Recordações

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Silvia C.S.P. Martinson

Ele caminhava na tarde que se fazia muito fria.
 
As recordações lhe vinham às vezes aos poucos, outras aos borbotões impregnando sua mente com fatos e imagens do que se passara a muito tempo e não sabia bem porque acontecia isso naquele instante.
 
Lembrou os tempos de Ginásio, quando na aula de francês escreveu uma poesia e o professor duvidou que fora ele que a escrevera, todavia até provar o contrário lhe deu 10, nota máxima à época.
 
Já em Latim era muito bom, gostava da matéria e o professor era ótimo. Recordou então que talvez estivesse predestinado a ser padre ou então advogado. Optou por esta segunda hipótese.
 
Fez seu exame vestibular à Universidade e o idioma que escolheu como prova a ser submetido foi o francês. Foi bem sucedido, traduziu um texto do escritor francês Vitor Hugo.
 
Naquele tempo as escolas, mesmo as públicas eram muito boas e o ensino qualificado.
 
A educação era bastante completa, ali se estudavam as matemáticas em suas diversas formas, idiomas como o Francês, o Inglês e o Latim eram obrigatórios até ao final do curso, desenho artístico e geométrico também o eram assim como, História Geral e Nacional e Geografia do mesmo modo. Música em teoria e canto orfeônico faziam parte do curriculum escolar tanto quanto as classes de ginástica.
 
No Dia da Pátria as escolas conduziam os alunos para as grandes avenidas da cidade onde eram realizados os desfiles acompanhados pelas bandas de música da escola, evidentemente com os alunos devidamente uniformizados.
 
Cada escola queria ter uma banda de música mais completa e melhor que a outra.
Havia de certa forma uma competição neste sentido.
 
De repente estas lembranças se evaporaram de seu pensamento e deram lugar às dos tempos da Universidade, quando as ilusões se apagaram e deram lugar a dura realidade que era estudar à noite e trabalhar de dia. A Faculdade de Direito simplesmente lhe apaixonou.
 
Ali desenvolveu suas reais aptidões. Foi um aluno, assim pensava e acreditava, quase brilhante, tanto que para sua formatura foi convidado a fazer o juramento de sua turma. Juramento este composto de vários itens que poderia sintetizar dizendo que se destinava a exercer a profissão com denodo, ética e respeito aos ditames das leis.
 
Durante o período universitário teve vários professores com capacidade e desenvoltura em suas matérias, assim como, também os teve com graves defeitos tanto de cultura como falta real de conhecimento jurídico do que estavam tentando transmitir, o que causou embaraço e desinteresse por parte de alunos, que na verdade eram todos adultos vindos das mias diversas profissões e que por seu trabalho necessitavam estudar à noite.
 
Voltaram, naquele momento, também à sua memória os colegas que ali conhecera.
 
Recordou de um político que fora Secretario em outro município e que chegava às aulas com todo seu séquito de assessores, sendo que alguns deles mais velhos e mais sábios que ele.
Este homem era conhecido por sua petulância e soberba e também por maus tratos à sua mulher e subalternos.
 
Ele teve inúmera faltas às classes o que lhe ocasionou ser reprovado aquele ano. Tentou corromper os ditames da faculdade usando de seu poder político, o que não foi aceito naturalmente por ser uma Universidade ciosa de seu histórico, onde inclusive para passar de ano as notas mínimas eram mais altas que nas demais Faculdades.
 
O mínimo que o aluno tinha que tirar para passar de ano era 7 na média de cada matéria.
Os assessores idôneos deste homem o abandonaram depois e continuaram a estudar nesta Universidade. Ele inconformado procurou outra que lhe favorecesse os interesses.
 
Em caminhando ele ainda recordou das colegas mulheres que à época a estudar Direito não eram tantas e lutavam bravamente contra os preconceitos e também assédio dos colegas homens quando então, alguns, se pensavam muito machos e irresistíveis.
 
Lembrou-se da colega Vania, uma linda morena, que foi assediada por um colega mal educado e ao qual deu uma resposta inesquecível enquanto caminhava acompanhada por outra moça, na hora do descanso entre classes.
Assim disse o galã a ela:
- Esta noite querida vou dormir contigo!
Ao que ela respondeu imediatamente:
- Realmente assim se vai passar, porque, se fosses homem verdadeiramente, comigo ficarias acordado!
 
Ela começou a rir-se e com ela todos os demais colegas homens que ali se encontravam.
 
Pessoas inteligentes e perspicazes e possuidoras de uma rapidez mental com tendência à ironia sempre se sobressaem entre seus pares.
 
O galã era e continuou sendo um ser insignificante, sem maior expressão, tanto nos estudos quanto depois na vida profissional.
Já Vania foi com sua inteligência e perspicácia uma advogada brilhante e bem sucedida.
 
As lembranças foram aos poucos sendo substituídas naquele homem pela atenção que merecia sua caminhada naquela tarde fria, onde a necessidade de um abrigo seguro se fazia mais do que premente.

Sobre el autor/a

Silvia Cristina Preissler Martinson

Nasceu em Porto Alegre, é advogada e reside atualmente no El Campello (Alicante, Espanha). Já publicou suas poesias em coletâneas: VOZES DO PARTENON LITERÁRIO lV (Editora Revolução Cultural Porto Alegre, 2012), publicação oficial da Sociedade Partenon Literário, associação a que pertence, em ESCRITOS IV, publicação oficial da Academia de Letras de Porto Alegre em parceria com o Clube Literário Jardim Ipiranga (coletânea) que reúne diversos autores; Escritos IV ( Edicões Caravela Porto Alegre, 2011); Escritos 5 (Editora IPSDP, 2013) y en español Versos en el Aire (Editora Diversidad Literaria, 2022)
Participou de concursos nacionais de contos, bem como do GRUPO DE ARTISTAS E ESCRITORES DO GUARUJA — SP, onde teve seus poemas publicados na coletânea ARAUTOS DO ATLANTICO em encontros Culturais do Guarujá.

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