Alvaro de Almeida Leão
O Duda, goleirão titular de um time de futebol de campo, está na gaveta, isto e: comprado pelo adversário, para fazer com que seu time perca o jogo. Com essa atitude espera sanar problema financeiro, resultado da sua condição de perdulário.
Para que tudo dê certo, é só aguardar um chute em direção ao seu gol, muito bem-vindo, por sinal, e fazer de conta que tentou defender.
O jogo auspicia-se sem favorito. O time do Duda tem no seu desempenho o seu ponto alto. No time adversário, sobressai-se a dupla de ataque Cosme e Damião.
Duda programa-se para a partida de futebol. Tomar frango não está nos seus planos, de forma alguma. A fronteira entre um frango e a gaveta é muito tênue.
Começa a partida. Primeiro tempo totalmente morno. Sem chance de gol para os dois times. Paciência. Fazer o quê? Não deu, não deu.
No intervalo do jogo, o Duda está pensando: o que estará acontecendo com a dupla Cosme e Damião? São jogadores tão eficientes. Hoje não estão jogando nada.
O Damião, por sinal, é um grande amigo do Duda. Foram criados no mesmo bairro. Companheiros de jogo de bolita, de taco e de memoráveis peladas.
Segundo tempo igual ao primeiro.
Faltando dois minutos para terminar a partida surge a dupla de atacantes com sensacionais tabelinhas. Duda sentiu que chegara seu esperado momento. Só faltava passar pelo último zagueiro. Barbada dois contra um. É fazer o gol e comemorar.
Duda posiciona-se parado com os braços estendidos pro alto e o corpo curvado para a direita, sinalizando, assim, que será para aquele lado que irá se jogar.
A bola ora com um atacante, ora com outro, e o Duda, que deveria, por esse fato, gingar, acompanhando a trajetória da bola, de um lado para o outro, não o fazia.
Ao driblar o último zagueiro, Cosme dá um passe para Damião, que vem mais atrás, e este ao divisar o boqueirão do lado direito da goleira, bem a sua feição, bate com o peito do pé a bola, só que com impulsão e força maiores que as necessárias.
O Duda encena que o lance o pegou no contrapé e o levou a cair.
Embora com a direção correta, a bola, ao ganhar uma altura proporcional ao grande impulso com que foi levantada, passa a uns dois metros acima do travessão.
Duda se desespera, pede pra morrer. Brabo da vida, cobra do Damião:
- Pô, Damião, era só bater na bola com um leve toque! Como podes perder um gol desses?
- Como não perder se eu e o Cosme estamos na gaveta para não fazer gols. Essa nossa última jogada, combinamos para alegrar um pouco a nossa torcida.
- O quê?!... Também na gaveta? Não é possível. Me ferrei. Deu para a minha bolinha. Fui.
Após o jogo pensando melhor, Duda, até que achou bom, bom não, achou excelente que não tenha participado, embora não lhe faltasse vontade, da barbaridade a que se propôs.
É imprescindível não se estar sujeito a julgamentos morais por deslizes praticados.