Bons tempos

B

Silvia C.S.P. Martinson


Não vivo a relembrar o passado como se fosse o melhor tempo de minha existência.
Mas às vezes algumas lembranças voltam à mente e me fazem sorrir ao recordar.
Penso que vivemos agora uma nova e maravilhosa vida em relação a conforto e tecnologia nunca imaginada por nossos pais, especialmente para as mulheres de então.
Infelizmente em face de tantos outros fatores uma grande maioria das pessoas, no mundo, passa fome e não têm nem suas necessidades básicas, como seres humanos, atendidas e supridas.

Mas, abstraindo-me de tudo isto vou narrar um pequeno fato que ficou marcado em minha memória e que faz juz ao título desta narrativa.
Éramos crianças.

Minha mãe trabalhava em casa muitíssimo. Era modista conhecida e reconhecida por seu trabalho impecável. Tinha excelente clientela.
Nossa casa era grande e confortável para a época e à classe social a qual pertencíamos, graças ao trabalho de meus pais. Não éramos ricos, porém não nos faltava comida à mesa, roupas e calçados modestos sempre limpos e principalmente acesso à educação e ao estudo.
Deixando as divagações de lado vou, enfim contar o que se passou.

Minha mãe trabalhava em suas costuras e nós estávamos no pátio a brincar. Era verão.

Naquela época não se tinha o hábito de trancar as portas da casa que davam para a rua. As pessoas eram respeitosas.

Brincávamos distraídas por quase toda manhã e quando voltamos para dentro de casa para almoçar minha mãe mandou que lavássemos as mãos para comer.

A sala de estar da casa era contígua a de jantar e a cozinha e nela havia duas poltronas e um sofá grande e confortável. Assim que nos sentamos para comer olhamos, não sei por que, para a sala de estar.

E para surpresa nossa havia uma pessoa – de onde podíamos divisar – simplesmente deitada no grande sofá da sala de estar. Era um homem.

Aos gritos chamamos nossa mãe que acorreu pressurosa para ver o que estava acontecendo, quando também se deparou com aquele estranho em nossa casa.

Ela então se aproximou do sofá e viu que a criatura dormia e também cheirava a aguardente. Ela era valente Sacudiu o homem com cuidado e o acordou lhe perguntando o que fazia ali.

Ele balbuciou, semiembriagado, que estava cansado, com fome e que a porta da casa estava aberta e por isso havia entrado. Disse que estava desempregado e com muita fome.
Minha mãe lhe disse que não poderia entrar nas casas assim.

Nós crianças estávamos com medo, porém mamãe além de valente era uma mulher caridosa e se apiedou do pobre miserável. Disse que lhe daria comida. E assim o fez.

Preparou um bom prato de feijão com arroz, carne e uma salada que serviu à parte. Mandou-o sentar a mesa e o serviu. Lembro bem...

O pobre homem esfaimado comeu avidamente e após foi sentar-se no sofá novamente. Mamãe então com toda paciência e por que não dizer prudência, lhe falou que ali não poderia permanecer haja vista que seu marido estava por retornar do serviço e certamente não gostaria dessa situação.

Ele compreendeu, se levantou e ajudado por minha mãe, pois que se encontrava ainda trôpego pela bebida, foi conduzido até a rua.
Seguiu seu caminho. Nunca mais o vimos.
Após o que a porta que dava para o jardim e conduzia à rua foi fechada naquele dia com a chave.

Desde então se criou o hábito de manter a porta fechada sempre.

Bons tempos aqueles em que tínhamos paz, não havia trancas tampouco telefones para chamar a polícia. No entanto as pessoas não eram agressivas e a maldade não estava tão disseminada, pelo menos na minha cidade.
Bons tempos aqueles...

Sobre el autor/a

Silvia Cristina Preissler Martinson

Nasceu em Porto Alegre, é advogada e reside atualmente no El Campello (Alicante, Espanha). Já publicou suas poesias em coletâneas: VOZES DO PARTENON LITERÁRIO lV (Editora Revolução Cultural Porto Alegre, 2012), publicação oficial da Sociedade Partenon Literário, associação a que pertence, em ESCRITOS IV, publicação oficial da Academia de Letras de Porto Alegre em parceria com o Clube Literário Jardim Ipiranga (coletânea) que reúne diversos autores; Escritos IV ( Edicões Caravela Porto Alegre, 2011); Escritos 5 (Editora IPSDP, 2013) y en español Versos en el Aire (Editora Diversidad Literaria, 2022)
Participou de concursos nacionais de contos, bem como do GRUPO DE ARTISTAS E ESCRITORES DO GUARUJA — SP, onde teve seus poemas publicados na coletânea ARAUTOS DO ATLANTICO em encontros Culturais do Guarujá.

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