Tradição de Ano Novo

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SIlvia C.S.P. Martinson 

Aquele ano seria diferente.
Povoado de Ornaisons – França.

Um povoado pequeno com mil e poucos habitantes e algumas peculiaridades, diferente dos demais povoados.

Viviam ali produtores rurais dedicados a vitivinicultura, de cujos parreirais se extraiam uvas de fina casta para a elaboração de vinhos de alta qualidade, tão apreciados em toda França. Produziam também cervejas de boa cepa provenientes da cevada ali cultivada.
Também em menor quantidade se criavam ovelhas e cabras destinadas ao consumo doméstico e à produção de lã que a seu tempo, após a tosa, era encaminhada às industrias de tecelagem que, posteriormente, enviavam os lindos tecidos aos costureiros para a fabricação de roupas e abrigos para o inverno.

Bem, voltando à história nos contaram que; não eram mais crianças, haviam crescido. Estavam quase todos com 16 a 18 anos mais ou menos. Cresceram juntos.

Quando crianças esperavam a noite de Ano Novo com ansiedade.
O dia transcorria com alguma agitação, tanto de parte dos adultos quanto das crianças.
Os adultos no preparo da casa, das roupas melhores e da ceia que deveria ser diferenciada dos demais dias e do que costumavam comer o ano todo.

Na passagem para o ano a ceia, que ocorria a meia noite, compunha-se de carne de porco, saladas mais elaboradas, vinhos mais finos e por certo de sobremesas mais saborosas que o normal.

As crianças e os adultos banhavam-se mais cedo e vestiam-se, como era o costume, com mais esmero, até porque é inverno nesta época do ano ali.

Era costume desde os antigos que na madrugada do dia 1 de janeiro os jovens do povoado saíssem a recorrer as ruas e pegar tudo que estivesse nas portas das casas ou jardins sem que o proprietário pudesse perceber e colocavam o produto no centro da praça local onde também ficava a prefeitura.

Os jovens saiam então de madrugada de diversos pontos da cidadezinha e carregavam tudo que encontravam depositando no centro da praça.

Aquele ano foi excepcional pois que carregaram bicicletas, vasos de flores, lixeiras e até um automóvel, que com a ajuda de uns quantos, conseguiram abrir a porta do motorista, destravar o veículo e o empurrar até a praça.

Os antigos já haviam esquecido este costume e quando acordaram pela manhã se deram conta da ausência de seus pertences. Foi um alvoroço no povoado. Eram pessoas correndo pelas ruas procurando o que lhes pertencia.

Quando chegaram ao centro do povoado e viram com espanto a praça lotada de badulaques das mais diversas espécies ficaram estarrecidos. E os jovens postados à parte, entre sorrisos, observavam as reações dos pretensos prejudicados com a brincadeira.
Foram duramente inquiridos sobre se haviam sido eles os autores dos desvios, ao que respondiam com a maior desfaçatez:

- Não eu não! Nem pensar que eu seria capaz de tal maldade!

Porém o faziam entre sorrisos e olhares matreiros de uns aos outros.

No entanto, o mais interessante se deu após alguns minutos quando as pessoas começaram a recolher seus pertences. Aí então é que a natureza torpe do homem se fez ver.

Alguns acharam que os pertences de seus vizinhos eram mais valiosos que os seus e começaram a arguir que estes lhes pertenciam. O caos se instalou definitivamente e os prejudicados após reclamarem os seus direitos e não serem atendidos, partiram para a agressão física.

Velhos amigos se destrataram, amizades se desfizeram, pessoas que se tinham por idôneas e honestas deixaram cair a máscara por um simples vaso de flores.

Tudo isto ocorreu ante os olhos estupefatos dos jovens que tinham em alguns vizinhos e até parentes a representação da mais pura honradez.

Esta data ficou gravada na memória e nos anais da história deste povoado.

E hoje por precaução e experiência, os enfeites, vasos, jardineiras e demais objetos que se encontram ordinariamente nas ruas e jardins são recolhidos após a ceia de Ano Novo, na passagem do dia 31 de dezembro a 01 de janeiro, ao interior da casa de cada proprietário.

Oh! Esqueci-me de contar:

Naquele dia também foi desfeito um noivado que já durava alguns anos.
Os pais dos noivos brigaram por uma bicicleta velha e não permitiram o casamento de seus filhos. A noiva até hoje chora desconsolada, ficou mal vista e restou solteirona. O noivo foi para outra cidade, lá se casou e teve um “montão” de filhos.

Diga-se de passagem, e para quase finalizar que foi ele um dos líderes que arquitetou toda a brincadeira. Até hoje contam, os que eram jovens a época, que quando saem à rua e encontram as pessoas que tentaram roubar o que não era seu, as identificam e lhes lançam palavras como:

- Eu sei o que você fez!

Sobre el autor/a

Silvia Cristina Preissler Martinson

Nasceu em Porto Alegre, é advogada e reside atualmente no El Campello (Alicante, Espanha). Já publicou suas poesias em coletâneas: VOZES DO PARTENON LITERÁRIO lV (Editora Revolução Cultural Porto Alegre, 2012), publicação oficial da Sociedade Partenon Literário, associação a que pertence, em ESCRITOS IV, publicação oficial da Academia de Letras de Porto Alegre em parceria com o Clube Literário Jardim Ipiranga (coletânea) que reúne diversos autores; Escritos IV ( Edicões Caravela Porto Alegre, 2011); Escritos 5 (Editora IPSDP, 2013) y en español Versos en el Aire (Editora Diversidad Literaria, 2022)
Participou de concursos nacionais de contos, bem como do GRUPO DE ARTISTAS E ESCRITORES DO GUARUJA — SP, onde teve seus poemas publicados na coletânea ARAUTOS DO ATLANTICO em encontros Culturais do Guarujá.

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