Edson Olimpio Silva de Oliveira
A chaleira canta, o mate espuma, e o Vento Norte se chega de mansinho — pra contarmos, em verso e alma, os mistérios que só os antigos sabiam decifrar. Pealamos emoções sentidas e extravasadas. Tropeamos os fundamentos do amor, nem sempre compreendido. Minha avó Adiles e minha amada mãe Dora sofriam um embotamento da alegria ao sentir esse vento aquecido em alguma fornalha ancestral – o Vento Norte. Ao contrário do frio Minuano, esse sopra dos afogados do Pantanal, das queimadas sem fim, dos animais que queimam nas torrentes de fogo. ‘Dona Diles’ ao para o cemitério orar e pintar, florir e arrumar os túmulos da família. ‘Dona Dora’ orava com Santa Terezinha ao seu lado. Cresci assim na espiritualidade da família.
"O Vento Norte... gaudério mal- assombrado,
Chega assoviando saudade no pasto cansado.
É vento quente que traz lembrança e agonia,
Que enxuga o pranto duma alma em romaria..."
Lembro da avó, de lenço guardado no colo,
Com olho marejado e rezo manso de consolo.
Na rua do cemitério, flor de papel e saudade,
Onde o tempo é um rosário da eternidade.
O Norte vem como língua de sogra bufando,
Levanta o pó, assanha o campo e sai rondando.
Tem gente que sente nas juntas, no coração,
Outros veem vulto e sombra em contramão.
Cachorro se esconde, gado estranha a querência,
E o vivente se cala no lombo da consciência.
Médico, peão ou curador de almas penadas,
Todos sentem que o Norte varre as madrugadas.
Tem algo de praga, tem algo de ancestral,
Como sopro que assanha o espírito e o mal.
Diz o povo que é vento de doença e gemido,
Que traz no bafo um passado mal resolvido.
Já vi gente dizer: “É só vento, sem sentido!”
Mas quem já perdeu um filho, sente o ouvido.
E esse vento malino cutuca lá no fundo,
Faz o céu mais baixo, e o silêncio mais profundo.
Mas eu digo, gaudério, não tema esse assobio,
O Norte vem sim, mas também leva o vazio.
É nas brisas mais brabas que se forja o pensador,
E o vento que assusta também traz ensinador.
Verso do Mate:
“Quem teme vento que sopra, que escute sua razão...
Pois até brisa maldita pode ser benção do galpão.”