Pediu, levou

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ALvaro de Almeida LeÃo

Estamos na madrugada de uma segunda-feira, dia 14. O Ernesto Anthunes de Barcellos Pereira está pensando ganhar uma grana alta em quaisquer das modalidades de jogos de apostas existentes.
 
Como não se considera uma pessoa sortuda, acha que só um verdadeiro milagre faria com que ficasse milionário, assim, da noite para o dia, como, por exemplo, ter em suas mãos um exemplar do jornal que será editado na segunda-feira da próxima semana – dia 21. Fonte dos resultados dos jogos,
 
Nisso, como num passe de mágica, Ernesto Anthunes vê bem a sua frente, nada mais nada menos que o jornal que desejou possuir: o da segunda-feira vindoura.
 
De início não acreditou no que estava vendo. Passado o primeiro impacto, sorrateiramente começa a se aproximar do bendito jornal, e, em segundos, o tem em suas trêmulas mãos. Por instantes se lembra de agradecer o seu desejo atendido, a quem quer que seja o responsável. Faz alguns exercícios de respiração, a fim de que seu estado ofegante melhore um pouco que seja.
 
Começa a imaginar que daqui a pouco estará sabendo todo o necessário para se tornar, sem sombra de dúvidas, um novo rico. Antegoza os prazeres mil que irá desfrutar.
 
Enfim, menos tenso, inicia a leitura daquele inusitado e único jornal em toda face da terra, à mercê do seu manuseio.
 
De imediato vai à página que traz todos os resultados das diversas modalidades das loterias de números. Na principal das loterias, a de seis números, em virtude do grande número de apostas, fica sabendo que até o fechamento da presente edição, não foi apurado se houve acertadores. Ainda, consoante o resultado - cinco dos seis números em sequência - presume o jornal, com quase absoluta certeza, que o prêmio acumulado há oito semanas, assim permanecerá.
 
Ledo engano - pensa faceiro o Ernesto Anthunes. É natural já se considerar o único acertador.
 
Após a notícia de que acertou todos os jogos de que participou, pensa o Ernesto Anthunes que, por certo, será tema de reportagens no mundo inteiro. Indagações e afirmações as mais curiosas, entre outras: Força superior? Que tipo de fenômeno foi esse? O impossível aconteceu? Quem se habilita a explicar? Casas lotéricas, de agora em diante, proíbem, terminantemente, apostas do Ernesto Anthunes.
 
Sente-se entrevistado por todas as redes de rádio e televisão de todo o planeta. De certo convites para conferências. Centros científicos interessados no estudo do que, à luz da ciência, poderá ter acontecido. Capas de revistas. Enfim, a autêntica e merecida celebridade.
 
Envolto em toda essa emoção, é normal, mais e mais, nervosismo. Começa a suar frio. Sente que precisa reagir. Resolve então colocar o jornal de lado, por alguns minutos e só repousar, nada mais.
 
Enfim, mais aliviado, deixa-se levar, pelos fantasiosos pensamentos. A cada momento a sua vida modifica-se em todos os sentidos: maneira de ser, hábitos, tudo regado a prazeres e mais prazeres.
 
Descança um pouco Após sentir-se em condições, volta a ler. Na primeira página, as manchetes boas e ruins. Regozija-se pelas primeiras. Lamenta-se pelas últimas.
Em seguida encontra o noticiário político. Detém-se mais nos títulos dos assuntos. Logo às páginas das notícias internacionais, apenas toma conhecimento do que lhe chama mais atenção.  Mais adiante, depara-se com o que ocorre no mundo do crime. Choca-se com os desajustes cada vez mais insensatos. Não concebe como o mundo pode ser tão cruel. Enfim é a vida..
 
Nas páginas culturais, Inteira-se dos lançamentos dos novos livros. Nas notícias esportivas, vibra com a vitória de seu time de futebol, com um gol aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo.
 
Outra página. Chamam atenção os anúncios com letras em destaque e em negrito dos que deixaram esta vida. Resolve ver se encontra alguém que tenha sido seu conhecido. Dos primeiros nomes nunca ouviu sequer falar. Ao se fixar no penúltimo anúncio, horroriza-se, apavora-se, sente estar a um passo da loucura. Seu coração quase lhe salta pela boca. Balbuciando, com a voz trôpega, lê:
Convite para missa de 7º dia. A família do sempre lembrado ERNESTO ANTHUNES DE BARCELLOS PEREIRA agradece sensibilizada aos parentes e amigos que compareceram aos seus atos fúnebres e aos que, de uma ou outra forma, manifestaram seu pesar e convida para a missa de 7º dia em sua intenção, a ser celebrada hoje, dia 21, segunda-feira, às l8h00 na Igreja Matriz. Antecipadamente agradece pelo comparecimento.
 
Ernesto Anthunes mal acabou de ler, num lance de extrema dor e agonia, deixa escapar um estridente grito de terror, ao mesmo tempo em que a sua cabeça e seu corpo inertes pendem para o lado.

Sobre el autor/a

Álvaro de Almeida Leão

Nascido em Campina Grande - Paraiba; Gaúcho por adoção. Aposentado do Banrisul. Formado em Administração de Empresas e em Ciências Contábeis pela UFRGS. Autor dos livros "Ensaios" e " Humor Para o Mau Humor " Participou do Jornal RSletras , orgão oficial do Instituto Cultural Português . Faz parte de Antologias de Entidades Culturais do Estado. Sócio efetivo da Sociedade Partenon Literário e de que faz parte da sua Diretoria; Sócio do Instituto Cultural Português; da Casa do Poeta Rio-Grandense e da Casa do Artista Caponense de Capão da Canoa RS;. Acadêmico da Academia Internacional de Artes Letras e Ciências de Cruz Alta RS, da Academia de Letras do Brasil Seccional do RGSul e da Academia Luso-Brasileira de Letras do RGSUL. Honrarias: Diploma Honra ao Mérito; Medalhas; Troféu Aldo Coimbra outorgado pela Associação dos Funcionarios Aposentados do Banrisul - Escolhido pela Editora Revolução Cultural, como o Escritor Homenageado do Ano da Feira do Livro de Porto Alegre RS em 2019 ; Comendas Caldre e Fiao do Partenon Literário e Comenda Personalidade Internacional 2023 da Academia Internacional de Artes, Letras Ciências de Cruz Alta RS; Participa anualmente do Concurso Literário da FECI CAPOLAT da Confreira Marinês Bonacina. Atualmente é bi campão do Concurso FECI CAPOLAT, Ouro em 2022 e Troféu em 2023.

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