Urgente, urgente o plano CP SN

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 Álvaro de Almeida Leão

Decisão do torneio amador de futebol de campo entre bairros de Porto Alegre. Evento oficial do calendário esportivo da cidade. A equipe do Menino Deus está tentando o tricampeonato e a do Caminho do Meio fazendo pela primeira vez a final. Juízes e bandeirinhas credenciados pela Federação Citadina de Futebol. Bom público entusiasmado e participativo.

O Menino Deus joga pelo empate, ao Caminho do Meio, só a vitória interessa. O Menino Deus é o time mais credenciado do torneio, conta com o artilheiro do campeonato, a melhor defesa e o goleiro menos vazado. É treinado pelo professor Aldo Leão e seu fiel escudeiro, o auxiliar técnico Rafael. O Caminho do Meio classificou-se na sua chave, por ser o time menos ruim. Seus únicos destaques são o goleiro Carlos Augusto, e o Richard, volante de bom drible.

Richard é o capitão do Caminho do Meio e seu líder, pouco finaliza mas, quando o consegue, quase sempre marca. No jogo anterior, foi decisiva sua atuação, marcou o gol da classificação. Quanto aos atletas do Menino Deus, são tão iguais no trato com a bola que não há uns melhores que outros. É um time coeso e solidário

Mas, jogo de futebol é jogo de futebol, nem sempre o melhor ganha.

Precavido, o professor Aldo arquitetou três planos: o A; o B e o CP, SN, este se estritamente imprescindível. Como no caso de vida ou morte. O plano CP, SN apenas o professor Aldo, os dois zagueiros e o goleiro do Menino Deus sabem de que se trata. Após cada coletivo, esses quatro permanecem em campo para treinamentos específicos do plano CP, SN..

Na preleção inicial do professor Aldo, o plano A: jogar sério, respeitar o adversário. Até agora, não ganhamos nada. E é tudo conosco. Rumo ao título.

Findo o primeiro tempo, zero a zero, creditado à excepcional atuação do goleiro do Caminho do Meio, o Carlos Augusto, que pegou todas. Ao Menino Deus, faltou competência. Inconcebível, inconcebível mesmo, tantos chutes a gol sem converter.

No intervalo para o segundo tempo, no vestiário do Menino Deus, o plano B: jogar com mais dedicação ainda. Melhorar e muito a pontaria das finalizações. Defesa com atenção redobrada. E, se nada disso der certo, jogar pelo regulamento.

Reiniciada a partida, o Menino Deus está com cuidado mais do que o desejado. O time atua mais se defendendo. Com isso, o Caminho do Meio está crescendo no jogo ao natural.
As palavras proferidas pelo professor Aldo: jogar pelo regulamento, resultaram o entendimento de mais ou menos, jogar pelo empate, ou seja, na retranca.

Trinta minutos do segundo tempo e ainda o zero a zero. A essa altura, um gol do Caminho do Meio seria um desastre. Sinal vermelho. O perigo ronda o Menino Deus. Então o professor Aldo decide substituir um atacante por um jogador de meio de campo e pede que este avise aos seus dois zagueiros e ao goleiro que coloquem urgente, urgente o plano CP, SN.

Cientes do recado, os zagueiros postam-se um em cada lado do canto da pequena área, enquanto o goleiro um pouco atrás, atento e ligado, torcendo para que o jogo logo termine como está, pois o empate o favorece.

E o Richard? Ah! O Richard está bem na partida. Faltando apenas cinco minutos para o término do jogo, ele, ao passar por todo o meio do campo adversário, dribla um dos zagueiros e em seguida o goleiro e quando, então, ia chutar a gol, o outro zagueiro do Menino Deus, na sobra, sentindo o pior, dá um chutão nas pernas do Richard que o levanta com bola e tudo, fazendo com que ele não conclua a jogada, que, certamente, resultaria em gol. O zagueiro leva a pior, tropeça e cai, com seu tórax sobre a bola. Proteção de pescoço e demais cuidados até que possa ser retirado dali.

Resoluto, o juiz marca o pênalti e aguarda que o zagueiro se recupere para expulsá-lo do jogo.
Enquanto isso, Richard não se escala para bater o pênalti, por ser um traumatizado em relação a cobranças de pênaltis. De uma feita, num outro time, desperdiçou três pênaltis em duas partidas seguidas. Na última, assim como agora, era fazer o gol e se candidatar a ganhar o campeonato.

Os times do Caminho do Meio e do Menino Deus amarelam, por motivos distintos: Menino Deus com medo de perder o campeonato e o Caminho do Meio. de ganhar. Como assim? Justificam-se, por serem times amadores.

O Richard, chateado, comprova que seus jogadores se afastam cada vez mais uns dos outros. Pensa ser pelo fato de que, se ficassem próximos, tratariam do assunto pênalti. E é tudo o que eles, possivelmente, não querem.
Uma coincidência que ninguém engoliu: os dois jogadores do Caminho do Meio que sempre são os batedores de pênaltis desmoronam no gramado. Um voltando a sentir antiga contusão na coxa e o outro, o joelho incomodando. Atitudes logo entendidas pelo Róger, técnico do Caminho do Meio, e pelo capitão Richard. Então restou solicitar um voluntário para a cobrança do pênalti.

O lateral esquerdo do Caminho do Meio, conhecido por Trapalhão, nem precisa dizer a razão do apelido – é o seu pior jogador, disparado. Joga por não existir outro na posição. Rapidamente raciocina: ao se candidatar a bater o pênalti e o converter, será considerado um herói. Todo o seu passado de perna-de-pau será esquecido. Assim convencido se escala para cobrar o pênalti
Não, não, qualquer um menos ele. Fazer o quê? Só resta rezar e rezar.

Trapalhão estava se dirigindo para a marca da cal, quando torcedores do Caminho do Meio, no alambrado, se alternam nas manifestações de suas insatisfações ante a desastrada atitude do Trapalhão em se oferecer para bater o pênalti:

-Pô, Trapalhão, te enxerga. Pede para atender ao telefone e te manda daí.
-Quem avisa amigo é: caso percas o pênalti, te capo e faço a festa dos cachorros.
-Que tu eras trapalhão eu sabia, agora louco varrido, pra mim, é novidade.
-Trapalhão, Trapalhão, olha aqui: estou no regime semiaberto, para eu apagar mais um ou menos um tanto faz. Perde o pênalti e verás o que irá te acontecer.
-Oh, seu Trapalhão, filho de uma mãe, sairás daqui hoje pelos braços da galera, de um jeito ou do outro. Se fizer o gol, consagrado.
-Se errar, de pés juntos e num envelope de madeira.

Diante de tantas amabilidades, Trapalhão foi acometido por uma forte vontade de urinar. Só deu tempo de se abaixar, fazendo de conta que irá amarrar os cadarços das chuteiras, e a todo custo se conter para deixar fluir a urina, e só a urina, nada além da urina. Não foi fácil, apenas urinar, mas enfim conseguiu. Ao voltar a caminhar, sacudiu as pernas, uma de cada vez, para que o resto da urina se esvaísse. As chuteiras ensopadas fazem com que seus pés encharcados como que se movimentem dentro delas, produzindo os conhecidos sons: ploft...ploft...ploft.

Envergonhado e humilhado sob todos os aspectos, Trapalhão dialoga com Richard.

-Capitão, eu desisto de bater o pênalti. Arruma outro. Estou sem condições morais e psicológicas. Por favor, me poupe de mais vexames.

-Tiveste coragem pra te oferecer pra bater. Agora vais bater, por bem ou por mal.

-Então eu vou bater com o pé que não é o bom, o direito, tentando enganar o goleiro.

-Faz como achares melhor. Desde que convertas o pênalti, tudo bem.

Esses diálogos, embora em vozes baixas, foram sempre captados por jogadores do Menino Deus que se encontravam por perto.
Então, um deles disse para o goleiro do Menino Deus que o Trapalhão iria bater o pênalti com pé direito.
Enfim, o juiz autorizou a cobrança.

Trapalhão, que nunca bateu pênalti na sua vida, bastante nervoso e ainda mais angustiado pelo incômodo da vontade de urinar que voltou mais forte ainda, não calculou corretamente em que distância se posicionaria e, ao correr para bater o pênalti, a sua última passada foi insuficiente para chegar junto a bola, em condição ideal para a cobrança, então, desequilibrado, só deu para tocar de leve a bola e de bico mesmo, sem força alguma, ao invés de chute forte e com o peito de pé, o que daria direção ao trajeto da bola. Resultado, a bola passa bem devagar, a mais ou menos meio metro, do lado da goleira. O goleiro vai a passo visando o canto certo e só acompanha a bola ir para fora. Se em direção ao gol, defenderia tranquilamente.

Trapalhão olha para os seus pretensos algozes e os vê costeando o alambrado para em seguida entrarem no gramado. À frente, o apenado, já exibindo o revólver engatilhado e o torcedor que afirmou que iria capá-lo, brandindo no ar uma afiada faca, seguido dos demais. Cada um mais brabo do que o outro.

Trapalhão, sentindo-se prestes a sofrer uma mutilação e, logo após, sua iminente morte, corre em direção aos policiais fardados que se encontram à beira do campo e pede socorro:
- Senhores ilustres e dignos militares, sou o assassino de dois crimes ainda não desvendados pela polícia civil, estou me entregando, me prendam, me levem para uma delegacia. Aquelas pessoas que estão vindo ali querem me matar, sem que eu saiba o porquê. Salvem minha vida, salvem minha vida, imploro, pelo amor de Deus.

A Polícia Militar conteve os agressores, serenou os ânimos e resolveu o problema. Atendendo ao pedido do Trapalhão, levaram-no, em segurança, para uma delegacia.
Nova saída para os cinco minutos finais mais seis minutos de acréscimo. O Menino Deus, reencontrando seu verdadeiro futebol, cresceu na partida e ainda conseguiu fazer dois belos gols. O tri estava mais que garantido.

Na volta olímpica, o auxiliar técnico Rafael, alegando sua condição de compadre do Aldo, não se contém e pergunta o que vem a ser o CP, SN.
O Aldo responde com uma pergunta:

-O que fez o nosso zagueiro?
-Cometeu pênalti.
-Então temos o CP. E qual é a única condição aceitável de se cometer pênalti?
-Se necessário.
-E agora o SN.
-Cometer Pênalti, Se Necessário. C P, S N. Bem bolado. Inusitado. É isso aí.
-Satisfeito? Somos tri. Somos tri, ninguém nos segura. Viva o Menino Deus. Viva nossa equipe. Viva nossa diretoria, rumo ao tetra. Vida longa pra todos nós. Mais do que merecemos. Viva, viva, mil vezes viva.

Sobre el autor/a

Álvaro de Almeida Leão

Nascido em Campina Grande - Paraiba; Gaúcho por adoção. Aposentado do Banrisul. Formado em Administração de Empresas e em Ciências Contábeis pela UFRGS. Autor dos livros "Ensaios" e " Humor Para o Mau Humor " Participou do Jornal RSletras , orgão oficial do Instituto Cultural Português . Faz parte de Antologias de Entidades Culturais do Estado. Sócio efetivo da Sociedade Partenon Literário e de que faz parte da sua Diretoria; Sócio do Instituto Cultural Português; da Casa do Poeta Rio-Grandense e da Casa do Artista Caponense de Capão da Canoa RS;. Acadêmico da Academia Internacional de Artes Letras e Ciências de Cruz Alta RS, da Academia de Letras do Brasil Seccional do RGSul e da Academia Luso-Brasileira de Letras do RGSUL. Honrarias: Diploma Honra ao Mérito; Medalhas; Troféu Aldo Coimbra outorgado pela Associação dos Funcionarios Aposentados do Banrisul - Escolhido pela Editora Revolução Cultural, como o Escritor Homenageado do Ano da Feira do Livro de Porto Alegre RS em 2019 ; Comendas Caldre e Fiao do Partenon Literário e Comenda Personalidade Internacional 2023 da Academia Internacional de Artes, Letras Ciências de Cruz Alta RS; Participa anualmente do Concurso Literário da FECI CAPOLAT da Confreira Marinês Bonacina. Atualmente é bi campão do Concurso FECI CAPOLAT, Ouro em 2022 e Troféu em 2023.

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