadas. Havia também uma panela de barro novinha em folha cheia de fatias de coelho com chouriço em óleo.

Embora estivesse com muita fome, Emeterio colocou a tampa de volta no baú e a deixou exatamente como a havia encontrado no início. Para lhes dar uma ideia de como meu tio Mete estava com fome naquela época, lhes direi que todas as tardes, quando saíam da oficina, ele e seu parceiro Diego, que tinha a mesma idade que ele, e filho do Mestre, iam ao Mercado Central de Frutas e Vegetais em Legazpi, que ficava perto da oficina, lá descarregavam laranjas dos caminhões e para este trabalho lhes davam e cada um deles um bom saco de laranjas e algumas beterrabas que, uma vez fatiadas e assadas, pareciam tão saborosas e enganavam a fome maldita pela qual estavam passando.

Emeterio prosseguiu com seu trabalho, preparou duas placas de ferro e entrou na oficina para fazer alguns furos nelas. Naquele momento, o dono da carroça estava sendo engraçado, dizendo ao Mestre algo que o fazia rir alto, referindo-se aos feixes de palitos de dentes que ele havia armazenado na arca da carroça. Ele disse que alguns dias antes, quando estava chegando ao longo da estrada, viu uma acácia deitada no chão, que havia sido arrastada pelo vento. Ele parou junto a ela e carregou dois braços cheios de galhos da árvore na carroça e fez fardos de quatro paus cada um, sentado na carroça enquanto a mula o levava para o próximo vilarejo na província de Toledo. Quando entrou na aldeia, com os fardos já feitos, colocados em uma cesta, começou a proclamar: "Bastões de ouro para curar a diarreia das crianças" (naqueles dias muitas crianças morriam de diarreia). As mães da aldeia compraram todos os cachos que ele tinha na cesta, a dois reais por cacho. O Mestre e seu filho Diego não riram da venda dos pedaços de ouro, porque o nome da aldeia onde o vigarista os havia vendido era Gerindote, onde meu pai, meu tio Mete e todos os membros de minha família paterna haviam nascido. Meu tio Emeterio percebeu que o vigarista ganhava a vida enganando pessoas humildes e isso lhe causava um profundo desejo de vingança, pelo mal que estava fazendo ao brincar com a dor de outras pessoas. Ele saiu da oficina para terminar de consertar o carro e chamou Diego com a desculpa de que precisava dele e mostrou-lhe o conteúdo da arca, que quando o viu disse a Emeterio: "vamos tirar um pedaço de pão dele", porque se os olhos do meu tio Mete estavam indo, as mãos de Diego já estavam vindo. Meu tio lhe disse que tudo era por sua própria conta. Entrarei na oficina e se você ver que ele vai sair, bata duas vezes com o martelo na grande bigorna duas vezes para me avisar. Eu cuidarei do resto, meu tio lhe disse.

Na rua, naquela tarde fria, ninguém passava por ali. Em frente à oficina havia um terreno onde eles iam construir um galpão e tinham descarregado uma carga de blocos para fazê-lo. Meu tio subiu na pilha de blocos e retirou três deles para um lado, colocou o saco com o pão, as salsichas e o guisado no buraco que ficou, e colocou os blocos de volta em cima para cobrir tudo.

Então ele entrou na oficina e disse a seu mestre que a carroça estava consertada. O Mestre e o motorista da carroça foram para a rua e, após pagar pelos reparos, o dono da mesma convidou o Mestre para tomar uma bebida em um bar perto da estrada, onde ambos entraram no veículo.

Depois de um tempo o Maestro voltou à oficina e cerca de uma hora depois o motorista da carroça voltou à oficina e nos disse que eles haviam levado parte da comida que ele carregava. Emeterio perguntou-lhe onde ele havia deixado a carroça quando entraram no bar, porque se a tivessem deixado do lado de fora, a teriam tirado dele, e disse ainda que: como os veículos pararam na passagem de nível, havia muitos ladrões por perto para roubar deles. O mestre reforçou esta explicação e o proprietário do carro teve que sair resignado à sua perda.

No final do dia de trabalho, o mestre foi para casa e depois Diego e Emeterio, que ficaram para limpar a oficina, saíram à procura de seu tesouro escondido.

Eles o levaram para a oficina, onde o esconderam no que acharam ser o lugar mais seguro, mas não sem antes recolher uma ração para cada um deles. Depois foram para Legazpi, mas não para trabalhar no mercado e sim entraram em um cinema que existia lá, ao lado da entrada do Metrô. Uma vez dentro do cinema, ambos começaram a comer avidamente. Naquele dia eles estavam assistindo o filme La Salvaora, de Lola Flores e Manolo Caracol, mas as pessoas ao seu redor estavam mais interessadas no que estavam comendo do que em assistir ao filme. Durante 5 dias eles estavam comendo do conteúdo do baú da carroça. Em um dos dias eles convidaram um menino de mais ou menos de sua idade com um pedaço de pão e um pedaço de linguiça, porque os olhos do pobre não paravam de vaguear atrás da comida e a eles lhes deu um pouco de compaixão.

Durante aqueles cinco dias, quando minha tia Lucía, sua irmã mais velha que estava encarregada de criar e cuidar de todos os irmãos, lhe serviu o mingau que comiam todas as noites para o jantar, porque não tinham nada melhor, Emeterio não estava com fome. Isso era bom para os outros irmãos, que eram mais capazes de satisfazer seu apetite, mas ela estava preocupada com a falta de apetite de Emeterio, que não ousava explicar a ela por que estava tão relutante.

Meu tio Mete lamentava ter jogado fora aquela nova panela de barro e a deixou no pátio da casa da família, o que muito estranhou a minha tia Lucía que se fartou de perguntar a todos os seus irmãos de onde tinha vindo a panela. Foi um esforço inutil porque ninguém sabia, exceto o tio Mete, que não abriu a boca e fingiu não saber de nada.

Depois de um ano, Diego e Emeterio, ao acabar-se a comida voltaram ao mercado todas as tardes para descarregar caminhões e contaram ao Mestre o que havia acontecido, mas ele não gostou. Depois de um tempo ele os desculpou, percebendo que a maldade do motorista da carroça mais do que merecia o comportamento dos dois meninos, posto que não hesitasse em abusar do desespero das mães de Gerindote em tempos tão difíceis como aqueles.

Crecemos con a rádio

C

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Nos anos cinquenta minha mãe comprou um receptor de rádio da marca Telefunken.

Aquele aparelho era caríssimo para a época, quinhentas pesetas. Era um aparelho de válvulas muito bonito e potente receptor, que recebia emissoras de muitas cidades de toda Europa. Uma de essas emissoras me ficou gravada pela raridade do nome que não era outro senão HILVERSUN. Aquele receptor o comprou minha mãe em uma loja que se chamava El Ojo Mágico na rua Toledo 45 de Madri, onde trabalhava como dependente Elena Palomino, irmã de Paco, o marido da prima Carmen e que era lindíssima, ao menos me parecia. Elena se casou anos depois com um farmacêutico um tanto mais velho que ela e que tinha a farmácia na Rua Mayor, muito perto da praça de mesmo nome de Madri.

Meu pai encomendou a Saturnino, meu vizinho que era carpinteiro de ofício, um suporte quadrado de madeira envernizada e o fixou na parede da cozinha de nossa casa, justamente em cima da mesa, na qual comíamos os seis membros da família, à altura de 1,80 metros. Sobre este suporte se manteve o aparelho de rádio anos e anos. Eu passava muitíssimo tempo escutando e aprendendo de tudo que emitiam pela querida rádio. Recordo que meu pai na hora da comida nos exigia silencio, porque lhe gostava escutar o PARTE.

O PARTE eram as notícias do que vemos na televisão e que chamamos Telediário. Isto provinha de Parte da Guerra que emitia a Radio Nacional nos tempos da Guerra Civil Espanhola.

Todos temos na memória a última parte da guerra do dia um de abril de 1939, porém, creio, será preferível não voltar a recordá-lo. Foram tempos muito duros para os vencedores e mais duros para os vencidos. Eu nasci em 1950 e minhas recordações não incluem aqueles primeiros anos do pós guerra, graças a Deus, porém sim os conheci através de terceiras pessoas que viveram aqueles tristes anos. Embora não gostassem de recordar as privações, as perseguições, os encarceramentos, sempre captava conversações, retalhos do que haviam vivido.

Crescemos com o Rádio, porém o rádio nos transportava a outros mundos muito mais bonitos. Minha mãe escutava as séries irradiadas de Guillermo Sautier Casaseca por exemplo. Recordo Ama Rosa. El Derecho de Nacer. Também recordo da série Dos Hombres Buenos.

Porém como menino que era, o que mais desfrutei foram os contos que contavam cada dia, como por exemplo La Tabla de Multiplicar, Galgos o Podencos, que nos preparavam para a vida de adultos com suas correspondentes moralidades. Aqueles dois coelhos que entretidos em discutir se os cachorros que os perseguiam eram galgos ou eram cães de caça se esqueceram de continuar fugindo e caíram em seus dentes.

Este conto me ensinou que não podemos distrair-nos do que é importante para discutir o acessório.

Outros contos que não esqueço são: La ratita Sabia, La Gallina Marcelina,(que era uma galinha com muita tradição, visto que era de sua avó o Ovo de Colombo), Garbancito, El Gallo Kiriko (a quem ninguém queria limpar o bico para ir ao casamento de seu tio Perico) e El Enano Saltarin.

Todas as manhãs, às 10 horas começava um programa chamado Conozca a Sus Vecinos, aonde aqueles que tivessem preocupações artísticas iam cantar nos microfones da rádio para chegarem a ser conhecidos pelo grande público. Os patrocinadores dos programas anunciam seus produtos através de suas canções comerciais, que meninos aprendíamos e cantávamos em voz alta. Cola Cao ( eu sou aquele negrinho), Okal Almacenes Ruiz (se me queres ver feliz é preciso que me leves aos Armazéns Ruiz, de Hortaleza 19) e Muebles Cabezón.

Nos fins de semana os locutores Bobby Deglané e José Luis Pecker nos convidavam a Cabalgata Fin de Semana e domingo de tarde Carrusel, com seu seguimento de futebol, permitia a meu querido pai comprovar os resultados das partidas e checar os resultados dos pools com a ilusão de acertar os quatorze e fazer-se milionário da noite para o dia. Matilde Vilariño, Pedro Pablo Ayuso, Juana Ginzo, se convertiam em divertidos personagens como: Matilde, Perico e Periquin. As cinco da tarde, La Portera y sus Vecinos, faziam rir a audiência com suas graciosas ocorrências e igualmente sucedia ao meio-dia com La Saga de Los Porretas.

Grandes profissionais que ganhavam os Premios Ondas e Antena de Oro, dirigiam programas de grandes audiências, como por exemplo , Joaquin Prats e Alberto Oliveiras com Ustedes Son Formidables. Havia programas que aparentemente eram para as tardes das damas, porém eram seguidos por inumeráveis varões, como era o caso do Consultorio de Elena Francis, que seguia na antena oitenta.

Recordo de programas solidários tais como a Operación Clavel o qual dirigia o grande Boby Deglané e que recolhia ajudas para os afetados pela inundações de 1961, sofridas pelos sevilhanos.

Mais tarde houve outro programa quando das inundações de Vallés na Catalunha.
Outro grandíssimo profissional do radio, Joaquin Peláez dirigiu a Operación Plus Ultra que selecionava autênticos heróis infantis para que espalhassem seu magnifico exemplo entre os demais meninos.

Humoristas como Gila e Pepe Iglesias El Zorro me fizeram rir sem parar com suas noites hilariantes.

Não acabaria nunca de contar minhas recordações do rádio, tendo em conta que até 1964 não chegou o primeiro televisor a minha casa e assumiu os cuidados da atenção familiar, porém não quero terminar este fio sem mostrar meu agradecimento ao que se chama Peticiones del Oyente, aonde a pedido de familiares e amigos nos chegava <a felicitação de aniversário, mediante as canções em moda, interpretadas pelos cantores mais famosos do momento. Juanito Valderrama cantava El Emigrante, dedicada a aquele filho que estava trabalhando na Alemanha, ou Su Primera Comunión se se tratava do mês de maio e da celebração das comunhões, que então eram grandes celebrações. Antonio Molina nos cantava Soy minero, Angelillo nos levava por seu Camino Verde e tantos outros músicos que com suas composições alegravam nossas vidas.

Quero expressar meu agradecimento a todos os profissionais do radio que com seu esforço, como continuam fazendo-o hoje em dia, nos ajudaram a superar aquela Espanha que tutava contra a desigualdade que nos diferenciava do resto da Europa.

Houve anos em que a gente pensava que a televisão acabaria destruindo o radio, porém o correr do tempo demonstrou que o radio, por sua própria constituição, por seu imediatismo, supera em muitos aspectos a televisão.

Tudo que aprendi de menino escutando aquela Telefunken de válvulas me serviu ao largo de minha vida, de igual modo que me serviram, os ensinamentos de meus pais e de meus mestres.

Durante as noites de meus muitos anos trabalhando como taxista noturno, meu querido radio esteve me acompanhando e há conseguido que as horas transcorressem com presteza

Hoje aos meus 73 anos sigo, escutando cada manhã, o radio e nos fins de semana escuto a Pepa y su No es um día Cualquiera, fazendo-me sentir como se estivesse entre grandes amigos.

Espero não haver vos entediado com minhas recordações. Desejo-vos, a vós outros, que sua vida transcorra com a maior placidez.

O descabeçado

O

Silvia C.S.P. Martinson 

Um lugar. Um planeta. Ano, 3.145.

As cidades são enormes, não há prédios altos, edifícios como os que conhecemos hoje. São casas de dois ou três pisos, adequadas às necessidades populacionais, que possuem luz própria e refulgem nos mais diferentes tons, quando, sobre elas, refletem os raios dos dois sóis que abastecem de energia este planeta gigantesco.

Tais casas são transparentes à visão interna podendo-se observar plenamente o que se passa em seu exterior sem que a privacidade de seus habitantes seja perturbada por olhares porventura curiosos.
Aliás, o povo deste planeta não é nem um pouco curioso.

Falemos agora, sobre o povo residente para, posteriormente, narrarmos a estória propriamente dita.

Povo estranho para nossas atuais concepções, tanto física quanto psiquicamente.
Seus corpos não se deterioram quando são deixados. E deixados, como veremos mais adiante, é literalmente o termo mais correto.

São criaturas fisicamente quase iguais. Mesma textura, mesma altura – por sinal, extremamente altos e belos – cabelos ou pretos ou louros, olhos castanhos ou azuis, pele de cor amorenada, segundo nossos atuais parâmetros de cor. Os homens têm o mesmo porte altivo e são sexualmente bem dotados. As mulheres, portadoras de fartas cabeleiras, têm seios avantajados e torso e nádegas e pernas bem torneados. Sexualmente, todas elas, especialmente atraentes

Nestas cidades tudo é programado. Como as criaturas não necessitam alimentar-se da forma tradicional, basta-lhes aspirar aos eflúvios vindos dos “alimentos” – oriundos das formas básicas milenares – processados e altamente energéticos. Não há produção e trabalho braçais. Não há campos a lavrar.

Portanto, os seres executam somente serviços de ordem intelectual, destinados a manutenção e conservação da governabilidade e da paz e isto acontece em pequenos períodos do dia, que dura, em média, 36 horas.

Todos os cidadãos obedecem à ordem programada; as segundas-feiras é o dia do afeto-sexual, as terças são dedicadas à alimentação, as quartas se encontram e confraternizam com os habitantes do mesmo bairro, as quintas reúnem-se em um grande anfiteatro da cidade para ouvir música e aumentarem seu “acervo de sons”, as sextas saem a caminhar, quando então, as calçadas e as ruas rolantes são paradas para tal mister. Aos sábados todos ficam em suas casas, tratando de suas roupas e utensílios, pondo-os em ordem. Neste dia circulam os únicos veículos, chamados RECOLHEDORES, pela cidade. Mais tarde falaremos especificamente sobre eles. Aos domingos todos dormem.
Como se vê são cidades super organizadas.
A propósito as criaturas, seus habitantes, são chamados e conhecidos por números e não por nomes.

Um Bilhão e Quinze Mil era o nome dele. Sua mulher chamava-se Um Bilhão e Vinte Mil. Intimamente apelidaram-se de Biquin ele e Bevin ela. Estavam acostumados.
É aqui que começa a nossa estória.
Biquin após ter dormido com sua mulher Bevin todo o domingo, acordou segunda-feira sentindo-se estranho, não estava como sempre tão disposto ao “afeto-sexual.”

Ela como sempre nestes dias (segundas-feiras) chegou-se a ele com os grandes e rijos seios semi a mostra, o corpo aquecido e úmido, as nádegas quase vibrantes e encostou-se, pressionou-se a ele, ao seu corpo, fazendo com que a sentisse inflamada e disposta ao coito.

Como lhe percebesse certa frieza, coisa até então nunca sentida, por parte dele, pegou sua mão e conduziu-a lentamente sobre seus seios fazendo-a deslocar-se até sua genitália, que nestas alturas já vibrava aquecida e umidificada, exalando o perfume que lá colocara antecipadamente. Semicerrou os olhos e entreabriu a boca para receber-lhe a língua poderosa.Ele cedeu. Um frêmito passou-lhe por todo o corpo acendendo seu desejo. Copularam o dia todo, das mais diferentes e ousadas maneiras.
É necessário que se diga: As mulheres destas cidades as segundas-feiras, sempre, sem exceção, recebiam e procuravam seus maridos seminuas, de olhos semicerrados e bocas entreabertas, corpo excessivamente quente, levemente molhado e perfumado.

Terça-feira – Dia da alimentação.
Biquin colocou as pílulas energizantes, dele e dela, em recipientes próprios e separados. Borrifou-os com um líquido especial. Imediatamente vapores começaram a sair daquelas, sendo aspirados individualmente por cada qual. Isto por várias horas. Ao fim do dia estavam energizados.

Quarta-feira. Biquin ainda com uma impressão estranha de incompletude, como se algo estivesse a lhe escapar do controle, um sentimento vago e inquietante de ausência – coisa que nunca sentira desde que se dera conta de si, isso há tanto tempo que já não sabia mais precisar – dirigiu-se com sua mulher, meio-contrafeito, à reunião do bairro para conversar, trocar idéias com seus confrades, aos quais, no entanto, não expôs suas atuais sensações.
Na quinta-feira, como sempre, todo o povo dirigiu-se ao anfiteatro para ouvir música e aumentar o seu “acervo de sons”. Biquin e Bivin, inevitavelmente, também foram.
Sentados em confortáveis cadeiras, em silêncio, preparavam-se para a audição.
A música, que era transmitida por enormes e complexos aparelhos, se espalhou no ar. Era como sempre calmante. Acrescida, no entanto, de novos sons, que, paulatinamente, iam sendo registrados em seus cérebros, incorporando-se ao seu “acervo”.

Foi neste exato momento, mais propriamente naquele dia que Biquin começou a compreender o que lhe ocorria e então se fez algumas perguntas que não soube responder:
- Por que necessitamos de ouvir música e aumentar nossos “acervos”?
- Por que ouvir música se já a temos registrada em nossos cérebros?! Podendo ouvi-la intimamente sempre e quando quisermos.
- Por que todo o povo necessita reunir-se no anfiteatro?
Terminou o dia, a audição e todos retornaram aos seus lares.

Amanheceu, os sóis brilhavam, as casas resplandeciam. Era sexta-feira.

As perguntas feitas a si próprio, inquietantemente, continuavam a martelar na cabeça de Biquin.

As ruas e calçadas rolantes estavam paradas.
As criaturas andavam aos pares caminhando sem pressa por muitos quilômetros, circundando parques, ruas, avenidas. Era necessário movimentar-se, como se engrenagens novas, recentemente lubrificadas, fossem postas em ação para ajustar-se e melhor desempenharem suas funções. Era obrigatório o movimentar-se.

Biquin sentou-se em um banco de praça, estava inexplicavelmente cansado, nunca isto lhe ocorrera. Fez sinal a Bevin para que seguisse sozinha à caminhada obrigatória. Ela o olhou longamente, uma lágrima, uma única, correu-lhe pela face, disfarçou, disse-lhe adeus e seguiu.

O desânimo era grande demais nele. As perguntas não respondidas assomavam insistentemente ao seu cérebro. E aos poucos uma idéia estranha, inusitada, começou a envolvê-lo, obstinadamente, retirando-lhe toda lógica e entregando-o somente a um desejo violento de:
Desenroscar do corpo a cabeça. Seria isto possível?

Sozinho na praça, já entardecia, ele iniciou sua tentativa. Por incrível que pareça acreditou ser possível. E, lentamente, começou a desenroscar sua cabeça. No início ocorreram alguns estalos, como se as peças por falta de uso estivessem emperradas. Mas com um pouquinho mais de força e um estalo maior ela começou a mover-se. Primeiramente em ângulo de vinte e cinco graus, após quarenta e cinco, passou rapidamente aos cento e oitenta e finalmente aos trezentos e sessenta graus. Já não se surpreendia, ao contrário, uma grande sensação de alívio o acometeu. Só faltava, agora, retirá-la do pescoço.
Foi o que fez. Colocou-a delicadamente ao seu lado no banco. Já não sabia se era corpo ou se era cabeça. Mas o que importava agora?!
Ao seu redor as coisas, as imagens, os sons foram se desvanecendo e desapareceram por completo.

Só restou um corpo e uma cabeça que, naquele planeta, não se deterioravam.
Por sua vez Bivin, em seu lar, sentou em um sofá e desligou-se de todos os seus sentidos. Para sempre.

Na sala de Controle de População do grande complexo governamental, onde se decidiam da criação ou extinção de “criaturas programadas”, na frente de uma enorme tela televisiva Tresbieum (Três bilhões e um milhão) diz a Tresbiedois (Três bilhões e dois milhões), esses eram seus nomes:
- Finalmente desligados Biquin e ela! Tudo ocorreu como o programado. Estavam velhos e obsoletos, só ocupavam espaço. Sua tecnologia estava ultrapassada, não havia conserto nem reparos a serem feitos. As peças não existem mais.
Agora haverá um lar a mais para os futuros pares.
- Realmente, mas você Trisbieum há de concordar comigo em alguma coisa, já que somos tão diferentes...
Como eram bonitos e perfeitos, para a época em que foram criados, os nossos pais, você não acha?
- Sim, nossos pais!

Mas isto já não importa, amanhã é sábado e os caminhões RECOLHEDORES os levarão para a reciclagem de materiais. É sempre assim...
- Ainda bem que domingo dormiremos.

É necessário, ainda, que se explique que neste planeta quando um dos cônjuges era desativado o outro, inevitavelmente, o seguia em sua sina.

Amor paternofilial

A

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson
Fotografía: Makkena, bisnieta del autor. Album familiar de Pedro Rivera Jaro

Eu posso compreender muitas coisas porque tenha lógica e porque sucedem comumente a muitas pessoas. Por exemplo: a ruptura de casais que antes sentiram grande amor entre eles, porém as circunstancias da vida o esgotaram.

O que não entendo e não poderei entender nunca, é que se esqueçam dos filhos que foram fruto desse amor, que é justamente o caso ocorrido nos anos trinta com meu primo Joselin e logo se há repetido, fazem 6 anos com minha bisneta Makenna.

Os obstetras advertiram a minha tia Santa, irmã mais velha de minha mãe, e a meu tio José, seu esposo, no parto de Joselin, que não tivesse mais gravidez porque lhes custaria a vida da mãe e do bebê.

Dois anos depois se cumpriu a predição do médico e minha tia Santa perdeu sua vida assim como a vida do bebê em seu seguinte parto

Em pouco tempo o tio José desapareceu da vida de seu filho Joselin ao emparelhar-se com outra mulher, com a qual teve dois filhos. Ao primeiro deles voltou a pôr o nome José, algo muito criticado pela nossa família, cujos membros (meu avô Pedro, meus tios, minhas tias y minha mãe) se ocuparam de criar com todo carinho a meu primo.

Quis o destino que aquele segundo filho que teve por nome José, falecesse esmagado contra uma parede por um caminhão quando o próprio pai o estava estacionando. Houve algum membro de nossa família que manifestou que se tratava de um castigo de Deus, porém eu sempre havia pensado que Deus não podia participar em um ato de castigo a um mau pai, que terminasse com o falecimento de um menino inocente.

Aquele mau pai voltou a fazer parte da vida de Joselin quando este se casou na idade de vinte e tantos anos.

Minha mãe lhe jogou na cara o esquecimento em que ele havia mantido a seu filho primogênito e o bom senhor deu por desculpa que, seu filho quando o via pela rua lhe apedrejava. Cada um que opine o que prefere.
Graças a Deus o menino teve o carinho e os mimos de toda a família e principalmente de minha mãe e de meu avô Pedro e não sentiu a terrível falta de seus pais.

Muitos anos depois voltei a viver um caso similar nos Estados Unidos na pessoa de3 minha querida bisneta Makenna, que cumprirá 7 anos no próximo mês de Janeiro de 2024.

Ela é filha mais velha de Nicole minha neta mis velha a qual enamorada de Devan, um companheiro de seu colégio, e seu primeiro noivo, formou um casal com ele sendo muito jovens, e com 18 anos trouxe a menina a este mundo.

Como em dois anos depois do nascimento da menina, seu pai Devan se enamorou de outra mulher que já tinha três meninos de outras relações anteriores, saiu da casa matrimonial e começou a viver com ela e seus 3 filhos.
Na atualidade tem 2 meninos mais, fruto desta nova relação de Devan.

Até aqui tudo normal com o arranjo e os costumes da sociedade em que vivem. O que já não acho normal é que Devan se tenha esquecido de que Makenna está no mundo.
Nunca vem vê-la, nunca lhe presenteia, nunca em um aniversário, nenhum São Klaus, nenhum fim de semana...
Que tristeza! Que pena!

Afortunadamente é uma preciosa menina que vive com sua avó Diana, minha filha e com seu esposo Jessie e que a todos queremos muitíssimo e que é espertíssima e cheia de vitalidade.

Não lhe faltam jogos, não lhe faltam presentes, não lhe falta carinho e nem sequer lhe falta amor de seu Daddy, que é como Makenna chama a seu autêntico papai Jessie, que sente por ela a mesma paixão que a menina sente por ele.

Quem perde neste caso é Devan, seu pai genético, que nunca saberá a preciosa menina que Deus lhe presenteou e que há esquecido.
Os filhos não pedem para vir ao mundo, somos os adultos que os trazemos e somente os miseráveis esquecem que eles também foram crianças e que necessitaram do carinho de meus mais velhos para amadurecer sem carências afetivas nem materiais.

Férias na vovó

F

SIlvia C.S.P. Martinson 

Quando éramos crianças do que mais gostávamos se passava no final do ano, depois do Natal, em pleno verão, era ir á casa de minha avó.

Meus pais tiravam alguns dias para descansar.
Ou íamos para uma casa que alugavam na Praia, ou saíamos para visitar minha avó paterna e meus tios e primos na cidade de Ijuí.
Ijuí se localiza no Estado do Rio Grande do Sul-Brasil e foi fundada por meus avós e outros imigrantes alemães que lá foram viver e criar suas famílias.

Creio que não foram os primeiros a chegar ali.
Quando criança esta cidade tinha seus costumes locais bem arraigados e tipicamente alemães. Desde os hábitos de comida como até o idioma falado correntemente era aquele.

Minha avó morreu aos 98 anos falando diariamente e somente seu idioma pátrio.
Normalmente os habitantes eram de religião evangélica, adeptos de Martín Lutero e nos cultos o pastor se expressava somente em alemão.

Meu pai falava e escrevia correntemente em alemão, até porque estudou como interno em uma escola onde se preparava para ser pastor. Por fim abandonou tudo e foi servir ao exército brasileiro em outra cidade do Estado, onde conheceu e se casou com minha mãe.

Soube por meu pai que houve muita perseguição, no pós-guerra, aos imigrantes alemães sob a suspeita de serem nazistas.
Meu pai nunca quis nos ensinar o idioma alemão, acredito, por puro medo, temia a perseguição que graçou no Brasil por muitos anos, infelizmente.

As férias tão ansiadas para ir à casa de minha avó - que, diga-se de passagem, era muito grande, cômoda, bonita de que se localizava em pleno centro da cidade – era uma verdadeira epopeia. Até chegar lá muita coisa se passava.

Saíamos pela manha bem cedinho na camioneta de papai, passávamos por várias cidades até tomar a estrada que nos levaria até Ijuí. Naquela época a estrada era de terra não havia asfalto ali.

A terra era vermelha e penetrava em tudo a poeira, pois que tínhamos que ir com as janelas abertas, era verão, fazia calor e não existia ar condicionado no carro. Somente os mais luxuosos possuíam ventilador.

Quando se aproximava outro veículo meus pais ordenavam que se fechassem as janelas a fim de que não penetrasse mais ainda a poeira.
Naquela região produzia-se muito trigo de outros cereais. Era lindo ver os trigais oscilando ao vento como as ondas do mar, todavia amarelas, quase douradas.

Meu tio casado com a irmã de meu pai era um dos diretores e proprietário de uma grande empresa de exportação de trigo.

Já a noitinha quando estávamos prestes a chegar, meu pai acorria a um posto de gasolina que havia na entrada da cidade para que nos lavássemos, em tonéis de agua que havia fora, os rostos e os braços a fim de que não chegássemos como índios peles vermelhas e também não só a pele como também os cabelos desgrenhados, na casa de vovó, que provavelmente não nos reconheceria após 12 ou 14 horas de viagem.

Vovó nos recebia sempre com muita alegria, a pesar de não entendermos uma palavra do que falava. Expressava-se somente em seu idioma pátrio.

O que mais gostávamos era do quarto que sempre nos reservava à minha irmã e a mim.
As camas eram altas e tinham um lastro como suporte de colchão que era de aço flexível, por sobre o qual era colocado um de crina de cavalo e plumas.

As cobertas também eram de plumas de ganzo e todos os dias tinham que ser sacudidas de tal forma que não ficassem tais plumas localizadas em um só lugar, deixando vazias as demais partes da mesma, consequentemente causando frio a quem as usasse.

Adorávamos aquelas camas altas e flexíveis porque éramos muito traquinas de o que mais fazíamos, para desespero de minha mãe e da avó, era saltar em cima delas a ponto de quase tocarmos o forro da casa que se localizava a uma altura considerável.

Minha mãe e minha avó, em conjunto, gritavam, quando nos pegavam na traquinagem, a plenos pulmões para que parássemos, caso contrario a palmada na bunda seria a solução.

Uma vez rompemos um travesseiro que também era de plumas. Estas voaram por todo o quarto indo parar na rua em frente pois que a janela estava aberta.

Meu pai que sempre foi bonachão se ria a mais não poder, enquanto minha mãe, sempre tão rigorosa, puxou da chinela para nos bater.
Até hoje me lembro da cena maravilhosa!
Ela está viva em minha memória.

Perigos da infancia

P

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson
Fotografía: Album familiar del autor Pedro Rivera Jaro

Não encontro explicação da maneira pela qual os meninos de minha geração (nascidos em 1950) havermos conseguido sobreviver ao ambiente em que nos criamos. Aos meninos de agora os mantemos em algodões para que estejam a salvo de qualquer perigo.

Nós outros jogávamos na rua todo o tempo que nos deixavam livres nossas obrigações, que para a maioria dos meninos eram unicamente o colégio e os deveres postos pelos professores. Em meu caso particular eu tinha deveres que me punham meu pai e minha mãe como eram: cuidar das galinhas, dos coelhos e das pombas, ou fazer os mandados de compras de alimentos para a casa. Também tinha que ir a fonte pública para colher água potável para cozinhar, esfregar e lavar.

Em troca a água de regar o pátio, o galinheiro e o jardim a tirava de um poço que havia escavado meu avô Pedro e que se encontrava em um lugar do pátio junto a pilha de roupas a lavar antes de chegar a casa a primeira lavadora Hoover-Hogel. Por último, todas as noites quando meu pai voltava do trabalho com seu caminhão, eu tinha que lavar os vidros da cabine, os faróis e os pilotos. Também limpava e lustrava os cromodados da frente do caminhão Studebaker. Aos sábados pela manhã tinha que varrer os pátios e a garagem.

Porém, não obstante todo o anterior, tínhamos tempo também para jogar. Desde quando recordo, jogávamos futebol em umas terras que existam bem perto da fonte pública sem cansar-nos nunca enquanto tivesse luz do dia. Jogamos primeiro com bolas feitas de trapos velhos atados. Logo juntamos dinheiro entre todos e compramos uma bolinha de borracha. Por último formamos uma equipe de meninos e aportávamos uma quota de uma peseta cada semana até que pudemos comprar uma bola; por fim uma bola.

Também jogávamos ao esconderijo, ao resgate, a dola, a pasimisi, ao bote bolero, ao para peão e outros muitos jogos sobre as ruas de terra, sem asfaltar, de nosso bairro.

A primeira vez que baixei ao rio Manzanares com meu amigo Tomasin para tentar colher rãs e peixes, sem conseguir, ao voltar para casa com os sapatos, pés e meias manchados de barro e lodo, meu pai me descobriu junto ao cubo de água que havia tirado do poço para lavar-me. E depois de dar-me umas palmadas, me castigou e proibiu terminantemente de baixar ao rio.

Como podeis compreender, ele o fazia para proteger-me evitar que pudesse afundar nos pântanos das margens do rio Manzanares e me afogar nelas. Eu naquela tinha como cinco anos.

Por suposto que, ainda ao risco de receber castigo, a mim encantava baixar ao rio com meus amigos, todos mais velhos que eu, a caçar lagartixas, lagartos e cobras que se criavam por ali, entre aqueles aterros de escombros. Também nas encostas daquelas pequenas montanhas fazíamos o que denominávamos escorredores e com madeira compensada ou caixas, lançávamos punhados de areia e deslizávamos sentados até o fundo da encosta.

Se ao chegar à casa manchado de terra estava nela minha mãe que embora me admoestasse não me batia. Porém se estava meu pai era diferente, porque com aquela mão cheia de calos de trabalhar, carregando o caminhão, que era uma pedra por sua dureza, me dava na bunda. Dizia que na bunda não se rompia nada. Porém o certo é que me doía muito.

Transcorreram uns quantos anos e quando eu contava com uns doze os jogos se foram sendo mais arriscados. Nós juntávamos três ou quatro amigos e com lanternas entravámos pela desembocadura dos coletores do sistema de esgoto do subsolo das ruas de Madri. Recordo de um de meus amigos que, desconheço porque, o chamávamos de Tragamuelles (engolidor de primaveras) e era um jovem que sempre tinha um sorriso na cara. Os coletores eram cofres com uma pequena calçada ao lado da direita e um pouco mais abaixo havia uma condução por onde corriam as águas das ruas até chegar ao rio.

Estes cofres mediam quilômetros e os recorríamos até chegar a Ponte dos Três Olhos a vários quilômetros de nosso bairro San Fermin, ao sul de Madri

De vez em quando víamos ratas enormes que bem corriam pela calçada ou bem nadavam na corrente. Para nós era uma aventura e descobríamos saídas com tampas de ferro pela zona de Legazpi. Essas coisas nunca foram do conhecimento de meus pais, que estou seguro não me haveriam permitido.

Uns quantos anos depois, três crianças entraram e foram surpreendidos por uma tormenta que produziu um forte aguaceiro com sua correspondente avenida de água que inundando a grande velocidade e violência os coletores arrastou os corpos daqueles meninos a muitos quilômetros mais abaixo da saída . E faleceram afogados

Isto mesmo nos poderia haver passado a meus amigos e a mim. E a família só se enteraria quando já não haveria remédio.
Outro dia, para não fazer-me pesado os contarei mais aventuras de minha infância.

Pequeno conto

P

SIlvia C.S.P. Martinson 

¡Tiene que ser así!
Y así es.
España tierra de leyendas y de pasiones.
De sus rocas, de su mar transparente y también caliente, de donde se extraen muchas historias.
 
Su aire es cómplice de muchos sentimientos. Mientras aquellos que no se pueden contar y que deben ser olvidados en los caminos inaccesibles de las rocas, a los que el aire, se acomoda en esconderlos.
Tierra vieja de viejos amores...
 
SÉCULO XVII
 
Apesar de estarem na Europa em plena fase do Renascimento e do Barroco na produção artística, na  Espanha ainda em pleno século XVII esta sofria a influência das tradições medievais, originadas pelo apego aos temas do cristianismo daque- la época, diferentemente das ideias humanistas cuja penetração já se fazia sentir pelo continente europeu.
 
A igreja católica foi preponderante neste aspecto influenciando fortemente os países ibéricos a não adotarem tais ideias humanistas, mantendo assim a hegemonia e o poder da Igreja na fase da Contrarreforma, atrasando sobremaneira a cultura e a educação de um povo.
 
É, então, precisamente nesta fase que começa a se desenrolar nossa história, que estranhamente, para uns é inverossímil, que se passe até nossos dias. Para outros, entretanto, é perfeitamente aceitável.
 
Comecemos a contá-la:
Um povoado pequeno ao pé de montanhas rochosas em um lugar na Espanha.
Um povo composto de camponeses e criadores de ovelhas e cabras.
Um palácio medieval e uma família rica, fanática e dominante
Uma igreja antiga originária, arquitetonicamente, dos templos construídos durante a dominação árabe.
Dois jovens com educação e posturas e princípios diferentes.
 
Zaida lia os sortilégios, elaborava mezinhas, poções para saúde, conhecia os “segredos da terra”, do ar, do fogo e da água, ou seja, dos elementais.
 
Filha de alquimistas lhe foram passados os conhecimentos que levam à transformação dos metais e a transmutação e transformação dos elementos e energias terrestres e universais.
 
Considerada na época uma bruxa – até porque, naquele tempo, às mulheres não era dado acesso à ciência e a educação - era mal vista no lugar em que morava. Inobstante quando havia problemas com doenças o povo daquele lugarejo acorria a ela para que os socorresse com seus conhecimentos.
 
A Espanha de então era bastante atrasada, bem como quase toda Europa, nas lides médicas.
Zaida vivia em um povoado na Espanha situado ao pé de montanhas rochosas em um vale semiárido, hábitat de cabras, ovelhas, animais de caça e serpentes venenosas, das quais extraía os fluidos necessários aos seus medicamentos e poções, isto em sua casa localizada junto a um precipício.
 
Neste povoado vivia em uma igreja um pároco muito velhinho, que era prior daquela paróquia, que, todavia, a pesar das diferenças religiosas, entendia e respeitava os poderes e conhecimentos da jovem Zaida. Da Zaida dos longos cabelos louros e dos olhos verdes como a relva do campo, como as águas do mar.
Eis que o velho pároco morre.
 
Vem para assumir a paróquia um sacerdote jovem, culto e educado dentro dos parâmetros da igreja católica espanhola e nos melhores conventos da época, destinados a filhos de famílias influentes e poderosas, ou seja, da casa dos proprietários do castelo existente no povoado. Seu nome: Luíz de los Rios.
 
Luíz assume seu posto e aos poucos vai conhecendo mais amiúde o povo dali, suas histórias e costumes, haja vista ter sido criado dentro do convento com quase nenhum contato com a gente do lugar.
 
Luíz como todo jovem, trazia de seu berço a formação religiosa à época, os preconceitos e a limitações que sua fé lhe impunham.
Sabedor da presença da “bruxa” no povoado passa a persegui-la denunciando-a a seus superiores.
 
O destino e a vida são sábios em seus propósitos e às vezes criam situações insuspeitas aos homens, visando seu progresso e abertura de mente às verdades universais.
 
Aquela época grassavam as pestes e as doenças que na maioria das vezes eram fatais ao homem, principalmente pela falta de higiene existente 
Eis que Luíz adoece.
 
Todos os conhecimentos e medicamentos do populacho lhe são ministrados sem sucesso.
Por fim na tentativa última de lhe salvarem a vida, Zaida é convocada a ir ao seu leito, como derradeiro recurso.
 
Ela, em toda sua suavidade aceita o encargo sabendo, no entanto, o quanto aquilo a exporia ao perigo de uma perseguição feroz por parte da Igreja.
 
Segue ao encontro do doente, lhe aplica suas mezinhas, poções e invoca em seu benefício às forças da Natureza, estas tão de seu domínio. E o faz por um longo período.
O tempo passa…
Luíz aos poucos melhora e vai retomando as suas forças, ao mesmo tempo em que por esta convivência e proximidade, os jovens começam, sem perceber, a necessitar cada vez mais da presença um do outro.
Apaixonam-se.
O povo nota. Condena tal atitude e comunica à família e aos superiores eclesiásticos do sacerdote.
 
Por ser considerada bruxa e incitados pela família poderosa do sacerdote a qual não admitia àquele relacionamento, com Zaida e sabedores do destino reservado às bruxas, (a fogueira) os jovens combinam fugir para um lugar distante.
 
Luíz deveria dar apoio e cobertura a Zaida a fim de que seus propósitos de fuga se dessem a contento e seu amor se concretizasse definitivamente.
 
No dia aprazado, no entanto, ele amedrontado e pressionado por sua família e por sua fé foge, acaba deixando Zaida a mercê de seus perseguidores.
 
Ela vendo-se abandonada por aquele a quem tanto amara, ainda consegue fugir às altas montanhas rochosas e à beira de um precipício lança um último olhar ao horizonte.   Lembra de seu amor… O perdoa mentalmente e solicita à Natureza que lhe oportunize , com ele, novos encontros, em outros tempos, em um  futuro quem sabe…
 
Mira o horizonte, chega à beira do precipício e joga-se ao vazio em busca do esquecimento.
Os séculos se sucedem e com eles novos encontros entre os dois se dão, sempre cheios de paixão e reconhecimento íntrinseco, nem sempre recordado conscientemente.
 
Hoje cabe a Luíz, mesmo que não relembre, expurgar de si o sentimento de culpa pela ausência inflingida.
 
A Zaida a conformação pelas dores físicas que sofre em virtude de suas opções e agressões à mãe Natureza.
Por ora, nesta vida, voltam a se reencontrar, se reconhecem e se apaixonam novamente.
 
Las rocas muy largas y viejas también, con el tiempo, a veces, caen y se transforman en arena, que se va a lejos por el aire, tanteando.
Mientras los malos sentimientos también son como las arenas, pero se pierden con el tiempo.

Memórias de um taxista

M

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Uma filha do famoso locutor de rádio e apresentador de televisão, Jesus Quintero, conhecido como o LOUCO DA COLINA, que justamente hoje faz um ano de seu falecimento, escreveu um livro narrando muitas das importantes entrevistas que realizou seu papai a personagens como Felipe Gonzáles Márques, Presidente do Governo espanhol, Dolores Ibarruri , La Pasionaria, membro muito importante do Partido Comunista da Espanha, desde os tempos da Segunda República Espanhola e outros muitos que seria prolixo enumerar aqui.

Também recordo nos programas televisivos do Los Ratones Coloraos, personagens conhecidíssimos e popularíssimos como eram Juan El Risitas, Antonio El Perro ou El Cuñao, ou José El Penumbra.

Eu tive o prazer de conhecê-lo em meus tempos de taxista, porque o levei em meu taxi desde o Aeroporto Adolfo Suárez de Madri-Barajas até a Estação de Ave de Atocha. Ele ia vestido com elegante traje muito peculiar de cor marrom claro, e coberto com um gorro de igual cor, com dupla viseira traseira e dianteira, que me lembrou aos trajes que usam os monteiros ingleses nas caçadas de raposa. O acompanhava uma senhora que eu interpretei seria sua secretária, de meia idade e elegantemente vestida, que não abriu seus lábios durante todo o trajeto.

O que me chamou a atenção foi o interesse que mostrou Jesús para conhecer a situação do Grêmio de Taxis, do qual manifestou ser cliente habitual durante os anos em que trabalhando na rádio em Madri terminava a as altas horas da noite.

Lhe comentei a situação provocada pela irrupção no mercado de taxi pelas VTCS (veículos de aluguel com condutor) que teve e segue tendo os efeitos de uma inundação, dada a falta de todo tipo de regulação de horários, dias de pagamento e outras normas que, sim, regulavam milimetricamente a atividade de taxis.

Uma vez chegados à estação de Atocha, Jesús me pagou a corrida e me deu uma grande gorjeta e um amplo sorriso ao que agradeci amplamente. Ha ambas, o sorriso e a generosa gorjeta.   

Em poucos dias recolhi com meu taxi a Santiago Segura, o criador de Torrente, que naqueles dias estava apresentando a obra Los Productores, original de Mel Brooks junto com José Mota na Gran Via.

Ele ia acompanhado de uma senhorita e me solicitou que os levasse ao aeroporto, onde queria tomar um avião com destino a Barcelona.

No radio do taxi eu levava posto um CD e ecoava My Way de Frank Sinatra, lhes manifestei minha disposição de trocar ou apagar a música no caso de não desejarem a escutar. Santiago me demonstrou ser um homem simpaticíssimo e não falsamente como se há dado com outros casos de famosos que, aparentando serem muito simpáticos hão demonstrado tudo ao contrário. Santiago me disse que lhe encantava Sinatra e começou a cantar My Way.

Lhe comentei que uns dias antes havia levado a Jesús Quintero, e o agradável, simpático e generoso que me pareceu, e por suposto a gorjeta que me havia dado.

Quando chegamos e me pagou a corrida encheu suas mãos com todas as moedas que pode reunir e as obsequiou-me dizendo entre risos: “Espero que fales de mim tão bem como hás falado do EL LOCO DE LA COLINA”.

Por suposto que sim Santiago, o farei, porém não só pela gorjeta também, senão por tua enorme simpatia,

Lembranças – Óleo de figado de bacalhau

L

SIlvia C.S.P. Martinson 

Quando acordei e ao tomar os remédios pela manhã, meia hora antes do café, como o médico me havia prescrito, voltaram-me, não sei por que à memória, lembranças de minha infância.
 
Lembranças de quando éramos pequenas em minha casa, a qual tinha um grande pátio cheio de árvores frutíferas e flores que minha mãe amava plantar para embelezar seus recantos. Passávamos ali os dias brincando e fazendo todo tipo de peraltices.
 
Meu pai construiu sobre um cinamomo velho uma espécie de refúgio para nós. Ali subíamos por um a escada que nos levava até o enclave de galhos grossos, onde havia bancos para sentarmo-nos e uma mesinha improvisada.
 
Neste recanto da árvore brincávamos de casinha, ou seja, ali improvisávamos comidas em latinhas que levávamos para cima.
Essas comidas eram feitas de terra molhada, folhas de árvores e enfeitadas com flores do jardim.
 
Em nossa imaginação de crianças as bonecas iriam comer toda este manjar para depois dormirem em suas caminhas improvisadas.
Era um mundo de sonho...
 
Outras vezes fazíamos brincadeiras perigosas, amarrávamos cordas nos galhos e os desciámos por elas até o solo, imaginando que, como o personagem Tarzan, estávamos na selva.
 
Para nós aquele pátio de quase 100 metros e cheio de árvores frutíferas era como se fosse uma mata densa e cheia de possibilidades a aventurar-se naquele paraíso tão nosso.
 
De outra feita imaginávamos que estávamos em um circo e para tal amarrávamos uma corda de uma árvore à outra, bem atada, e por sobre ela caminhávamos assim, como havíamos visto em um espetáculo circense.
As quedas não foram poucas e até hoje restam cicatrizes e dores, marcas das traquinices feitas.
 
Minha mãe e meu pai trabalhavam muito para nos manter e educar dignamente, não com riqueza, porque não éramos ricos, porém com acesso principalmente à cultura, à educação, que naquela época era muito boa e ministrada nas escolas públicas bem conceituadas, onde se faziam testes rigorosos para poder frequentá-las.
 
Bem, em realidade, estas lembranças vieram pela manhã enquanto tomava meus remédios matinais e pensei por que elas aconteceram?
 
Então me recordei, também, que àquela época, eventualmente ficávamos doentes.
Havia doenças sérias para as quais já existiam algumas vacinas, tal como para a paralisia infantil, difteria e outras.
 
Todavia em minha infância não sei dizer se por falta de vacinas ou recursos financeiros, tivemos tanto algumas graves, como as normais que poderíamos dizer, caseiras.
 
Para as caseiras há diversos remédios que minha mãe conhecia e aplicava com rigor, por exemplo: quando estávamos com dor de garganta eram feitos gargarejos que consistiam ser de água carregada de sal e vinagre para gargarejar e limpar da infecção as amigdalas.
 
Para a febre ela usava nos colocar na cama bem tapadas com cobertas e dar-nos um chá quente com mel e limão e mais um comprimido de aspirina para baixar a temperatura, o que fazia suássemos muito, encharcando roupas, lençóis e cobertas.
Penso que surtia efeito, porque a febre cedia e no outro dia já estávamos em franca recuperação.
 
Porém o que eu mais detestava e que ela seguidamente nos aplicava para limpeza dos intestinos era o tão famoso Azeite de Ricino, que exercia a função de laxante, permitindo que expulsássemos de nossos organismos elementos indesejáveis.
 
Lembrando bem agora, do que eu tinha verdadeiro asco e que me era administrado seguidamente, por ser magra e não gostar de comer, era o chamado Óleo de Fígado de Bacalhau. Deste eu corria por todo o pátio escondendo-me para não o tomar. E quando conseguiam me pegar e sujeitar, além de ter que engoli-lo, levava umas boas palmadas na bunda para aprender a não ser desobediente.
 
Quanto sacrifício de minha mãe para nos tornar gente!
Meu pai trabalhava fora o dia todo e só retornava a noite para casa.
E hoje penso que óleo de Fígado de Bacalhau foi eficiente...
Sigo forte e saudável, física e mentalmente, até hoje, apesar dos anos transcorridos.
Minha mãe tinha razão.

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