Autor/aPedro Rivera Jaro

Protecção contra pombos

P

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Há cerca de vinte anos, aproximadamente em 2002, devido à minha situação laboral, ou melhor, devido à minha incapacidade de encontrar emprego como Economista, provavelmente por ter 52 anos e apenas três mestrados, aceitei dedicar-me ao trabalho de venda porta a porta. A venda por porta fria significava tocar à campainha das empresas e das casas particulares e oferecer os produtos da carteira.

Nessa altura, oferecia redes invisíveis e varas de 40 centímetros de comprimento com uma dupla fila de fios eretos. Ambos os produtos destinavam-se a evitar que os pombos se empoleirassem e fizessem ninhos nos edifícios que se pretendiam proteger contra os excrementos dos pombos e os danos causados nas fachadas e telhados pela acidez dos excrementos desses animais.

Um dia, quando estava de visita na rua Toledo, em Madrid, entrei numa igreja e comecei a falar com a sacristã, que me disse que eu devia explicar isto a Don Jesús, que era o pároco da igreja. Disse-me que esperasse, porque ia ver se Dom Jesus me podia receber para eu lhe explicar pessoalmente.

Dez minutos depois, regressou acompanhada pelo padre, que ouviu com muita amabilidade todo o meu repertório comercial para convencer-lhe a tirar os pobres pombos da igreja.

Depois de ter escutado todas as minhas explicações, Don Jesús, com um sorriso de comiseração, perguntou-me: "Sabe em que igreja estamos? E sem me dar tempo para responder, acrescentou: "Esta é a igreja da Virgem das Pombas".

Pensei imediatamente que tinha metido os pés pelas mãos, mas até esse dia não sabia que esta igreja tinha duas entradas, uma na rua Toledo, que era onde eu estava, e outra que eu conhecia, que se situa na rua de La Paloma, na esquina da rua Isabel Tintero.

O bom padre não podia admitir, no seu íntimo, eliminar os pombos que davam nome à igreja, por mais benefícios que pudesse obter para melhorar o seu aspecto exterior.
Mais uma vez vi que a vida nos dá lições quando menos esperamos.

Um marido infiel

U

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Minha amiga Alicia é Diretora Executiva de uma importante empresa multinacional do setor têxtil. Dentro de suas obrigações laborais tinha que planificar a implantação e desenvolvimento da rede comercial em outros países estrangeiros. Para isto tinha que viajar a estes países durante prazos de tempo que se prolongavam até três meses. E durante esses meses ela queria que sua mãe se encarregasse de vir cuidar do genro em suas ausências.

Seu marido, o genro da senhora, não tinha uma relação amistosa com a sogra e seu pretexto é de que não daria tanto trabalho, porque já era uma senhora bastante idosa, convenceu a esposa de que mais proveitoso seria contratar uma empregada interna para seu serviço e manutenção da casa.

Um par de semanas depois da saída de Alicia sua mãe se apresentou na casa do casal para comer. Quando a conheceu observou que era uma senhorita jovem, muito bonita e não lhe pareceu muito acertada a escolha.
Quando terminada a comida a sogra deu por terminada a visita e se foi a sua casa.

A criada recolheu os pratos, cobertas e demais utensílios de cozinha e os pôs na lavadora de louças.

No dia seguinte se pôs a coloca-los em suas estantes correspondentes e observou que faltava uma concha de prata com a qual havia servido a sopa no dia anterior.

Ao dia seguinte a buscou pela casa sem a encontrar e comunicou a falta ao dono da residência, que lhe recomendou que voltasse a procurar no outro dia, porque seguramente apareceria em qualquer lugar debaixo de algum móvel o assim.

No próximo dia a esteve buscando novamente e com o mesmo resultado.

Voltou a dizer ao dono e este pensou em perguntar a sua sogra se o havia visto. O fez e ela lhe respondeu que a havia deixado no quarto da criada debaixo do travesseiro.
E em ato seguinte perguntou a seu genro: Onde havia dormido todas estas noites a criada?

Meu tio Mete

M

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson
Narrado por Emeterio Rivera

Minha família paterna é oriunda de um povoado de Toledo chamado Gerindote.

Meu avô Apolonio quando muito jovem foi levado pelo exército espanhol à guerra de Mellila no Marrocos.

Em outro momento os contarei este episódio da vida de meu avô, porém agora quero falar-lhes de meu tio Emeterio, que era o terceiro por ordem de nascimento dos cinco que tiveram meu avô Apolonio e minha avó Isabel.

Lucia, Luis, Emeterio, Felix meu pai e Victor cujo verdadeiro nome era Julian, porém chamado Victor por ser este o nome de seu padrinho.

A seguinte narração está escrita por um dos netos de meu tio Emeterio, sobre um bloco manuscrito por ele. Seu neto lhe chamava Tello,  o avô Tello.

É uma estória de um homem sensível que me foi dada, a mim, seu sobrinho Pedro.

Neste momento me embarga a emoção pela recordação de um dos meus muito queridos tios. 

Que Deus te tenha em sua gloria tio querido.

Ainda recordo quando, com um lápis me desenhava um pato sobre uma folha de papel quadriculado de um pequeno bloco.

Agora, o faço eu mesmo para minha bisneta Makenna, minha americanazinha querida de 5 anos  que vive nos Estados Unidos.

Quero que vocês saibam que em minhas histórias, não faço distinção entre esquerda e direita, porque entre outras razões, acredito firmemente que pessoas boas podem ser encontradas em todas as crenças políticas, assim como pessoas más.

Temos que nos colocar no início dos anos quarenta, conhecidos como os anos da fome na Espanha. Após uma sangrenta guerra civil, na qual os espanhóis foram colocados contra os espanhóis, a Espanha foi devastada, seus campos tornaram-se improdutivos, a nata de seu povo havia morrido, sido mutilada ou forçada a fugir para fora da Espanha, por medo de represálias por parte dos vencedores contra os vencidos. Toda a Espanha se tornou um imenso campo de prisioneiros, no qual cada prisioneiro era investigado sem pressa sobre seus antecedentes e com todas as informações que as pessoas que o conheciam podiam fornecer. Mais tarde as democracias europeias, uma vez terminada a Segunda Guerra Mundial com a derrota dos nacional-socialista alemães e dos fascistas italianos, decretaram o isolamento da Espanha, motivadas pelo fato de que o lado vencedor do exército espanhol deveria estar alinhado com os vencidos na Europa. O maná que o Plano Marshall trouxe para a Europa não deixou um único dólar na Espanha, portanto o dano foi feito, não aos nossos governantes, mas ao povo espanhol, cujas classes mais pobres sofreram o flagelo da fome e doenças como a tuberculose, com milhares de mortes entre seus habitantes.
Meu tio Emeterio, a quem sua família inteira chamou de Mete e que, quando ele se tornou avô, um de seus netos chamava-o de Tello enquanto era um menino, era o terceiro de cinco irmãos que ficaram sem mãe em 1928. Minha avó Isabel, nascida em um pequeno vilarejo de Toledo perto de Torrijos, chamado Gerindote, de onde seu marido Apolonio e seus cinco filhos também eram originários .

Ela contava que se mudou para viver em um bairro muito humilde no sul de Madri, com seu marido e filhos, onde morreu no início dos anos trinta. Meu avô Apolonio nunca quis se casar novamente e permaneceu viúvo até sua morte, trabalhando com a família Ferrando, proprietários de terras no sul de Madri (Pradolongo, San Fermín, Ciudad de los Ángeles, Orcasitas, etc.), e de um Parador de Ganados, onde os fazendeiros que traziam os animais para o matadouro de Madri e os colocavam na noite anterior à sua chegada para abate.

Meu tio Mete obsequiou-me com uma história que ele viveu quando tinha 19 ou 20 anos de idade e trabalhou em uma oficina de reparação de carruagens, de propriedade do Sr. Diego Hurtado, escrita à mão por ele, e datilografada por um de seus netos. Este relato é a maior parte do traje que eu confeccionei, cortando aqui e acrescentando ali, e que diz o seguinte:
O trabalho de conserto de carroças foi muito difícil, muito diferente do de um carpinteiro ou marceneiro. Neste ofício, foi utilizada madeira de carvalho para os raios e para os fusos das rodas, choupo preto para os cubos, também para as rodas, as vigas e toda a estrutura da carruagem. As cinzas também foram utilizadas para as pernas. O ferro também foi usado extensivamente na fabricação de um carrinho, na fabricação dos pneus e aros dos cubos das rodas, barras laterais e placas de reforço. Todo este ferro teve que ser preparado e forjado na forja à mão, usando martelos e tornos. Na forja eles tinham um fole para acender o carvão e para fazer furos no ferro, eles tinham uma furadeira com um volante que tinha que ser movido manualmente, porque naquela época eles não tinham outro meio mais conveniente de fazê-los.

A oficina estava localizada no sul de Madri, no bairro de Las Carolinas, perto da antiga estrada da Andaluzia, agora chamada Calle de Antonio López, em cuja estrada uma linha ferroviária atravessava, com uma passagem de nível com barreiras, onde os veículos que viajavam ao longo dela, quando um trem se aproximava abaixava as barreiras, paravam até terminar de passar e depois retomavam sua viagem.

Numa tarde muito fria de dezembro, quando estavam trabalhando na oficina, chegou um homem com uma carroça puxada por uma mula. Era uma carroça muito bonita, do tipo valenciano, com seu toldo e cortinas, bem pintados, e com uma arca no fundo, onde os motoristas da carroça carregavam seus pertences pessoais, além da carga de mercadorias que estavam transportando.

Este senhor entrou na oficina dizendo que tinha sido atingido na lateral da carroça que havia se quebrado, então ele precisava consertá-la. O mestre da oficina lhe disse para deixá-la por mais um dia, pois naquela época não havia espaço interno para trazer a carroça para dentro, e estava muito frio lá fora para poder trabalhar. Mas o homem insistiu tanto que finalmente convenceu o mestre, que disse a Emeterio para ir lá fora e consertá-lo. Emeterio o fez, pegando as ferramentas e saindo para a rua, onde o vento norte soprava e estava gelado.

O proprietário da carroça ficou dentro da oficina e começou a conversar com o mestre ao lado da forja. Enquanto meu tio Mete reparava a carroça, a certa altura ele ficou curioso para ver o que estava dentro da arca e levantou a tampa de madeira que a fechava. Entre outras coisas, havia muitos pequenos fardos de paus com cerca de 10 centímetros de comprimento e um saco de pano com dois pães redondos dentro, cada um com cerca de 35 centímetros de diâmetro. Os olhos de Emeterio foram atraídos por aqueles dois pães, pois já havia muito tempo que ele não via um pão assim. Além dos pães, junto a eles, havia duas salsichas, cada uma medindo cerca de 50 centímetros quando esticadas. Havia também uma panela de barro novinha em folha cheia de fatias de coelho com chouriço em óleo.

Embora estivesse com muita fome, Emeterio colocou a tampa de volta no baú e a deixou exatamente como a havia encontrado no início. Para lhes dar uma ideia de como meu tio Mete estava com fome naquela época, lhes direi que todas as tardes, quando saíam da oficina, ele e seu parceiro Diego, que tinha a mesma idade que ele, e filho do Mestre, iam ao Mercado Central de Frutas e Vegetais em Legazpi, que ficava perto da oficina, lá descarregavam laranjas dos caminhões e para este trabalho lhes davam e cada um deles um bom saco de laranjas e algumas beterrabas que, uma vez fatiadas e assadas, pareciam tão saborosas e enganavam a fome maldita pela qual estavam passando.

Emeterio prosseguiu com seu trabalho, preparou duas placas de ferro e entrou na oficina para fazer alguns furos nelas. Naquele momento, o dono da carroça estava sendo engraçado, dizendo ao Mestre algo que o fazia rir alto, referindo-se aos feixes de palitos de dentes que ele havia armazenado na arca da carroça. Ele disse que alguns dias antes, quando estava chegando ao longo da estrada, viu uma acácia deitada no chão, que havia sido arrastada pelo vento. Ele parou junto a ela e carregou dois braços cheios de galhos da árvore na carroça e fez fardos de quatro paus cada um, sentado na carroça enquanto a mula o levava para o próximo vilarejo na província de Toledo. Quando entrou na aldeia, com os fardos já feitos, colocados em uma cesta, começou a proclamar: "Bastões de ouro para curar a diarreia das crianças" (naqueles dias muitas crianças morriam de diarreia). As mães da aldeia compraram todos os cachos que ele tinha na cesta, a dois reais por cacho. O Mestre e seu filho Diego não riram da venda dos pedaços de ouro, porque o nome da aldeia onde o vigarista os havia vendido era Gerindote, onde meu pai, meu tio Mete e todos os membros de minha família paterna haviam nascido. Meu tio Emeterio percebeu que o vigarista ganhava a vida enganando pessoas humildes e isso lhe causava um profundo desejo de vingança, pelo mal que estava fazendo ao brincar com a dor de outras pessoas. Ele saiu da oficina para terminar de consertar o carro e chamou Diego com a desculpa de que precisava dele e mostrou-lhe o conteúdo da arca, que quando o viu disse a Emeterio: "vamos tirar um pedaço de pão dele", porque se os olhos do meu tio Mete estavam indo, as mãos de Diego já estavam vindo. Meu tio lhe disse que tudo era por sua própria conta. Entrarei na oficina e se você ver que ele vai sair, bata duas vezes com o martelo na grande bigorna duas vezes para me avisar. Eu cuidarei do resto, meu tio lhe disse.

Na rua, naquela tarde fria, ninguém passava por ali. Em frente à oficina havia um terreno onde eles iam construir um galpão e tinham descarregado uma carga de blocos para fazê-lo. Meu tio subiu na pilha de blocos e retirou três deles para um lado, colocou o saco com o pão, as salsichas e o guisado no buraco que ficou, e colocou os blocos de volta em cima para cobrir tudo.

Então ele entrou na oficina e disse a seu mestre que a carroça estava consertada. O Mestre e o motorista da carroça foram para a rua e, após pagar pelos reparos, o dono da mesma convidou o Mestre para tomar uma bebida em um bar perto da estrada, onde ambos entraram no veículo.

Depois de um tempo o Maestro voltou à oficina e cerca de uma hora depois o motorista da carroça voltou à oficina e nos disse que eles haviam levado parte da comida que ele carregava. Emeterio perguntou-lhe onde ele havia deixado a carroça quando entraram no bar, porque se a tivessem deixado do lado de fora, a teriam tirado dele, e disse ainda que: como os veículos pararam na passagem de nível, havia muitos ladrões por perto para roubar deles. O mestre reforçou esta explicação e o proprietário do carro teve que sair resignado à sua perda.

No final do dia de trabalho, o mestre foi para casa e depois Diego e Emeterio, que ficaram para limpar a oficina, saíram à procura de seu tesouro escondido.

Eles o levaram para a oficina, onde o esconderam no que acharam ser o lugar mais seguro, mas não sem antes recolher uma ração para cada um deles. Depois foram para Legazpi, mas não para trabalhar no mercado e sim entraram em um cinema que existia lá, ao lado da entrada do Metrô. Uma vez dentro do cinema, ambos começaram a comer avidamente. Naquele dia eles estavam assistindo o filme La Salvaora, de Lola Flores e Manolo Caracol, mas as pessoas ao seu redor estavam mais interessadas no que estavam comendo do que em assistir ao filme. Durante 5 dias eles estavam comendo do conteúdo do baú da carroça. Em um dos dias eles convidaram um menino de mais ou menos de sua idade com um pedaço de pão e um pedaço de linguiça, porque os olhos do pobre não paravam de vaguear atrás da comida e a eles lhes deu um pouco de compaixão.

Durante aqueles cinco dias, quando minha tia Lucía, sua irmã mais velha que estava encarregada de criar e cuidar de todos os irmãos, lhe serviu o mingau que comiam todas as noites para o jantar, porque não tinham nada melhor, Emeterio não estava com fome. Isso era bom para os outros irmãos, que eram mais capazes de satisfazer seu apetite, mas ela estava preocupada com a falta de apetite de Emeterio, que não ousava explicar a ela por que estava tão relutante.

Meu tio Mete lamentava ter jogado fora aquela nova panela de barro e a deixou no pátio da casa da família, o que muito estranhou a minha tia Lucía que se fartou de perguntar a todos os seus irmãos de onde tinha vindo a panela. Foi um esforço inutil porque ninguém sabia, exceto o tio Mete, que não abriu a boca e fingiu não saber de nada.

Depois de um ano, Diego e Emeterio, ao acabar-se a comida voltaram ao mercado todas as tardes para descarregar caminhões e contaram ao Mestre o que havia acontecido, mas ele não gostou. Depois de um tempo ele os desculpou, percebendo que a maldade do motorista da carroça mais do que merecia o comportamento dos dois meninos, posto que não hesitasse em abusar do desespero das mães de Gerindote em tempos tão difíceis como aqueles.

Crecemos con a rádio

C

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Nos anos cinquenta minha mãe comprou um receptor de rádio da marca Telefunken.

Aquele aparelho era caríssimo para a época, quinhentas pesetas. Era um aparelho de válvulas muito bonito e potente receptor, que recebia emissoras de muitas cidades de toda Europa. Uma de essas emissoras me ficou gravada pela raridade do nome que não era outro senão HILVERSUN. Aquele receptor o comprou minha mãe em uma loja que se chamava El Ojo Mágico na rua Toledo 45 de Madri, onde trabalhava como dependente Elena Palomino, irmã de Paco, o marido da prima Carmen e que era lindíssima, ao menos me parecia. Elena se casou anos depois com um farmacêutico um tanto mais velho que ela e que tinha a farmácia na Rua Mayor, muito perto da praça de mesmo nome de Madri.

Meu pai encomendou a Saturnino, meu vizinho que era carpinteiro de ofício, um suporte quadrado de madeira envernizada e o fixou na parede da cozinha de nossa casa, justamente em cima da mesa, na qual comíamos os seis membros da família, à altura de 1,80 metros. Sobre este suporte se manteve o aparelho de rádio anos e anos. Eu passava muitíssimo tempo escutando e aprendendo de tudo que emitiam pela querida rádio. Recordo que meu pai na hora da comida nos exigia silencio, porque lhe gostava escutar o PARTE.

O PARTE eram as notícias do que vemos na televisão e que chamamos Telediário. Isto provinha de Parte da Guerra que emitia a Radio Nacional nos tempos da Guerra Civil Espanhola.

Todos temos na memória a última parte da guerra do dia um de abril de 1939, porém, creio, será preferível não voltar a recordá-lo. Foram tempos muito duros para os vencedores e mais duros para os vencidos. Eu nasci em 1950 e minhas recordações não incluem aqueles primeiros anos do pós guerra, graças a Deus, porém sim os conheci através de terceiras pessoas que viveram aqueles tristes anos. Embora não gostassem de recordar as privações, as perseguições, os encarceramentos, sempre captava conversações, retalhos do que haviam vivido.

Crescemos com o Rádio, porém o rádio nos transportava a outros mundos muito mais bonitos. Minha mãe escutava as séries irradiadas de Guillermo Sautier Casaseca por exemplo. Recordo Ama Rosa. El Derecho de Nacer. Também recordo da série Dos Hombres Buenos.

Porém como menino que era, o que mais desfrutei foram os contos que contavam cada dia, como por exemplo La Tabla de Multiplicar, Galgos o Podencos, que nos preparavam para a vida de adultos com suas correspondentes moralidades. Aqueles dois coelhos que entretidos em discutir se os cachorros que os perseguiam eram galgos ou eram cães de caça se esqueceram de continuar fugindo e caíram em seus dentes.

Este conto me ensinou que não podemos distrair-nos do que é importante para discutir o acessório.

Outros contos que não esqueço são: La ratita Sabia, La Gallina Marcelina,(que era uma galinha com muita tradição, visto que era de sua avó o Ovo de Colombo), Garbancito, El Gallo Kiriko (a quem ninguém queria limpar o bico para ir ao casamento de seu tio Perico) e El Enano Saltarin.

Todas as manhãs, às 10 horas começava um programa chamado Conozca a Sus Vecinos, aonde aqueles que tivessem preocupações artísticas iam cantar nos microfones da rádio para chegarem a ser conhecidos pelo grande público. Os patrocinadores dos programas anunciam seus produtos através de suas canções comerciais, que meninos aprendíamos e cantávamos em voz alta. Cola Cao ( eu sou aquele negrinho), Okal Almacenes Ruiz (se me queres ver feliz é preciso que me leves aos Armazéns Ruiz, de Hortaleza 19) e Muebles Cabezón.

Nos fins de semana os locutores Bobby Deglané e José Luis Pecker nos convidavam a Cabalgata Fin de Semana e domingo de tarde Carrusel, com seu seguimento de futebol, permitia a meu querido pai comprovar os resultados das partidas e checar os resultados dos pools com a ilusão de acertar os quatorze e fazer-se milionário da noite para o dia. Matilde Vilariño, Pedro Pablo Ayuso, Juana Ginzo, se convertiam em divertidos personagens como: Matilde, Perico e Periquin. As cinco da tarde, La Portera y sus Vecinos, faziam rir a audiência com suas graciosas ocorrências e igualmente sucedia ao meio-dia com La Saga de Los Porretas.

Grandes profissionais que ganhavam os Premios Ondas e Antena de Oro, dirigiam programas de grandes audiências, como por exemplo , Joaquin Prats e Alberto Oliveiras com Ustedes Son Formidables. Havia programas que aparentemente eram para as tardes das damas, porém eram seguidos por inumeráveis varões, como era o caso do Consultorio de Elena Francis, que seguia na antena oitenta.

Recordo de programas solidários tais como a Operación Clavel o qual dirigia o grande Boby Deglané e que recolhia ajudas para os afetados pela inundações de 1961, sofridas pelos sevilhanos.

Mais tarde houve outro programa quando das inundações de Vallés na Catalunha.
Outro grandíssimo profissional do radio, Joaquin Peláez dirigiu a Operación Plus Ultra que selecionava autênticos heróis infantis para que espalhassem seu magnifico exemplo entre os demais meninos.

Humoristas como Gila e Pepe Iglesias El Zorro me fizeram rir sem parar com suas noites hilariantes.

Não acabaria nunca de contar minhas recordações do rádio, tendo em conta que até 1964 não chegou o primeiro televisor a minha casa e assumiu os cuidados da atenção familiar, porém não quero terminar este fio sem mostrar meu agradecimento ao que se chama Peticiones del Oyente, aonde a pedido de familiares e amigos nos chegava <a felicitação de aniversário, mediante as canções em moda, interpretadas pelos cantores mais famosos do momento. Juanito Valderrama cantava El Emigrante, dedicada a aquele filho que estava trabalhando na Alemanha, ou Su Primera Comunión se se tratava do mês de maio e da celebração das comunhões, que então eram grandes celebrações. Antonio Molina nos cantava Soy minero, Angelillo nos levava por seu Camino Verde e tantos outros músicos que com suas composições alegravam nossas vidas.

Quero expressar meu agradecimento a todos os profissionais do radio que com seu esforço, como continuam fazendo-o hoje em dia, nos ajudaram a superar aquela Espanha que tutava contra a desigualdade que nos diferenciava do resto da Europa.

Houve anos em que a gente pensava que a televisão acabaria destruindo o radio, porém o correr do tempo demonstrou que o radio, por sua própria constituição, por seu imediatismo, supera em muitos aspectos a televisão.

Tudo que aprendi de menino escutando aquela Telefunken de válvulas me serviu ao largo de minha vida, de igual modo que me serviram, os ensinamentos de meus pais e de meus mestres.

Durante as noites de meus muitos anos trabalhando como taxista noturno, meu querido radio esteve me acompanhando e há conseguido que as horas transcorressem com presteza

Hoje aos meus 73 anos sigo, escutando cada manhã, o radio e nos fins de semana escuto a Pepa y su No es um día Cualquiera, fazendo-me sentir como se estivesse entre grandes amigos.

Espero não haver vos entediado com minhas recordações. Desejo-vos, a vós outros, que sua vida transcorra com a maior placidez.

Amor paternofilial

A

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson
Fotografía: Makkena, bisnieta del autor. Album familiar de Pedro Rivera Jaro

Eu posso compreender muitas coisas porque tenha lógica e porque sucedem comumente a muitas pessoas. Por exemplo: a ruptura de casais que antes sentiram grande amor entre eles, porém as circunstancias da vida o esgotaram.

O que não entendo e não poderei entender nunca, é que se esqueçam dos filhos que foram fruto desse amor, que é justamente o caso ocorrido nos anos trinta com meu primo Joselin e logo se há repetido, fazem 6 anos com minha bisneta Makenna.

Os obstetras advertiram a minha tia Santa, irmã mais velha de minha mãe, e a meu tio José, seu esposo, no parto de Joselin, que não tivesse mais gravidez porque lhes custaria a vida da mãe e do bebê.

Dois anos depois se cumpriu a predição do médico e minha tia Santa perdeu sua vida assim como a vida do bebê em seu seguinte parto

Em pouco tempo o tio José desapareceu da vida de seu filho Joselin ao emparelhar-se com outra mulher, com a qual teve dois filhos. Ao primeiro deles voltou a pôr o nome José, algo muito criticado pela nossa família, cujos membros (meu avô Pedro, meus tios, minhas tias y minha mãe) se ocuparam de criar com todo carinho a meu primo.

Quis o destino que aquele segundo filho que teve por nome José, falecesse esmagado contra uma parede por um caminhão quando o próprio pai o estava estacionando. Houve algum membro de nossa família que manifestou que se tratava de um castigo de Deus, porém eu sempre havia pensado que Deus não podia participar em um ato de castigo a um mau pai, que terminasse com o falecimento de um menino inocente.

Aquele mau pai voltou a fazer parte da vida de Joselin quando este se casou na idade de vinte e tantos anos.

Minha mãe lhe jogou na cara o esquecimento em que ele havia mantido a seu filho primogênito e o bom senhor deu por desculpa que, seu filho quando o via pela rua lhe apedrejava. Cada um que opine o que prefere.
Graças a Deus o menino teve o carinho e os mimos de toda a família e principalmente de minha mãe e de meu avô Pedro e não sentiu a terrível falta de seus pais.

Muitos anos depois voltei a viver um caso similar nos Estados Unidos na pessoa de3 minha querida bisneta Makenna, que cumprirá 7 anos no próximo mês de Janeiro de 2024.

Ela é filha mais velha de Nicole minha neta mis velha a qual enamorada de Devan, um companheiro de seu colégio, e seu primeiro noivo, formou um casal com ele sendo muito jovens, e com 18 anos trouxe a menina a este mundo.

Como em dois anos depois do nascimento da menina, seu pai Devan se enamorou de outra mulher que já tinha três meninos de outras relações anteriores, saiu da casa matrimonial e começou a viver com ela e seus 3 filhos.
Na atualidade tem 2 meninos mais, fruto desta nova relação de Devan.

Até aqui tudo normal com o arranjo e os costumes da sociedade em que vivem. O que já não acho normal é que Devan se tenha esquecido de que Makenna está no mundo.
Nunca vem vê-la, nunca lhe presenteia, nunca em um aniversário, nenhum São Klaus, nenhum fim de semana...
Que tristeza! Que pena!

Afortunadamente é uma preciosa menina que vive com sua avó Diana, minha filha e com seu esposo Jessie e que a todos queremos muitíssimo e que é espertíssima e cheia de vitalidade.

Não lhe faltam jogos, não lhe faltam presentes, não lhe falta carinho e nem sequer lhe falta amor de seu Daddy, que é como Makenna chama a seu autêntico papai Jessie, que sente por ela a mesma paixão que a menina sente por ele.

Quem perde neste caso é Devan, seu pai genético, que nunca saberá a preciosa menina que Deus lhe presenteou e que há esquecido.
Os filhos não pedem para vir ao mundo, somos os adultos que os trazemos e somente os miseráveis esquecem que eles também foram crianças e que necessitaram do carinho de meus mais velhos para amadurecer sem carências afetivas nem materiais.

Perigos da infancia

P

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson
Fotografía: Album familiar del autor Pedro Rivera Jaro

Não encontro explicação da maneira pela qual os meninos de minha geração (nascidos em 1950) havermos conseguido sobreviver ao ambiente em que nos criamos. Aos meninos de agora os mantemos em algodões para que estejam a salvo de qualquer perigo.

Nós outros jogávamos na rua todo o tempo que nos deixavam livres nossas obrigações, que para a maioria dos meninos eram unicamente o colégio e os deveres postos pelos professores. Em meu caso particular eu tinha deveres que me punham meu pai e minha mãe como eram: cuidar das galinhas, dos coelhos e das pombas, ou fazer os mandados de compras de alimentos para a casa. Também tinha que ir a fonte pública para colher água potável para cozinhar, esfregar e lavar.

Em troca a água de regar o pátio, o galinheiro e o jardim a tirava de um poço que havia escavado meu avô Pedro e que se encontrava em um lugar do pátio junto a pilha de roupas a lavar antes de chegar a casa a primeira lavadora Hoover-Hogel. Por último, todas as noites quando meu pai voltava do trabalho com seu caminhão, eu tinha que lavar os vidros da cabine, os faróis e os pilotos. Também limpava e lustrava os cromodados da frente do caminhão Studebaker. Aos sábados pela manhã tinha que varrer os pátios e a garagem.

Porém, não obstante todo o anterior, tínhamos tempo também para jogar. Desde quando recordo, jogávamos futebol em umas terras que existam bem perto da fonte pública sem cansar-nos nunca enquanto tivesse luz do dia. Jogamos primeiro com bolas feitas de trapos velhos atados. Logo juntamos dinheiro entre todos e compramos uma bolinha de borracha. Por último formamos uma equipe de meninos e aportávamos uma quota de uma peseta cada semana até que pudemos comprar uma bola; por fim uma bola.

Também jogávamos ao esconderijo, ao resgate, a dola, a pasimisi, ao bote bolero, ao para peão e outros muitos jogos sobre as ruas de terra, sem asfaltar, de nosso bairro.

A primeira vez que baixei ao rio Manzanares com meu amigo Tomasin para tentar colher rãs e peixes, sem conseguir, ao voltar para casa com os sapatos, pés e meias manchados de barro e lodo, meu pai me descobriu junto ao cubo de água que havia tirado do poço para lavar-me. E depois de dar-me umas palmadas, me castigou e proibiu terminantemente de baixar ao rio.

Como podeis compreender, ele o fazia para proteger-me evitar que pudesse afundar nos pântanos das margens do rio Manzanares e me afogar nelas. Eu naquela tinha como cinco anos.

Por suposto que, ainda ao risco de receber castigo, a mim encantava baixar ao rio com meus amigos, todos mais velhos que eu, a caçar lagartixas, lagartos e cobras que se criavam por ali, entre aqueles aterros de escombros. Também nas encostas daquelas pequenas montanhas fazíamos o que denominávamos escorredores e com madeira compensada ou caixas, lançávamos punhados de areia e deslizávamos sentados até o fundo da encosta.

Se ao chegar à casa manchado de terra estava nela minha mãe que embora me admoestasse não me batia. Porém se estava meu pai era diferente, porque com aquela mão cheia de calos de trabalhar, carregando o caminhão, que era uma pedra por sua dureza, me dava na bunda. Dizia que na bunda não se rompia nada. Porém o certo é que me doía muito.

Transcorreram uns quantos anos e quando eu contava com uns doze os jogos se foram sendo mais arriscados. Nós juntávamos três ou quatro amigos e com lanternas entravámos pela desembocadura dos coletores do sistema de esgoto do subsolo das ruas de Madri. Recordo de um de meus amigos que, desconheço porque, o chamávamos de Tragamuelles (engolidor de primaveras) e era um jovem que sempre tinha um sorriso na cara. Os coletores eram cofres com uma pequena calçada ao lado da direita e um pouco mais abaixo havia uma condução por onde corriam as águas das ruas até chegar ao rio.

Estes cofres mediam quilômetros e os recorríamos até chegar a Ponte dos Três Olhos a vários quilômetros de nosso bairro San Fermin, ao sul de Madri

De vez em quando víamos ratas enormes que bem corriam pela calçada ou bem nadavam na corrente. Para nós era uma aventura e descobríamos saídas com tampas de ferro pela zona de Legazpi. Essas coisas nunca foram do conhecimento de meus pais, que estou seguro não me haveriam permitido.

Uns quantos anos depois, três crianças entraram e foram surpreendidos por uma tormenta que produziu um forte aguaceiro com sua correspondente avenida de água que inundando a grande velocidade e violência os coletores arrastou os corpos daqueles meninos a muitos quilômetros mais abaixo da saída . E faleceram afogados

Isto mesmo nos poderia haver passado a meus amigos e a mim. E a família só se enteraria quando já não haveria remédio.
Outro dia, para não fazer-me pesado os contarei mais aventuras de minha infância.

Memórias de um taxista

M

Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Uma filha do famoso locutor de rádio e apresentador de televisão, Jesus Quintero, conhecido como o LOUCO DA COLINA, que justamente hoje faz um ano de seu falecimento, escreveu um livro narrando muitas das importantes entrevistas que realizou seu papai a personagens como Felipe Gonzáles Márques, Presidente do Governo espanhol, Dolores Ibarruri , La Pasionaria, membro muito importante do Partido Comunista da Espanha, desde os tempos da Segunda República Espanhola e outros muitos que seria prolixo enumerar aqui.

Também recordo nos programas televisivos do Los Ratones Coloraos, personagens conhecidíssimos e popularíssimos como eram Juan El Risitas, Antonio El Perro ou El Cuñao, ou José El Penumbra.

Eu tive o prazer de conhecê-lo em meus tempos de taxista, porque o levei em meu taxi desde o Aeroporto Adolfo Suárez de Madri-Barajas até a Estação de Ave de Atocha. Ele ia vestido com elegante traje muito peculiar de cor marrom claro, e coberto com um gorro de igual cor, com dupla viseira traseira e dianteira, que me lembrou aos trajes que usam os monteiros ingleses nas caçadas de raposa. O acompanhava uma senhora que eu interpretei seria sua secretária, de meia idade e elegantemente vestida, que não abriu seus lábios durante todo o trajeto.

O que me chamou a atenção foi o interesse que mostrou Jesús para conhecer a situação do Grêmio de Taxis, do qual manifestou ser cliente habitual durante os anos em que trabalhando na rádio em Madri terminava a as altas horas da noite.

Lhe comentei a situação provocada pela irrupção no mercado de taxi pelas VTCS (veículos de aluguel com condutor) que teve e segue tendo os efeitos de uma inundação, dada a falta de todo tipo de regulação de horários, dias de pagamento e outras normas que, sim, regulavam milimetricamente a atividade de taxis.

Uma vez chegados à estação de Atocha, Jesús me pagou a corrida e me deu uma grande gorjeta e um amplo sorriso ao que agradeci amplamente. Ha ambas, o sorriso e a generosa gorjeta.   

Em poucos dias recolhi com meu taxi a Santiago Segura, o criador de Torrente, que naqueles dias estava apresentando a obra Los Productores, original de Mel Brooks junto com José Mota na Gran Via.

Ele ia acompanhado de uma senhorita e me solicitou que os levasse ao aeroporto, onde queria tomar um avião com destino a Barcelona.

No radio do taxi eu levava posto um CD e ecoava My Way de Frank Sinatra, lhes manifestei minha disposição de trocar ou apagar a música no caso de não desejarem a escutar. Santiago me demonstrou ser um homem simpaticíssimo e não falsamente como se há dado com outros casos de famosos que, aparentando serem muito simpáticos hão demonstrado tudo ao contrário. Santiago me disse que lhe encantava Sinatra e começou a cantar My Way.

Lhe comentei que uns dias antes havia levado a Jesús Quintero, e o agradável, simpático e generoso que me pareceu, e por suposto a gorjeta que me havia dado.

Quando chegamos e me pagou a corrida encheu suas mãos com todas as moedas que pode reunir e as obsequiou-me dizendo entre risos: “Espero que fales de mim tão bem como hás falado do EL LOCO DE LA COLINA”.

Por suposto que sim Santiago, o farei, porém não só pela gorjeta também, senão por tua enorme simpatia,

Os frutos da figueira

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Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

 Quando eu tinha aproximadamente 12 anos, mais ou menos, em 1962, tive uma conversa com minha tia Cruz, que era a irmã mais nova de meu avô Pedro, na maravilhosa vila de Las Rozas del Puerto Real.

Era um dia em que tínhamos selado seu burro com sua cabeçada, sua sela de peito duplo, uma de cada lado e sua circunferência, e tínhamos descido até seu pomar, no que chamamos de Arroyo del Valle, muito perto da fronteira de uma aldeia vizinha, Cadalso de los Vidrios. Ela tinha um belo pomarzinho com algumas figueiras que produziam frutas deliciosas, que ela chamou de Pescoço Dama.

Ela tinha plantas como: morangos, feijão, tomate, batata, algumas videiras e algumas outras árvores frutíferas, como ameixeiras, pessegueiros, cerejeiras ácidas e assim por diante. Ao entrar por uma pequena porta na parede de pedra encaixadas sem cimento entre elas, que rodeava todo o pomar, do lado esquerdo havia três figueiras grandes, a cerca de cinco metros de distância, na frente do lado direito havia um poço de água muito limpa e fresca, com vários metros de profundidade, com a qual regávamos o pomar, tirando a água com uma haste que balançava para cima e para baixo, havia um caldeirão de chapa galvanizada amarrado ao final da haste e na parte de trás desta era amarrado outro balde cheio de pedras que atuava como contrapeso quando o caldeirão cheio de água era levantado, que esvaziado onde começava a calha carregava a água para baixo, seguindo sua própria inclinação para os sulcos da horta.

Acho que foi em um dia no final de agosto quando estávamos colhendo figos.

As figueiras têm galhos flexíveis que permitem aproximá-los do solo para que os figos possam ser colhidos e encherem os cestos de vime aonde eram guardados. Ela fez para mim uma ferramenta a partir de um ramo de árvore que chamou de rabisco, que, nada mais era do que uma espécie de gancho cortado logo acima, onde o ramo mais grosso encontrava um de seus rebentos. Com este gancho enganchávamos os galhos da figueira e os puxávamos para baixo para alcançar os figos, que tinham que ser cortados sem arrancar o mamilo, que tinha que permanecer com o figo.

Minha tia e eu estávamos fazendo isso quando perguntei a ela por que a figueira deu um primeiro fruto maior, que era chamado de "breve" quando alguns meses depois os outros figos amadureciam, enquanto que as outras árvores frutíferas que eu conhecia produziam apenas um fruto.

Ela riu com a alegria de poder me ensinar coisas que eu não sabia e me contou uma história que sua avó materna lhe havia contado:
- Nos anos em que Jesus Cristo e seus Apóstolos estavam pregando a Doutrina Sagrada nas margens do Jordão e estando cansados e sedentos, em um dia muito quente, havia esgotado seu suprimento de água potável, restando apenas uma cabaça cheia de vinho doce que São Pedro carregava, meio escondida, e da qual este último bebia meio secretamente.

Jesus olhou para ele e lhe perguntou: O que você está bebendo, Simão? (pois esse era seu nome antes de Jesus o chamar de Pedro)

- É vinho Senhor, você gostaria de prová-lo?

São Pedro lhe entregou a cabaça do vinho doce, e o Senhor, sedento como estava, e com o doce sabor daquele pequeno vinho, bebeu-o com grande prazer até esvaziá-lo. Depois de um tempo Jesus caiu em uma grande sonolência e deitou-se para dormir na sombra próxima.

São Pedro temia que Jesus tivesse ficado bêbado e adormecido como resultou. E pensou que ele iria punir, com seu poder milagroso, aquele líquido que o havia deixado sonolento e, em consequência, começou a pensar de que maneira ele amaldiçoaria aquela bebida que tanto amava e os vinhedos que produziam as uvas a partir das quais ela era obtida.

Quando Jesus acordou, perguntou a São Pedro de onde vinha o líquido que ele chamava de vinho, ao que ele respondeu que era obtido do fruto de uma árvore chamada figueira. Então Jesus surpreendentemente lhe disse com grande solenidade: "Feliz aquela árvore, que dá dois frutos por ano". E desde aquele dia a figueira nos deu os “breves” (figos) como o primeiro fruto e os demais figos como o segundo fruto.

Não sé quer a lenda seja verdadeira ou não, o que não podemos negar é que ela é muito bonita. Nunca a esqueci, e agora me dá grande satisfação contá-la a todos vocês, ao mesmo tempo em que me lembro daquela velha mulher que eu tanto amava, minha tia Cruz.

O rastro dos sessenta

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Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Desde o primeiro dia em que o meu pai me levou a conhecer El Rastro, quando eu tinha cerca de 10 anos, senti-me atraído por este Grande Mercado Callejero a tal ponto que, a partir dali, juntava-me com os meus amigos ou às vezes, com o meu primo Polo e íamos até ali para, curiosos, percorrer todas aquelas ruas onde se podia encontrar qualquer coisa que buscassem, um cinto de couro, um relógio, um disco de música, uma bicicleta, uma camiseta, um par de calças, qualquer ferramenta para um mecânico, um pedreiro, um carpinteiro, um eletricista ou qualquer outro ofício.

Então como agora, havia lojas estabelecidas e muitas outras que se estendiam em bancas de lona com estrutura metálica, montadas ao longo das calçadas na Ribera de Curtidores, Mira el Río, Plaza de Cascorro, Ronda de Toledo, Plaza de Vara del Rey, Carlos Arniches, Plaza del Campillo del Mundo Nuevo, etc.

Lembro-me de um domingo em que acompanhei a minha mãe até ali e compramos duas bicicletas usadas de segunda mão, uma de menina, sem barra superior entre o selim e o guidão, de cor rosa que era para a minha irmã Maribel e outra mais pequena de cor azul para os meus dois irmãos mais pequenos, por metade do que teria custado uma só se houvera sido nova.

Entre os dois, as levamos no ônibus da Colónia Agrícola, que nos levou até à esquina dos Talleres Recuero, no cruzamento da estrada de Carabanchel Alto com a de Villaverde Alto. A partir dali, as baixamos rodando, sobre suas rodas, até a rua de San Fortunato, onde ficava a nossa casa.

A minha querida mãe foi desfrutando ao longo do caminho, pensando em quanto gozariam meus irmãos, como assim o foi desde o momento em que lhes puseram os olhos nelas.

A minha mãe foi difícil discutir com meu pai, porque o dinheiro naquela época era sempre escasso, porém ao final meu pai teve que reconhecer que havia feito uma boa compra, acima de ver desfrutar aos meus três irmãos aprendendo a montar em bicicleta no enorme pátio da nossa casa, ajudados por mim, a fim de evitar que caissem ao chão.

Entre todas as ruas de El Rastro, havia uma que tinha uma atração especial para mim. Chamávamos-lhe Rua dos Pássaros, embora o seu verdadeiro nome fosse Fray Ceferino González.

Nessa rua vendia-se tudo o que era necessário para criar todo o tipo de aves, tais como galinhas, pombos, pintassilgos, canários, misturados, papagaios, araras e jacintos. Gaiolas, ração, redes de captura, molas de folha ou costelas, liga para apanhar pássaros vivos. Cães, gatos, coelhos, furões para caçar em tocas, capuzes para colocar nas bocas das tocas e evitar que fugissem, etc.

Uma vez comprei uma pomba e juntei-a a outras que tínhamos num pombal em casa. A pomba fugiu e quando voltei a vê-la estava na mesma banca onde a tinha comprado na semana anterior.

Esta rua estava cheia de gente todos os domingos, tanto que era quase impossível caminhar por ela.

Na sociedade espanhola daquela época eram bem vistos muitos costumes, que hoje em dia são impensáveis e que a lei persegue.

Hoje caminhei por essa rua e já não há nenhuma tenda de animais. Em contrapartida, há vários bares, uma pizzaria, um Hostel, um Centro Comunitário para idosos LGTBI, um lugar de pilates com um treinador pessoal, um lugar de prática de Yoga, uma Escola de Circo e um Estúdio de Arquitetura.

Nada a ver com a minha adolescência e reflexo da variação da nossa sociedade.

Na esquina com a Ribera de Curtidores, existe hoje uma loja de roupa, calçados e de esportes de sky mountain, muito boa por certo, mas no mesmo local existia uma das melhores tendas de música, onde adolescentes buscávamos e encontrávamos os discos mais modernos do momento, de 45, ou Longplays, os cartazes dos conjuntos mais conhecidos: Rolling Stones, The Beatles, Los Platters, Los Mustangs, The Shadows, Paul Anka, Nat King Cole, Frank Sinatra, etc... Aquela tenda era o máximo em modernidade musical.

E recordei de tudo isto dando um passeio, caminhando muito devagarzinho, acima e abaixo de minha recordada rua de LOS PÁJAROS.

Justiça catala

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Pedro Rivera Jaro 

Traduzido ao portugués por Silvia C.S.P. Martinson

Por volta de 1920, meu avô Pedro comprou um terreno na parte sul de Madri, que naqueles anos pertencia ao vilarejo  de Villaverde Alto e que, em meados do século XX, passou a fazer parte de Madri, no distrito de Arganzuela-Villaverde, onde ele queria onstruir sua casa e a casa de seus filhos adultos, que já eram casados. A primeira pessoa a construir uma casa ali foi um homem chamado Aurelio, apelidado de El Loco, aludindo ao estado que uma pessoa deve ter tido na cabeça para ousar ir morar ali, naquelas áreas lamacentas no meio dos campos de cereais. Um bairro de rua chamado Barrio de Los Locos foi formado ali, onde vários parentes de meu avô se estabeleceram, por exemplo: tia Marcelina, sua irmã mais velha com seu marido e suas filhas.

A Prefeitura de Madri nomeou a rua Barrio de San José, e este nome foi mantido até os anos 60, quando foi mudado para rua de San Fortunato, o nome que ainda hoje leva.

Minha mãe Victoria nasceu na casa do meu avô Pedro em 1923 e eu nasci em 1950. Mais tarde, em 1952, minha irmã Maribel nasceu, em 1955 meu irmão Felix e o mais novo dos quatro, Javi, veio ao mundo em 1958.

Com o passar do anos, todos esses campos de trabalho se tornaram povoados de edifícios.

 Na década de 1920 foi construída a Colônia Alfonso XIII que com o advento da Segunda República ficou conhecida como a Colônia Popular Madrilenha, e a partir de 1939 foi reconstruída sobre os restos causados pelos bombardeios da Gerra Civil ( ou melhor, da Guerra Incivil), porque toda a vizinhança era uma frente de guerra. Esta colônia construída sobre as ruínas se chamou Colonia de San Fermin, e todas suas ruas têm nomes que nos lembram Navarra, a Avenida de lós Fueros, as ruas Zalacain, Oteiza, Lofosa, Navascués, Amaya, e de fato as festividades de 7 de julho, o dia de San Firmin, trouxe à celebração de festivais ao nosso bairro.

Em 1959 o Assentamento San Firmin foi construído em continuação da referida Colônia, sob os auspícios da Obra Sindical del Hogar, do Ministério da Habitação. E do lado oposto, ou seja, a área norte, que era a mais próxima do bairro das Carolinas, San Mario, a Colônia de Andalucia, as Torres de Carabelos, etc. foram construídas. Os prédios margeados ao leste pelo Caminho de Perales, uma antiga estrada de terra, ao longo da qual os rebanhos de gado chegavam ao Matadouro Municipal de Madri, em Legazpi, para serem abatidos.

Lembro que em algumas ocasiões, quando eu era criança, se um touro feroz escapava os vizinhos avisavam imediatamente as pessoas para ficarem dentro de casa até que o perigo tivesse passado.       

A casa de meu avô Pedro, em 1972 e parte de 73, foi  demolida e dois blocos de apartamentos foram construídos em seu lugar. Meus pais, meus irmãos e eu morávamos em uma dessas novas casas, na 2ª D do número 24 da rua San Fortunato.

Em dezembro de 1973, meu pai morreu subitamente, como resultado de um derrame cerebral, aos 50 anos de idade. Minha mãe tinha a mesma idade que meu pai, ficou viúva e muito abalada.

O único consolo de minha mãe era o orgulho de ter a nós,  seus quatro filhos. E todos os dias quando saíamos para nossos respectivos empregos, ela ficava no terraço da casa, nos observando até que desaparecêssemos de sua vista.

Um dia minha mãe estava observando minha irmã Maribel em seu Seat 600 branco, descendo a rua em direção ao Camino Perales, que até então havia se tornado uma rua perfeitamente asfaltada. Quando ela estava a poucos metros da rua, um caminhão de entrega de bebidas (cervejas, refrigerantes, etc.) surgiu na entrada da San Fortunato, cuja largura impedia que qualquer outro veículo seguisse na direção oposta, forçando minha irmã a fazer marcha à ré, enquanto ele buzinava alto, para que o caminhão pudesse chegar para descarregar na loja de bebidas, que ficava cerca de 50 metros mais adiante. O entregador poderia ter facilitado a saída do Seat 600, que ficava a dois metros da saída para a outra rua, mas em gesto altivo e arrogante ele forçou minha irmã a fazer marcha à ré na rua.

Mas para sua desgraça, minha mãe que tinha observado as manobras de seu observatório no terraço, desceu as escadas correndo e correu pelo meio da rua, obrigando minha irmã a parar e continuou correndo até chegar onde o motorista do caminhão estava descarregando caixas de refrigerantes. Ele era um homem de cerca de 35 anos, com uma aparência física forte. Minha mãe ficou diante dele e o esbofeteou duas vezes com força e sonoramente alto, nas duas bochechas, ao mesmo tempo gritando: “VOCÊ É UMA PESSOA ABUSADA E CANALHA”. Agora você entra no caminhão e volta, assim como fez com minha filha  que sairá pela rua antes que voltes a entrar.

O repartidor atônito, meio surpreendido, meio assustado, subiu na cabine do seu caminhão e deu marcha a ré. Em seguida minha irmã saiu da rua com seu utilitário, enquanto minha mãe largando chispas pelos olhos regressou à casa presa de descarga de adrenalina e furiosa pelo abuso daquele homem.

Minha mãe que era uma pessoa extraordinariamente carinhosa e   boa teve naquela ocasião uma irada reação contra o que considerou um insuportável abuso contra uma jovenzinha condutora, ademais por ser sua filha.

Tudo o que anteriormente os contei, hoje é em homenagem a minha querida mãe no quinto aniversário  de seu falecimento, quando contava 94 anos de idade.

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