Marilu

M

Silvia C.S.P. Martinson 

 Belo domingo de sol.

Vinha ela pela praça - cheia de gente, crianças a correr,alguns sentados ao sol, proseando, tomando chimarrão, confabulando, trocando beijos e juras de amor eterno – andar descontraído, de quem está acostumado a caminhar.

Vestia légs brancas e blusa azul soltinha, era do tipo baixinha, bem produzida, cabelos castanhos, profusos.

Quem a visse de longe diria tratar-se de uma jovenzinha. Não era.

Sentou-se ao meu lado no banco da praça e logo entabulou conversa:

- Tudo bem? Belo dia!

- Realmente! Bastante quente para a época!

Fiquei pensando: lá vem outra mala puxando conversa só para bisbilhotar da minha vida. Se sou casada, se tenho filhos, netos, moro aonde e até se sou mal amada... Ledo engano o meu.

Nós aqui do Sul somos muito reservados e até desconfiados com estranhos, apesar da tão propalada hospitalidade sulista. O gaúcho é um ser solitário por natureza, observador e vigilante quanto às novas amizades e às pessoas muito espontâneas.

Tipo maneiro ela, não era a jovem que pensara eu. Talvez beirava os 70 anos. Mas que setenta! Aja Deus!

E foi discorrendo com intimidade:

- Sabes, eu tenho uma filha morando lá em Natal. Sabes onde é? É casada. Filha única.
Tenho uma neta com 16 anos.
Fui recentemente morar lá, minha filha insistiu... Fiquei uns seis meses e voltei.
Não gostei do clima, não gostei do povo. Coitados! Aqui tenho muitas amigas com quem saio e me divirto. Sou separada... Tive quatro maridos ou companheiros, alguns amores, não deu certo, vá lá!. Agora tenho um companheiro. Ele não gosta de sair ou viajar que nem eu.

Nestas alturas eu já estava interessada na história dela, com a curiosidade aguçada e lhe fiz uma pergunta a fim de dar seqüência à narrativa.

- E aí como é que você faz? Perguntei!

- Ora, ele até é legal, cuida bem dos meus gatos. Tenho sete. Adoro gatos! O coitado, o nome – o nome de dele é Airton – não quer me acompanhar nas viagens, gosta mais da casa e cuida bem dela, quando não estou cozinha, lava e passa. É um amor de criatura!
Adoro viajar! Não me prendo a lugar nenhum por muito tempo, nem a ninguém, sou e sempre fui assim, andarilha. Ele sabe...
Ainda bem que não fiquei em Natal pois que minha filha arranjou serviço também em São Paulo juntamente com meu genro. Eles têm uma rede de lojas que precisam administrar.
Aí eu teria que ficar lá sozinha cuidando da neta. Vê só se pode! Longe do meu apartamento!. Tenho uma bela cobertura! Dos meus gatos, de minhas amigas, do coitado do Airton!. Ainda bem que levei pouca bagagem, não fiz a mudança completa.

Indaguei:

- Mas aqui o que você faz?

- Quando estou enjoada do Airton, de casa, ligo para as minhas amigas e saímos para nos divertir. Vamos beber, dançar, ir ao cinema, shoppings e praças. Depende do dia e da disposição.

Continuei a encorajá-la dizendo:

- Ah... A propósito nem nos apresentamos. O meu nome é Fênix e o seu?

- Marilu é como me chamam. Na realidade é Maria Luiza, mas não gosto, é complicado... Prefiro Marilu.

- Ok. Marilu. Prazer...

E ela segue:

- Olha tá vendo aquele senhor que passou? É meu conhecido. Ele está voltando. Espera...

- Oi! Tudo bom?

- Tudo bem!

Cumprimentam-se. Ele a olhou com intensidade.

- Viu! Ele faz parte da minha turma, mas contigo aqui ficou indeciso de chegar. Ele é um amor! Sozinho como eu!

Ah! Eu digo:

- E daí?

 

- Mas como te dizia o Airton é um pouco mais jovem do que eu, mas isso não tem importância não é?

Ela não espera resposta e segue:

- O que vale são as afinidades certo?

- Realmente Marilu!

Seus muitos colares, pulseiras, anéis e brincos cheios de pedrarias – até uma gargantilha com borboleta ela tinha – rebrilhavam ao sol da manhã enquanto se movia gesticulando as bijuterias.

Os óculos grandes de sombra lhe escondiam os olhos e parte das muitas rugas que lhe vincavam o rosto, devidamente disfarçadas por uma camada de base e pó. O sorriso era bonito, dentes bem cuidados. Teria sido uma mulher muito atraente e bonita quando jovem.

Seu espírito era vivaz, transpirava alegria e temperamento determinado quando falava.

Eu a ouvia.

- Olha lá! Disse ela.
Lá vem o pobre do Airton Ele chega, senta-se ao lado dela, sorri. Os dentes manchados de nicotina e falhados. A barba por fazer. Desalinhado. Mais jovem que ela, talvez uns 50 anos. Cochicham e riem.

Ela me apresenta.

- Airton esta é Fênix!

- Prazer.

- Prazer...

Senti-me naquele instante demais ali. O universo naquele momento girava somente em torno dos dois. Então lhes disse;

- Marilu, agora deixo vocês. Tenho um compromisso, preciso ir.

Prazer em lhes conhecer, felicidades...

- Prazer Fênix!

Deixei-os e quando me voltei não estavam mais lá. Iam ao longe, ela de calças brancas bem ajustadas, uma garota...

Ele de mãos dadas com ela, abrigo surrado, tênis cambaio.

Pareciam felizes! Afinal ele cuidava bem dos gatos dela e isso é o que importava.

De resto...

Figura ímpar aquela Marilu.

Valeu a pena conhece-la.

O domingo estava salvo!

O sol brilhava e segui meu caminho. Quem sabe alguma nova reunião interessante surgiria, pensei, quem sabe…

Sobre el autor/a

Silvia Cristina Preissler Martinson

Nasceu em Porto Alegre, é advogada e reside atualmente no El Campello (Alicante, Espanha). Já publicou suas poesias em coletâneas: VOZES DO PARTENON LITERÁRIO lV (Editora Revolução Cultural Porto Alegre, 2012), publicação oficial da Sociedade Partenon Literário, associação a que pertence, em ESCRITOS IV, publicação oficial da Academia de Letras de Porto Alegre em parceria com o Clube Literário Jardim Ipiranga (coletânea) que reúne diversos autores; Escritos IV ( Edicões Caravela Porto Alegre, 2011); Escritos 5 (Editora IPSDP, 2013) y en español Versos en el Aire (Editora Diversidad Literaria, 2022)
Participou de concursos nacionais de contos, bem como do GRUPO DE ARTISTAS E ESCRITORES DO GUARUJA — SP, onde teve seus poemas publicados na coletânea ARAUTOS DO ATLANTICO em encontros Culturais do Guarujá.

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